Saturday, May 01, 2010

Trapalhada inesquecível


Brown pode ganhar ou perder as eleições desta quinta-feira,
dia 6, mas não se apagam mais do seu legado as ofensas
a uma eleitora que ele fez pensando que ninguém o ouvia


Diogo Schelp

Lewis Whyld/AP
DUAS CARAS
Brown conversa com aposentada. Depois, a sós com um assessor, chamou-a de preconceituosa

A possibilidade de um episódio assim acontecer deveria ser incluída na lista de condições para uma democracia: um cidadão comum sai de casa para comprar pão, cruza no caminho com o governante do país e, após trocar algumas palavras casuais com ele, reduz sua chance de renovar o mandato nas urnas. Pois foi o que ocorreu na Inglaterra, na semana passada. A aposentada e viúva Gillian Duffy, de 65 anos, aproveitou a presença do primeiro-ministro inglês, Gordon Brown, em seu bairro em Rochdale, uma cidade nos arredores de Manchester, para expressar sua preocupação com a qualidade da educação, o déficit público, o aumento de impostos e, principalmente, a crescente imigração no país. Brown estava em campanha para as eleições legislativas do dia 6 de maio, das quais depende a sua permanência no cargo. As pesquisas mostram que o seu partido, o Trabalhista, tem apenas um quarto das intenções de voto, enquanto o Conservador, de David Cameron, e o Liberal Democrata, de Nick Clegg, abocanham, cada um, um terço da preferência dos eleitores. Brown até se saiu bem no debate de rua improvisado com a eleitora. Segundos depois, contudo, crente de que estava seguro no interior de seu carro, classificou a conversa com Gillian Duffy de desastrosa e ridícula e chamou a aposentada de preconceituosa. O desabafo foi registrado por uma equipe de TV, pois Brown havia se esquecido de tirar o microfone sem fio da lapela. O trabalhista teve de pedir desculpas a Gillian. "Todos nós dizemos em particular o que jamais diría-mos em público. Mas é raro pegar um político inglês numa situação assim e, quando isso acontece, pode-se ter uma ideia menos dissimulada de como ele pensa", disse a VEJA o cientista político Phillipe Cowly, da Universidade de Nottingham, na Inglaterra.

A campanha eleitoral deste ano já é incomum porque, pela primeira vez desde 1974, o país pode ter um parlamento em que nenhum dos partidos conseguirá a maioria absoluta das cadeiras. Isso deve acontecer porque os três debates televisivos, inéditos em uma eleição britânica, foram bem aproveitados pelo liberal-democrata Clegg para conquistar eleitores e tirar o seu partido da irrelevância. Se as intenções de voto se confirmarem, as bancadas dos conservadores e dos trabalhistas terão de disputar o apoio dos liberais-democratas para poder governar. Clegg já disse que não fará uma coalizão com o Partido Trabalhista se a opção para o cargo de primeiro-ministro for Gordon Brown. O ocaso de Brown, há treze anos no governo, pode mesmo estar próximo. Mas não se pode atribuir um possível fracasso dele nas urnas apenas às suas trapalhadas ao microfone. O episódio ficará na memória com a derrota ou a vitória de Brown.

Gareth Fuller/Reuters e David Moir/Reuters
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