Saturday, May 22, 2010

O guarda alemão


A líder política da maior economia europeia abre fogo contra os mercados


Luís Guilherme Barrucho

Fotos Michael Kappeler/AFP; Franck Fife/AFP
ANGELA MERKEL, chanceler da Alemanha

Pode ser difícil entender como um país diminuto como a Grécia desencadeou uma crise tão grave na Europa. Mais complicado ainda é compreender como uma sisuda senhora de 55 anos aprofundou a instabilidade e levou a uma nova queda generalizada das bolsas. Discursando na Câmara Baixa, na terça-feira, Angela Merkel, comandante da maior economia europeia, afirmou que "o euro está em perigo". A retórica catastrofista, uma surpresa diante da serenidade usual de Merkel, seria querosene suficiente para inflamar os mercados. Mas a chanceler foi além. Decidiu banir a "venda a descoberto" (uma operação financeira em que especuladores apostam na queda do valor de um título ou ação) que envolve empresas financeiras e títulos públicos dos países da zona do euro. A medida, tomada unilateralmente e criticada pela França e pelos demais países europeus, foi pessimamente recebida. Além de temerem o agravamento da tragédia financeira grega, os investidores convivem agora com a ameaça de ser penalizados para que se aplaquem demandas politiqueiras.

"O euro é uma moeda sólida. Não acho que esteja em perigo."
CHRISTINE LAGARDE,
ministra francesa da Economia


A decisão de Merkel terá pouco efeito prático. A maior parte das transações de venda a descoberto feitas na Europa é fechada em Londres. Além disso, inexiste evidência de que esses contratos sejam capazes de precipitar crises, como argumenta a chanceler. Os títulos da Grécia se desvalorizam por causa da precariedade financeira do país, e não como decorrência da ação de especuladores que apenas viram com antecedência algo que acabaria acontecendo. "Os governos devem agir contra certos comportamentos destrutivos praticados pelos bancos, mas a decisão alemã surpreendeu pela ineficácia e falta de coordenação", disse Carlo Bastasin, economista do Peterson Institute for International Economics.

É inevitável que haja ajustes na regulação financeira internacional, assim como ocorreu após o crash de 1929. Nos Estados Unidos, por exemplo, deverá ocorrer a mais profunda reforma desde os anos 30. Na semana passada, o Senado aprovou um projeto que, entre outras medidas, cria um órgão para defender os direitos dos pequenos investidores e dá mais poderes ao Federal Reserve (banco central) para intervir em instituições problemáticas. O plano precisa ser harmonizado com uma legislação similar aprovada pela Câmara, antes de seguir para a sanção do presidente Barack Obama. Nos Estados Unidos, ao menos, tais ajustes serão feitos depois de dois anos de longas discussões e negociações. O objetivo, se alcançado, será remendar falhas e dar mais segurança ao sistema financeiro, mas sem sufocá-lo em suas funções mais nobres: fazer chegar crédito a quem dele necessita e remunerar as poupanças. Na desunida União Europeia, o repente de Merkel apenas obscureceu um cenário profundamente incerto.

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