Saturday, February 20, 2010

A capital paralisada pela crise

Faroeste caboclo

Com o governador preso e o substituto agonizando, Brasília
afunda na crise – e a única solução pode ser o que ninguém quer:
uma inédita intervenção federal


Sofia Krause

Fotos Igor Estrela/ObritoNews e Dida Sampaio/AE
MÃOS ATADAS
O governador Arruda (à esq.) passa seus dias na cadeia, enquanto o interino, Paulo Octávio (à dir.), renuncia à renúncia: cenas inéditas de uma capital em transe político


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Para quem depende deles, pior que um governador preso é um vice que não consegue governar. É o que está acontecendo em Brasília. O empresário Paulo Octávio, governador interino do Distrito Federal, acusado de integrar a quadrilha que tomou conta da capital, tentou convocar seus secretários para uma reunião no fim de semana. Pouca gente retornou. Uma secretária disse que deixaria de ir porque, sendo adventista do sétimo dia, não trabalhava aos sábados. Outro secretário mandou avisar que estava de férias. Paulo Octávio então desabafou: "Assim não dá. Vou renunciar". Logo depois, desistiu da ideia. Na quinta-feira passada, a oscilação se intensificou a ponto de, num espaço de poucas horas, ele anunciar sua renúncia, discursar dizendo que mudara de ideia, atribuir sua decisão a um pedido do presidente Lula – e, em seguida, ser cabalmente desmentido pelo Palácio do Planalto. Enquanto isso, o governador afastado José Roberto Arruda, preso por tentar corromper testemunhas, passa os dias numa salinha de 16 metros quadrados, na sede da Polícia Federal. Com o governador antigo comendo marmita na prisão e o novo dizendo que desdizia o que havia dito, Brasília chegou ao fim da semana à beira de um transe político – e ficou perto, perigosamente perto, de sofrer uma intervenção federal.

A intervenção foi pedida pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Deverá ser julgada em poucas semanas, como último recurso para pôr fim à calamidade política que queima Brasília há três meses, desde que metade dos políticos da cidade, entre eles Arruda e assessores de Paulo Octávio, apareceu em vídeos recebendo propina. A intervenção federal é uma medida extrema, prevista na Constituição como instrumento a ser utilizado apenas quando os mais elementares princípios republicanos ameaçam ruir. Aconteceu antes no Brasil, mas lá atrás, na República Velha. Desde a redemocratização, em 1985, o STF aceitou julgar apenas um caso de intervenção. Em 1991, depois que três sequestradores foram linchados em Mato Grosso, o Supremo quase autorizou uma intervenção no estado, sob o argumento de que as autoridades eram incapazes de garantir o direito constitucional à vida. Mas, por se tratar de um episódio, e não de um padrão de reiteradas falhas públicas, o processo acabou sendo arquivado.

O caso de Brasília é diferente: nenhum pedido de intervenção jamais chegara com tanta força à porta do STF. O raciocínio apresentado por Gurgel é simples: os homens da cúpula do governo e do Legislativo brasiliense não só integram a quadrilha que tomou conta de Brasília como estão atrapalhando as investigações. Enquanto os capi de Arruda subornavam testemunhas, os deputados da Câmara de Brasília impediram, durante três meses, que se votasse o pedido de impeachment do governador. A ameaça à democracia, portanto, provém da impossibilidade concreta de que esses políticos sejam responsabilizados – e afastados – pelas barbaridades que cometeram. Resume o procurador-geral da República: "A intervenção busca resgatar a normalidade institucional (em Brasília)". Talvez nem seja preciso chegar a tanto. Com a prisão de Arruda, seus aliados estão batendo em retirada. Na semana passada, a Câmara aceitou quatro pedidos de impeachment do governador encarcerado.

Devido ao ineditismo da medida, há tantos obstáculos de ordem prática que os ministros do Supremo não sabem como proceder. O procurador-geral, por exemplo, não detalhou quais seriam exatamente os poderes e os deveres do interventor – e a Constituição não diz como isso transcorreria. Ele se tornaria uma espécie de monarca, mandando tanto no governo quanto na Câmara? Ele poderia afastar os envolvidos? Questões como essas serão analisadas pelos ministros, que, caso decidam pela intervenção, deverão estabelecer um modelo para as ações do interventor. Nesta semana, Gurgel terá a oportunidade de oferecer sugestões precisas para esse modelo – o que será imprescindível para o sucesso do seu pedido. Se o plenário do STF efetivamente aprovar a intervenção, caberá ao presidente Lula escolher o responsável. Por conveniência política, Lula já se mostrou contrário à medida. Ele não quer virar sócio de uma confusão desse tamanho – especialmente em ano de eleição.

