Meninas super poderosas
Para Gaga, esse é mesmo o tripé sobre o qual se sustenta a cultura pop, assim como seu próprio sucesso sem precedentes. Com Telephone, ela e Beyoncé igualaram o recorde de Mariah Carey, como as únicas artistas a levar um total de seis canções ao topo da parada pop da Billboard (a medição, baseada em execuções no rádio, começou a ser feita em 1992). A diferença é que Mariah Carey realizou seu feito no decorrer de doze anos, entre 1993 e 2005, enquanto Beyoncé o fez ao longo de sete anos, entre 2003 e a semana passada. Lady Gaga, porém, debutou na parada pela primeira vez dezesseis meses atrás. Há menos de um ano e meio, portanto. É a única artista, homem ou mulher, a emplacar seis canções consecutivas no primeiro lugar – e em tão pouco tempo. Deixe-se Mariah Carey, cujo momento já passou, de fora dessa equação. Entre Beyoncé e Lady Gaga, não há dúvida de que a primeira é o talento mais completo: Beyoncé é linda, tem uma voz extraordinária, é uma grande dançarina e uma intérprete capaz de abarcar qualquer gênero. Já vendeu mais de 25 milhões de discos, em meio à crônica e ao que tudo indica irreversível crise da indústria fonográfica, e é indiscutivelmente um ícone. Lady Gaga é sexy, mas não bonita. Dança bem, mas não especialmente bem. Tem uma voz que não é má, mas que, por seus próprios méritos, não a levaria nem perto do ponto a que ela chegou. E é uma compositora extremamente eficaz, mas apenas e tão somente de pancadões superproduzidos e hiperdançáveis (ao menos até aqui). Em Telephone, contudo, é Gaga quem está no comando. Beyoncé, não obstante os mais de 100 milhões de acessos no YouTube ao onipresente vídeo de Single Ladies (isso sem incluir as incontáveis paródias), que a credenciam a figurar como uma das renovadoras desse gênero, está de carona, aprendendo como se faz para desdobrar um conceito até suas últimas possibilidades.Com Telephone, Lady Gaga e Beyoncé fazem mais do que renovar
o clipe como peça de divulgação da música pop. Agora, a música pop
é que passa a existir em função do clipe
Sérgio MartinsFotos Divulgação ANUNCIE AQUI
Lady Gaga em cena de Telephone: clipe com nove patrocinadores, referências a Quentin Tarantino
e muito sexo proibido para menores
No último dia 11, a cantora americana Lady Gaga lançou o clipe da canção Telephone. O vídeo, que é coestrelado pela diva Beyoncé, tornou-se uma sensação imediata no YouTube. Em algumas horas, foi visto por 500 000 pessoas. Em uma semana, ultrapassou a casa dos 20 milhões – e contando. Pode-se imaginar que o total estaria progredindo ainda mais rapidamente se, a certa altura, o YouTube não tivesse restringido seu acesso a maiores de idade: demorou, mas a direção do site afinal se deu conta de que Telephone exibe "conteúdo impróprio". Muito impróprio. No filmete de nove minutos e 32 segundos de duração (a música entra só lá pelo terceiro minuto, e é diversas vezes interrompida para que o enredo se desenrole), Lady Gaga, também coautora do roteiro, é levada a uma prisão feminina e violentamente despida por carcereiras lésbicas, que querem conferir os rumores de que a pop star seria hermafrodita (não, não é, concluem, olhando de perto as evidências). Gaga beija langorosamente uma prisioneira com jeito de homem, dança vestindo um exíguo biquíni de couro e enrola o cabelo com latas de um refrigerante diet – um dos dez patrocinadores cujas marcas são muito visíveis no clipe. Quando Beyoncé a liberta da prisão e as duas dividem um bolinho de recheio cremoso, em uma cena que pode e deve ser levada para a maldade, Gaga já deixou claro o manifesto representado por Telephone. Sua concepção do pop é tão extrema, nos dias de hoje, quanto aquela que Madonna propôs na década de 80: desde que o próprio artista esteja no controle de sua imagem, não há limite para sua exploração, transformação em objeto de fetiche e comercialização.DO OUTRO LADO DA LINHA
Beyoncé atende ao chamado de Gaga: apesar dos 100 milhões de acessos a Single Ladies, agora ela é quem tem a aprender
Desde que Lady Gaga se lançou, esta tem sido a engrenagem que a faz acumular tal ímpeto: o videoclipe. Por causa dela, o clipe saiu da estagnação criativa e mercadológica em que se encontrava havia quase duas décadas e promete voltar a ser a peça promocional prioritária da música pop. Ou, seguindo o raciocínio disposto por Gaga em ví-deos como Poker Face, Paparazzi, Bad Romance (este, com 152 milhões de acessos até aqui) e em particular o novoTelephone, a música pop é que passa a existir em função do videoclipe. Telephone inclui um sem-número de referências aos trabalhos do diretor Quentin Tarantino e dos papas do movimento pop, os artistas plásticos Andy Warhol e Roy Lichtenstein: na visão de Gaga, a sua arte é a mesma que a deles – não a música nem o figurino extravagante, mas a manipulação da sua imagem. Lady Gaga, enfim, é o produto que Lady Gaga fabrica a cada aparição sua. É compreensível, assim, que ela deteste ver mencionado seu nome verdadeiro, Stefani Joanne Angelina Germanotta. Seja quem for essa pessoa, ela é isso – uma pessoa real. Não a criação efervescente, excitante e indecifrável que ela inventou e a quem deu o nome de Lady Gaga. E que, desde então, foi incumbida de inventar as mil Gagas diferentes – e contando – vistas até aqui.