Um Olhar do Paraíso, de Peter Jackson
Um pouco menos de paixão teria sido salutar. Um Olhar do Paraíso (The Lovely Bones, Estados Unidos/Nova Zelândia, 2009), que estreia no país na próxima sexta-feira, padece com a delicadeza excessiva com que o diretor aborda o tema. Ainda que não seja perfeito, o romance tira muito de sua força inegável da clareza com que Susie relata a violência de que foi alvo. Sem a brutalidade desse trecho, a inocência que ela é capaz de preservar parece o estado natural das meninas de sua idade, e não a decisão heroica que de fato é. Sem ela, também, o tom de fábula que a trama progressivamente adquire açucara antes da hora. Jackson, porém, extirpou do filme essa violência; segundo ele, o espectador de um filme não tem sobre as imagens o controle que um leitor tem sobre sua imaginação, e todo o filme seria tingido pelo choque inicial. Em teoria, o raciocínio é sólido. Na prática, bem menos. Desprovido do contrapeso desse ato hediondo, o filme flutua, leve demais, colorido e fantasioso como a bolha de sabão em que Susie mora, no seu além particular (e que, justiça seja feita, Jackson cria com imagens de beleza singular). Também o elenco se ressente da falta dessa âncora. Bons atores, como Saoirse Ronan, de Desejo e Reparação, que faz Susie, Rachel Weisz, como sua mãe, e Stanley Tucci, indicado ao Oscar de coadjuvante pelo papel do psicopata, parecem estar cada um em sua própria trama, sem um centro que lhes proporcione coesão. Só em um aspecto Um Olhar do Paraíso não foge mesmo à realidade: na atuação atroz de tão equivocada de Mark Wahlberg como o pai da menina morta. E esse aspecto, justamente, é o que o filme teria feito melhor em dispensar.O pecado da delicadeza
Um Olhar do Paraíso contém um ato brutal, que o diretor Peter Jackson
não quis mostrar. Sem ele, porém, a adaptação do romance de Alice
Sebold perde sua âncora e flutua, leve demais, como uma bolha de sabão
Isabela BoscovDivulgação NO ALÉM
Saoirse como a protagonista, Susie, assassinada aos 14 anos: uma inocente capaz de descrever sem meios-termos a violência de que foi alvo
Publicado em 2002, o romance Uma Vida Interrompida (Ediouro), da americana Alice Sebold, rapidamente ganhou uma facção de admiradores arrebatados por sua narrativa incomum: Susie Salmon, a protagonista, principia seu relato contando como foi assassinada, em 1973, aos 14 anos, por um psicopata que mora a poucas casas da sua. Trata-se de uma abertura brutal: Susie é atraída para um buraco em um milharal, estuprada, morta e esquartejada. George Harvey, o vizinho, dispõe de seu corpo de modo que ele nunca venha a ser encontrado. Apenas um cotovelo resta, e é farejado por um cachorro. De um lugar entre a terra e o céu, Susie observa durante os anos seguintes os efeitos terríveis de sua morte sobre sua família. Tenta comunicar-se com ela, mas não consegue atravessar a membrana de sua consciência; está fadada a ser uma lembrança, uma impressão, uma presença fugidia. Susie tenta, acima de tudo, fazer com que seu assassino seja desmascarado. Mais até do que a ligação com a família, é essa obsessão que impede que ela siga adiante, seja onde for o adiante. Histórias sobre perda e saudade necessariamente apelam aos sentimentos de quem as enfrentou. E o diretor neozelandês Peter Jackson, que leu o livro pouco depois de perder seu pai e sua mãe, em um curto intervalo de tempo, respondeu ao apelo de forma passional. Adquiriu os direitos do romance e, junto com sua mulher, Fran Walsh, e sua outra colaboradora habitual, Philippa Boyens, começou a preparar uma adaptação antes mesmo que seuKing Kong, de 2005, estivesse concluído. Nesse meio-tempo, disse Jackson a VEJA, seus dois filhos foram passando da infância à adolescência, e o enredo adquiriu para ele impacto redobrado.Trailer