As Farc paraguaias
Ainda nos anos 70, o Paraguai se tornou um porto seguro para o narcotráfico e o contrabando de armas. Agora, o país é assolado também por uma filial das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). A sucursal guarani se autointitula Exército do Povo Paraguaio (EPP) e, tal como sua matriz andina, recorre ao terrorismo para tentar implantar o comunismo. O EPP já instalou bombas em prédios públicos, atacou bancos, invadiu fazendas, assassinou policiais e civis. Sua principal atividade, no entanto, são os sequestros, que já lhe renderam 5 milhões de dólares em resgates. Quando são encurralados pelas autoridades, seus líderes fogem para a Argentina ou para o Brasil. A Argentina os devolve ao país de origem. Mas quem chega aqui consegue que o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare) lhes dê a condição de refugiado, o que impede que sejam extraditados e processados em seu país natal. Foi isso que ocorreu com Juan Arrom, Anuncio Martí e Victor Colmán. Desde 2004, o Paraguai tenta repatriá-los e julgá-los pelo sequestro de Maria Edith Debernardi, nora de um ex-ministro da Economia e mulher de um dos empresários mais ricos daquele país. Neste mês, a chancelaria paraguaia fez um novo apelo para a extradição dos acusados. Em carta ao Itamaraty, o Paraguai relaciona 37 provas de que o trio é culpado pelo rapto e que comanda o EPP a partir do Paraná, onde está morando. Entre elas, estão 188 e-mails que detalham as relações das Farc com o EPP e a atuação da quadrilha paraguaia no Brasil. Essas mensagens foram encontradas no notebook do número 2 das Farc, Raúl Reyes, morto há dois anos pelo Exército colombiano. Uma delas revela como foi planejado o crime mais cruel do EPP: o sequestro e execução de Cecilia Cubas, filha do ex-presidente Raúl Cubas. Na correspondência, o "chanceler" das Farc, Rodrigo Granda, relata uma conversa com um dos líderes do EPP, a quem se refere como "Cuenta Chiste", apelido que pode ser traduzido por contador de piadas. "Eles têm inteligência, armas, carros, casas e o grupo que faria a operação. Querem sacar 5 milhões ‘de los verdes’ e têm capacidade para guardar o touro por seis meses", reporta Granda, antecipando o valor do resgate que o EPP pediria por Cecilia Cubas e o prazo em que ela poderia ser mantida em cativeiro. No mesmo e-mail, Granda diz que o EPP pede a assessoria de Hermes, um integrante das Farc cujo verdadeiro nome seria Orlay Palomino. Em outra mensagem, o representante das Farc no Brasil, o ex-padre Olivério Medina, informa a Reyes que se reuniu em Brasília com os três homens que estão hoje refugiados no Paraná e acertou a viagem do tal Hermes ao Paraguai. As investigações das polícias paraguaia e colombiana confirmam que o integrante das Farc participou do sequestro de Cecilia Cubas. A correspondência de Medina para Reyes traz outra revelação surpreendente. O EPP planejava abrir um negócio no Brasil e oferecia sociedade às Farc. "Eles se puseram a organizar uma empresa de importação e exportação (Brasil-Paraguai), inicialmente de têxteis, e, mais adiante, pretendem ampliá-la. Vão investir 30.000 dólares e querem que façamos companhia", escreve Medina a Reyes. Em uma carta posterior, Medina expõe o que seria o business plan da futura companhia, com previsão de faturamento de 50.000 dólares por mês e lucros de 20% sobre cada venda. As autoridades paraguaias não sabem se o EPP realmente se referia ao comércio de tecidos ou a uma atividade criminosa. Descobriu apenas que as Farc desistiram do negócio porque identificaram um racha entre os terroristas paraguaios radicados no Brasil e os que estão presos em seu país. Os documentos enviados pelo Paraguai mostram que, ao conceder o status de refugiados aos três paraguaios, o Conare ignorou provas contundentes da participação dos meliantes no sequestro de Maria Edith Debernardi. Um deles, Juan Arrom, repassou a um amigo 350 000 dólares obtidos com o pagamento do resgate. A polícia paraguaia confirmou que o dinheiro era o mesmo, porque as cédulas estavam marcadas. Outros 50 000 dólares marcados foram encontrados com Victor Colmán. Na casa de Anuncio Martí, a polícia achou manuais de sequestro. Maria Edith identificou Martí e Arrom como seus algozes. Os três alegam inocência e dizem que foram torturados para confessar o crime. Criado em 2002, o Partido Patria Libre, de extrema esquerda, que funciona como braço político do EPP, afirma que os três são vítimas de perseguição política. O presidente Fernando Lugo converteu a extradição do trio em uma das metas de seu governo. Em guerra com o EPP, a quem chama de Enemigo del Pueblo Paraguayo, ofereceu 100 000 dólares a quem der informações sobre o paradeiro exato dos três refugiados e de outros líderes da quadrilha terrorista. "Eles são criminosos comuns com discurso de esquerda. Nós também somos de esquerda, mas bandido é bandido", diz o ministro do Interior do Paraguai, Rafael Filizzola. Até agora, o governo brasileiro não deu sinais de entender isso, agindo da mesma forma que no caso do terrorista e assassino italiano Cesare Battisti. O Exército do Povo Paraguaio (EPP) debutou no ramo dos sequestros no fim de 2001. Desde então, os bandidos já faturaram 5 milhões de dólares em resgates, de acordo com o Ministério Público do ParaguaiUm genérico dos terroristas colombianos mata, sequestra, assalta
e tenta explodir prédios públicos no Paraguai. Três líderes do bando
se escondem no Paraná e, para indignação do presidente Fernando Lugo,
o Brasil lhes concede o status de refugiados
Igor Paulin, de AssunçãoFotos La Nacion/AFP CRIME SEM CASTIGO
Anuncio Martí, Juan Arrom e Victor Colmán (em sentido horário, da esquerda para a direita). Ligados às Farc, eles fundaram o bando terrorista EPP, são acusados de sequestro no Paraguai e se esconderam no Brasil. O governo Fernando Lugo cobra a extradição delesREFÚGIO CONTESTADO
Neste mês, o Ministério das Relações Exteriores paraguaio enviou uma carta ao Itamaraty exigindo a repatriação de Arrom, Martí e Colmán (acima). O trio comanda o terror no Paraguai a partir de suas bases no ParanáMUY AMIGOS
Acima, um cartão-postal de 1996 prova como são antigas as relações entre o EPP e as Farc. Ao lado, um e-mail revela a participação das Farc no sequestro e morte de Cecilia CubasAs vítimas do EPP
Fotos La Nacion/AFP Maria Edith Debernardi
Casada com um dos homens mais ricos do Paraguai, Maria Edith foi a primeira refém dos terroristas, que cobraram 1 milhão de reais para libertá-la depois de 64 dias de cativeiroLuis Lindstrom
Foi durante o seu sequestro, em julho de 2008, que o bando passou a se apresentar como EPP. Fazendeiro, Lindstrom, de 59 anos, permaneceu 44 dias como refém dos facínorasCecília Cubas
Em setembro de 2004, uma das filhas do ex-pre-sidente Raúl Cubas se tornou a primeira vítima fatal do EPP. A quadrilha cobrou 5 milhões de dóla-res para devolver Cecilia, de 31 anos. Não recebeu a quantia pedida e asfixiou-a