Friday, February 12, 2010

A autoajuda em Viver a Vida

Minutos de sabedoria

Viver a Vida é a primeira novela de autoajuda de que se
tem notícia. Até os atores têm uma guru nos bastidores


Marcelo Marthe

Fotos divulgação/TV Globo
DEIXA FLUIR
A tetraplégica Luciana (Alinne Moraes) é amparada pela fisioterapeuta: nessa novela, não há becos sem saída


A fisioterapeuta Larissa (Patrícia Carvalho-Oliveira) não faz só massagens na tetraplégica Lu-ciana (Alinne Moraes). Sempre que ela surge em Viver a Vida, o espectador pode esperar algum conselho luminoso. Quando Luciana se mostra revoltada com a perda dos movimentos, Larissa a conforta: "Meu amor, vou repetir para você: espere. O tempo vai lhe dar a resposta". Ao eleger a "superação" como tema, o autor Manoel Carlos acabou produzindo uma novela de autoajuda. "Parto do princípio de que não existe beco sem saída", diz ele. O enfoque não se limita aos depoimentos de gente sofrida no final dos capítulos. Na internet, a equipe do noveleiro mantém um blog em que Luciana dá lições de perseverança (detalhe: as pessoas deixam comentários e perguntas como se a personagem fosse de carne e osso). Mas é a fisioterapeuta quem melhor sintetiza esse espírito, digamos, motivacional. Na condição de preparadora do elenco (sua função original - e que a levou a obter a ponta como atriz), Patrícia auxilia as estrelas da novela a "se encontrarem". Como uma Deepak Chopra de saias, ela se vale de um método que mistura teatro, alquimia e física quântica. "Energia gera forma e forma gera energia. Para atingir a vibração vital, os atores têm de se localizar nesse fluxo louco", diz. Muito louco.

Fernando Torquato
VIBRAÇÃO LOUCA
Patrícia, vestida de noiva para divulgar seu livro: "Energia gera forma e forma gera energia"


Embora Manoel Carlos garanta nunca ter lido um livro de autoajuda, há semelhanças notáveis entre as situações do folhetim e essas obras - que compõem um filão editorial robusto, com mais de 50 000 títulos disponíveis nas livrarias. As conversas de Luciana com a mãe, Tereza (Lilia Cabral), parecem ecoar a ficção espírita de Zibia Gasparetto (veja o quadro). No hospital, a médica Ariane (Christine Fernandes) soa como os camaradinhas espirituais Chalita e padre Fábio - autores do best-seller Cartas entre Amigos - quando oferece apoio ao marido de uma paciente com câncer (consolo nada desinteressado: ela está é doida para tomar o lugar da mulher). "O Manoel Carlos está se esmerando em oferecer instrumentos terapêuticos aos espectadores", constata um profissional do ramo, o psiquiatra Roberto Shinyashiki, autor de Você - A Alma do Negócio.

O trabalho de Patrícia, pessoa física, é a prova de que a autoajuda desconhece fronteiras de gênero (e de piração). A carioca de 35 anos se descreve como uma "mulher multimídia e multifuncional". É autora de 3 - Um Romance para Ler de uma Só Vez, história sobre um casal narrada numa toada fragmentária (e com certo tom de aconselhamento sentimental). Para divulgar o livro, lançado de forma independente, a moça comparece a livrarias usando um vestido de noiva. A certa altura, arranca a cauda do vestido e, leve e solta, engata uma performance poético-robótica. "Quero passar uma mensagem de resgate do romantismo: amem-se profundamente", diz.

E ela é o guru dos bastidores. O ibope da novela é capenga e os atrasos de Manoel Carlos na entrega dos roteiros exasperam os atores - mas estes sempre terão Patrícia para lhes dar consolo. Ela estabeleceu seu cacife ao monitorar a atriz Larissa Maciel, novata na Globo, como a cantora Maysa na minissérie homônima. Seu método, o Lupa, pretende "ampliar a realidade do ator" (daí o nome: a lupa amplia, entende?). O Lupa se baseia na velha noção alquímica das quatro forças da natureza, terra, fogo, água e ar. "Quando Maysa cantava, seu olhar penetrante era reflexo da força da água. O pescoço também era água.Trabalhei essa energia na Larissa", diz. Patrícia repetiu a técnica com atores de Viver a Vida como Mateus Solano, intérprete dos gêmeos Jorge e Miguel. "Jorge é terra total. Já o Miguel está mais para o fogo e a água", avalia. Jayme Monjardim, diretor de Maysa e de Viver a Vida, foi quem apostou na preparadora - e apadrinhou sua conversão em atriz, depois de ela passar meses treinando Alinne Moraes como tetraplégica. Patrícia, de quebra, já tinha auxiliado a cantora Tânia Mara, mulher do diretor, num esforço de "libertação da voz". Para a autoajuda, não há mesmo becos sem saída.


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