Assim, vai acabar em CPI
Em tese, eliminar parte da burocracia, espécie de irmã siamesa da corrupção, e dar mais agilidade ao governo para executar as obras são decisões elogiáveis sob o ponto de vista administrativo. A dúvida começa a surgir quando se observam os personagens envolvidos no processo e as experiências recentes. A bolada liberada pelo governo vai ser gerida pela Infraero, a estatal que cuida dos aeroportos brasileiros. Em 2007, a CPI que investigou o setor aéreo descobriu desvios de 500 milhões de reais em contratos da estatal com empreiteiras - as mesmas, aliás, que vão participar desta nova etapa de obras. Ou seja, mesmo com todo o rigor das regras licitatórias em vigor, meio bilhão de reais desapareceu por meio de fraudes em licitações e superfaturamento de preços. Dos treze aeroportos brindados agora com 5 bilhões de reais, quatro ainda estão com as obras paralisadas em razão de irregularidades identificadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Apenas na reforma do Aeroporto de Cumbica, justamente onde a situação é mais precária, foi identificado um superfaturamento de 254 milhões de reais - dinheiro que saiu do bolso dos contribuintes brasileiros e foi parar na conta bancária de larápios. Apesar disso, o governo pretende despejar ali mais 920 milhões de reais nos próximos anos. O uso da urgência como argumento para afrouxar o rigor de licitações também não é novo, mas é igualmente previsível. Com a mesma desculpa de falta de tempo, o país gastou 4 bilhões de reais em obras de infraestrutura para sediar os Jogos Pan-Americanos no Rio de Janeiro, em 2007. É dez vezes a cifra prevista no orçamento inicial e doze vezes a média de gastos das quatro edições anteriores. Assim como se quer fazer com as obras da Copa, no Pan do Rio inúmeros contratos foram firmados sem licitação ou com regras frouxas. O resultado é que, até hoje, ainda há cerca de vinte contratos do Pan sob suspeita sendo investigados pelo TCU. Diz o procurador Marinus Marsico, que atua no tribunal: "Já se fez muita coisa com a desculpa da urgência. Mas às vezes se chega a esse ponto apenas para firmar contratos sem licitação ou com regras frouxas que facilitam a corrupção". Previsível.O governo usa atraso nas obras da Copa para justificar
regras mais frouxas em licitações e despejar 5 bilhões
de reais em estatal que já promoveu desvios de meio bilhão
Gustavo RibeiroFotos Wilson Pedrosa/AE e Adauto Cruz/CB/D.A Press A URGÊNCIA E A PRUDÊNCIA
O ministro do Esporte, Orlando Silva (à esq.), comemora as regras mais frouxas, enquanto o procurador Marinus Marsico, do TCU, pede cautela: a pressa às vezes é companheira da corrupção
Em outubro de 2007, na Suíça, a Fifa anunciou que o Brasil sediaria a Copa do Mundo de 2014. Era notícia boa, mas previsível. Único candidato a hospedar um dos maiores espetáculos esportivos do planeta, já se sabia pelo menos seis meses antes que o país entraria para a reduzida galeria das cinco nações com o direito de receber pela segunda vez uma Copa. Passada a euforia, foram selecionadas as cidades-sede dos jogos, elaborados os projetos de modernização dos estádios, elencadas as obras de infraestrutura necessárias, mas quase nada se fez para resgatar tudo isso do universo das intenções. Com os prazos cada vez mais exíguos, a única alternativa para evitar o vexame de perder o direito de sediar o campeonato é acelerar o cronograma. Na semana passada, o governo anunciou a liberação de 5 bilhões de reais para realizar obras nos aeroportos. Calcula-se que mais de 500 000 turistas visitarão o país durante a Copa. Construir e ampliar os terminais hoje já saturados, portanto, é imperativo. Ciente de que está numa corrida contra o tempo, o governo também enviou ao Congresso uma lei que agiliza o processo licitatório. As medidas parecem positivas, mas têm cara, jeito e cheiro de problema.Antonio Milena VOO CEGO EM CUMBICA
O aeroporto, cujas obras foram paralisadas por desvios de 254 milhões, receberá mais 1 bilhão
"A simplificação do rito facilita o enfrentamento das dificuldades nos aeroportos", argumenta o ministro do Esporte, Orlando Silva. Se com regras rígidas o dinheiro sumiu sem que ninguém desse conta, parece previsível o que poderá ocorrer com normas mais flexíveis, ainda mais aplicadas a toque de caixa. Diz Cláudio Abramo, diretor executivo da Transparência Brasil: "Sempre se usa o termo ‘flexibilização’ quando se deseja permitir mais liberdade de decisões. Essa liberdade torna o processo mais vulnerável a fraudes". Não se pode esquecer de outra agravante considerável. A flexibilização azeitada com 5 bilhões de reais de orçamento vai acontecer em um ano eleitoral. Parte dos recursos que saem dos cofres públicos para pagar obras superfaturadas alimenta campanhas de partidos e de políticos. É um ciclo vicioso que interessa a muita gente e, por isso mesmo, difícil de ser interrompido. Talvez por essa razão, as mudanças nem sequer tangenciam o festival de desvios promovidos pela Infraero em conluio com políticos e empreiteiras - esse sim talvez o mais escandaloso problema dos aeroportos brasileiros.