Saturday, March 20, 2010

Aventuras vertiginosas para garotos e garotas\


No excelente Como Treinar o Seu Dragão, não há
emoção que se compare à de dar asas à imaginação


Isabela Boscov

Fotos Divulgação
VOO-SOLO
Soluço cavalga o dragão Banguela: quando as regras dos adultos não servem, que se criem novas


Praticamente não existe ficção infantil ou infantojuvenil cujo tema central não seja o confrontamento com as regras do mundo adulto – porque há pouco, na vida de uma criança, que consuma mais tempo e energia do que entendê-las, ou que cause mais perplexidade e eventual sofrimento do que aprender a lidar com elas. Por boa razão, assim, essa é a base sobre a qual se assenta o roteiro de boa parte dos filmes para crianças que se produzem hoje. Mas não muitos podem se gabar de compreender tão bem o reverso dessa condição quanto Como Treinar o Seu Dragão (How to Train Your Dragon, Estados Unidos, 2010). No desenho que estreia na sexta-feira no país, o menino Soluço, magrinho e meio medroso, é um fracasso como viking e uma decepção para seu pai, o chefe do clã. Nunca vai ser um caçador de dragões. E matar dragões é o que de mais essencial se pode fazer na ilha de Berk, assolada por ferocíssimos cuspidores de fogo. Uma coincidência, um momento de compaixão e a curiosidade típica da idade o colocam em um caminho diferente. Soluço vai se transformar, em segredo, em um domador de dragões. E essa é de fato a pedra de toque do filme – o sentimento libertador, inebriante e vertiginoso que uma criança prova quando descobre que, às vezes, há uma alternativa a pôr-se sob as rédeas adultas: pode-se usar a imaginação para inventar regras melhores.

FREUD EXPLICARIA
O chefe da aldeia: um viking-modelo, mas não necessariamente um pai ideal


Como Treinar o Seu Dragão
é adaptado do livro homônimo (tradução de Heloisa Prieto; Intrínseca; 224 páginas; 19,90 reais), o primeiro de uma série de oito volumes protagonizados por Soluço e escritos pela inglesa Cressida Cowell. A autora, que passou os verões de sua infância em uma ilha escocesa isolada, sem eletricidade nem telefone, guarda uma lembrança vívida do senso de aventura que experimentou ali, e em especial de como acreditava que, naquela costa escarpada, os dragões existiriam de fato. Essa memória emotiva norteia seus livros e permanece intacta na animação dirigida pela dupla do anárquico Lilo & Stitch.

Os cenários são sempre monumentais, mas ora parecem idílicos, ora têm um quê de assustador, como no mundo interior da infância – sugestões muito bem aproveitadas no trabalho em 3D. A descoberta mútua entre Soluço e o dragão Banguela, que ele salva e "conserta" (ele perdeu parte da cauda ao ser perseguido), é repleta de humor e sentimento. E o final introduz um dado real de sacrifício físico que é mais comum em desenhos inflexivelmente morais como os do japonês Hayao Miyazaki do que nas animações dos grandes estúdios americanos (no caso, a DreamWorks de Shrek), com sua visão superprotetora da infância: aqui, Soluço perde algo precioso por se manter fiel às suas convicções. Mas ele e toda Berk ganham mais ainda por ter ouvido o menino que compensa o que lhe falta em autoridade com o que lhe sobra em imaginação.


Trailer

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