Saturday, February 20, 2010

O bom exemplo


Juan José Campanella, de O Filho da Noiva, passou os últimos
anos dirigindo seriados como Special Victims Unit na televisão
americana. Em O Segredo dos Seus Olhos, ele combina o
melhor desse treino com uma história integralmente argentina


Isabela Boscov

Divulgação
PASSADO VERSUS PRESENTE
Darín, com Guillermo Francella (ao fundo): um crime que, como os vícios argentinos, desafia as tentativas de chegar a uma solução


Em 1974, uma moça recém-casada é estuprada e morta. Um time da Promotoria de Buenos Aires investiga o caso, em vão. Até que, examinando um álbum de fotografias, o perito Benjamín Espósito (Ricardo Darín) cisma com o olhar intenso que um rapaz dirige para a vítima. O viúvo não faz ideia de quem seja esse homem; como pista, ele não é grande coisa. Mas é tudo o que Espósito tem - isso e a convicção de que esse é um caso que vai assombrá-lo, e que ele precisa resolver. Sobre a primeira parte de seu palpite, ele está certo: quando O Segredo dos Seus Olhos(El Secreto de Sus Ojos, Argentina/ Espanha, 2009) começa, cerca de 25 anos se passaram e Espósito está aposentado, mas não tranquilo. Com a ideia de escrever um romance sobre o episódio, ele revisita não só os acontecimentos do passado como também sua chefe (Soledad Villamil), então uma promotora jovem e cheia de brios, com quem ele quase teve um romance - sendo "quase" a palavra que o atormenta. Indicado ao Oscar de produção estrangeira deste ano, o filme de Juan José Campanella, que estreia no país nesta sexta-feira, é tão fluente e bem engendrado que cria a impressão de simplicidade. Mas, para chegar a ela, o diretor emprega uma artesania de qualidade notável, além de grande autocontrole. Não é só a sua perícia que ele deixa de ostentar. É, principalmente, a maneira ardilosa como ele entretece o passado com o presente e os dramas pessoais dos personagens com o drama maior argentino - sobretudo o vício do peronismo.

Campanella é um cineasta para quem a narrativa vem com naturalidade, assim como a medida adequada do trágico e do cômico e o dom de achar o ator certo para cada papel (ou de criar o papel certo para seu ator predileto, Darín). Mas aqui ele dá um salto. Em seguida ao sucesso de O Filho da Noiva, de 2001, ele passou quase toda a última década na televisão americana, dirigindo episódios de Dragnet, House e, com maior frequência, Lei e Ordem: Special Victims Unit. São todas séries que primam pela concisão, eficácia e disciplina, e o treino que elas representam é visível no manejo hábil, gracioso até, de uma estrutura tão complexa quanto a de seu novo filme. Mas a aula mais importante, sobre o que deve ser aproveitado e o que é melhor dispensar, é ele próprio quem tem a dar. Não há, em O Segredo dos Seus Olhos, nada de cópia, imitação ou transposição: há, sim, uma destreza narrativa que é universal, mas que ele refinou e depurou para uma história integralmente argentina.


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