Um Homem Sério, de Joel e Ethan Coen
Paciência de Jó
Em Um Homem Sério, como de costume, os irmãos Coen submetem
um personagem a todo tipo de tribulação. Mas, desta vez, nem eles
conseguem achar muita graça em ver um sujeito tão bom sofrer tanto
Isabela Boscov
Divulgação |
TRIBULAÇÃO Michael Stuhlbarg, como o pobre Larry Gopnik: como na história de Jó, as desgraças despencam sobre ele, mas ele não se queixa. Só tenta acertar |
Um Homem Sério (A Serious Man, Estados Unidos/Inglaterra/França, 2009), dos irmãos Ethan e Joel Coen, começa com uma historieta que parece estar lá por capricho. Passada em uma noite de inverno em um vilarejo qualquer do Leste Europeu, ela mostra um marido que chega em casa feliz porque recebeu a ajuda de um velho bem no momento em que sua carroça quebrou. Ora, diz sua mulher, o velho em questão morreu três anos antes. O marido só pode ter visto um dybbuk,um espírito mau, o que significa que eles foram amaldiçoados por Deus - problema que ela trata então de resolver rapidamente e com formidável senso prático. Os Coen dizem ter inventado essa pequena fábula iídiche só por diversão, e afirmam que ela não tem nenhuma relação com o enredo principal. O filme que estreia em São Paulo e no Rio de Janeiro na próxima sexta-feira, entretanto, desmente essa afirmação: o preâmbulo é, na verdade, como uma moral da história que fosse oferecida antes da história em si.
O protagonista de Um Homem Sério é Larry Gopnik, professor de física em uma faculdade do Meio-Oeste americano, pai de família e pessoa dócil. Tanto que, quando sua vida bruscamente sai do eixo, em 1967, Larry é incapaz de esboçar uma reação. Seu irmão desequilibrado está acampado em sua casa, e ele não consegue expulsá-lo. Sua mulher comunica-lhe que quer o divórcio, e ele se propõe a suportar um encontro social a três com o noivo que tomará seu lugar. Este sugere que ele se mude para um motel pulguento, e ele aquiesce; e os filhos só ligam para ele para reclamar que a televisão não está pegando bem. E lá vai ele arrumar a antena. Falta espinha a Larry, claro. Mas talvez seja mais relevante o fato de que lhe sobra outra coisa - fatalismo e sentido de culpa. Ou seja, aquela parte de sua herança cultural que sua tentativa de se misturar à paisagem da América interiorana nunca poderia erradicar.
Curiosamente, esta é a primeira ocasião em toda a sua carreira que os irmãos Coen, judeus do Meio-Oeste americano que atravessaram a adolescência nos anos 60, fazem uma referência direta à sua própria herança. E, ainda que Um Homem Sério tenha em comum com seus filmes anteriores o olhar cruel para com as desventuras ou as falhas de caráter de seus personagens, ele trai uma empatia genuína para com Larry. Que, embora não pareça ao restante da comunidade judaica que o cerca um homem sério - leia-se, um homem de peso e de consequência -, é, sim, um homem que infalivelmente tenta fazer o melhor, o mais certo e o mais generoso. Como Jó, ele procura o erro em si, e não nos desígnios divinos. Não compreende que muitas das pessoas que se apresentam como amigas são na verdade como dybbuks; busca respostas para suas tribulações junto aos rabinos, e não percebe que eles não as têm. Não obstante o tratamento cômico dado a muitas dessas cenas, não há aqui o humor displicentemente maldoso de Queime Depois de Ler, ou os personagens folclóricos de Onde os Fracos Não Têm Vez. Talvez Larry seja bom demais, ou os irmãos tenham se afeiçoado a ele mais do que pretendiam: desta vez, nem eles conseguem achar muita graça no espetáculo de uma vida em desmoronamento.