"A intervenção deve ser sempre a última opção no caminho da natureza política, porque fragiliza a autonomia dos estados", ensina o jurista Ives Gandra Martins. Observando-se o cataclismo no qual arde Brasília, compreende-se por que o STF está considerando seriamente essa possibilidade. Desde que o escândalo do panetone veio a público, a capital está parada. Nos gabinetes do poder, ações administrativas deram lugar a reuniões subterrâneas. O Sindicato da Indústria da Construção Civil estima que metade das obras da cidade tenha sido interrompida. Não há mais dinheiro para os preparativos da festa de cinquenta anos de Brasília, que deveria acontecer em abril. Estudantes trocaram os livros pelas ruas, protestando contra a turma do panetone. E a situação pode piorar. Se Arruda e Paulo Octávio renunciarem, o deputado distrital Wilson Lima, aliado de ambos, vai virar síndico da cidade. Ele era dono de supermercado. Na Câmara, o projeto mais ambicioso que Lima apresentou envolve a criação de pipódromos, para que as crianças de Brasília possam soltar pipas tranquilamente. Diz Lima: "Fui três vezes presidente do sindicato dos supermercados. Tenho todas as condições de dar prosseguimento ao governo Arruda". O deputado tem razão. Ele vendia panetones.


Brasil

9/12/2009
Brasil

Cinecorrupção

O escândalo de corrupção que ameaça limar do poder o governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, do Democratas, começou a se desenhar em junho. Acossado por 32 processos na Justiça, o ex-delegado e então secretário de Relações Institucionais do governo local, Durval Barbosa, decidiu contar tudo que sabia ao Ministério Público de Brasília. Em troca, ele espera diminuir sua pena. Durval denunciou um milionário esquema de desvio de dinheiro público no governo do DF, que envolvia o pagamento de mensalão aos deputados locais. O ex-delegado entregou às autoridades vídeos de conversas que manteve nos últimos anos com políticos, empresários e lobistas, nas quais seus interlocutores – inclusive Arruda – recebem dinheiro vivo e articulam negociatas. Na semana passada, vieram a público alguns trechos desses diálogos, que causaram estupor na opinião pública. VEJA teve acesso à totalidade do acervo entregue pelo delator ao MP. A seguir, uma seleção com sete conversas inéditas – e a íntegra do espantoso diálogo do governador do DF com o delator.

Vídeos:
"Paulo Octávio pediu para mandar alguma coisa"Abraço amigo
Nota queimadaRacha na quadrilha
Panetone milionário"Contratei por que o Roriz pediu"
"Pago ou não pago?"Piratão

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"Paulo Octávio pediu para mandar alguma coisa"
Marcelo Toledo, operador clandestino do governo Arruda, diz a Durval que o vice-governador precisa de mais dinheiro.

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Nota queimada
O empresário Abdon Bucar, dono de uma produtora que presta serviços para o Democratas e para o governo de Brasília, reclama do atraso no pagamento de “750 mil do PFL”. E conta que precisou destruir uma nota fiscal fria, usada para esquentar dinheiro sujo na campanha de Arruda ao governo local, em 2006.

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Panetone milionário
Em setembro de 2006, durante as eleições, Arruda despacha com Durval Barbosa, então seu coordenador de campanha. Nos 23 minutos de conversa, além de receber um pacote de dinheiro vivo, que disse ter usado para comprar panetones, o então deputado e candidato ao governo apronta de tudo. Pede emprego para o filho, pede ajuda para uma empresa-amiga, pede cuidado na arrecadação da campanha... "Estou com medo desse troço aí", diz Arruda, em referência à coleta clandestina de dinheiro. Ao final do encontro, Arruda fala ao celular com o então governador Joaquim Roriz, a quem promete "levar uns documentos" – segundo Durval, propina. Em seguida, Arruda confidencia ao delator que o pagamento em questão relaciona-se a um misterioso voto no Tribunal Superior Eleitoral.

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"Pago ou não pago?"
O chefe da Casa Civil do governo do DF, José Geraldo Maciel, consulta Durval a respeito de pagamento de propina a aliados – e informa que Arruda ordenou que a Brasif, empresa ligada ao DEM, faturasse uma licitação. "Esse pessoal (da Brasif) vai assumir os compromissos com você", explica Maciel. Por "compromissos", entenda-se dinheiro.

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Abraço amigo
A empresária Cristina Boner, empresária do ramo de informática, abraça Durval Barbosa depois que o ex-secretário informa que realizará um contrato emergencial, sem licitação, com a empresa dela, a TBA.

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Racha na quadrilha
Ex-chefe de gabinete e amigo do governador Arruda, o lobista Renato Malcotti admite a Durval que participa de um esquema de corrupção na Secretaria de Saúde do DF. Eles criticam os "exageros" do PPS, que comanda a Secretaria, no achaque aos empresários do ramo.

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"Contratei por que o Roriz pediu"
O deputado Benício Tavares, do PMDB, admite ter fraudado uma licitação, quando era presidente da Câmara Legislativa, em favor da agência SMP&B, do lobista Marcos Valério. Diz que agiu a pedido do ex-governador Joaquim Roriz. Ele aproveita a conversa e pede a Barbosa que facilite sua entrada num esquema de corrupção comandado pelo secretário de Transportes, Alberto Fraga.

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Piratão
Durval Barbosa entrega 20 mil de propina a um homem identificado por ele como Paulo Roberto, do departamento de Transporte de Brasília, referente ao acerto de uma licitação na área.

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