Roberto Pompeu de Toledo
Tramas formidáveis sempre tiveram lugar em nuestra América. Bolívia, 21 de julho de 1946. Armada com fuzis roubados de um quartel, uma multidão invade o palácio presidencial e, sala por sala, segue no encalço do presidente Gualberto Villarroel López. Villarroel é morto, jogado de uma sacada para o populacho lá embaixo e pendurado num poste. Entrou para a história com o cognome de El Colgado, "O Pendurado". Panamá, 2 de janeiro de 1955. O advogado Rubén Miró, tendo perdido a fortuna numa mesa de jogo, não encontrou melhor ação para praticar em seguida do que matar o presidente da República. Abateu José Antonio Remón enquanto ele assistia a uma corrida de cavalos. Miró era amigo do vice-presidente e, segundo confessou, contava ser nomeado ministro para recompor as finanças pessoais. São apenas dois casos, pinçados dentre um repertório, que, sendo nuestra América o que é, jamais se pode dizer esgotado. Prova-o uma história que, ocorrida na mesma vizinhança do Haiti do terremoto e da Honduras do inédito caso do presidente deposto que volta a seu país para exilar-se numa embaixada, passou meio despercebida. Segue-se um resumo, do início ao recente desfecho. Guatemala, 10 de maio de 2009. O advogado Rodrigo Rosenberg é morto a tiros enquanto passeava de bicicleta por um bairro rico da capital do país. Era domingo, Dia das Mães. No dia seguinte, Rosenberg ergue-se da tumba para uma acusação que estremece o país. Vem a público um vídeo em que ele diz: "Se vocês estão vendo este vídeo, é porque fui assassinado pelo presidente Álvaro Colom". Rosenberg acusava Colom, eleito em 2007 com um discurso de esquerda, de envolvimento em roubalheira do dinheiro público e tráfico de drogas, além do assassinato do banqueiro Khalil Musa e de sua filha Marjorie, no mês anterior. Desencadeia-se uma onda de protesto contra o presidente. "Colom assassino", gritam manifestantes. Exige-se sua renúncia. Colom se diz inocente. Vai à TV e alega que o vídeo é uma armação de inimigos políticos. Mas como armação se é o morto, indiscutivelmente o morto, com sua própria voz, que o acusa, depois de comprovadamente ter ocorrido aquilo que previa? Colom pede a uma comissão da ONU, liderada pelo juiz espanhol Carlos Castresana, que investigue o caso. Guatemala, 12 de janeiro último. Depois de oito meses, o juiz Castresana anuncia o resultado de sua investigação. O presidente Colom é inocente. Quem, então, seria o culpado pela morte de Rosenberg? Quem? Resposta: Rodrigo Rosenberg. Mais uma vez, agora com o merecido ponto de exclamação: Rodrigo Rosenberg! Ele próprio contratou os pistoleiros, descreveu-lhes a vítima e passou-lhes as informações de onde e quando encontrá-la. Como não poderia deixar de ser, considerando-se que a vítima era ele mesmo, as informações revelaram-se precisas. Um atentado armado contra a própria pessoa, e bem-sucedido, não um em que a pessoa escapa à última hora – isso, até onde a memória alcança, nem a crônica latino-americana ainda registrava. Rosenberg pediu a parentes que contratassem os pistoleiros. Nem os parentes nem os pistoleiros imaginaram que a vítima seria ele próprio. Segundo o juiz Castresana, foi decisiva para a conclusão a descoberta de dois celulares adquiridos por Rosenberg por meio de um amigo. Um ele encaminhou aos pistoleiros. O outro usou para lhes dar instruções e para endereçar ameaças de morte a si mesmo, deixadas no celular em seu nome. Rosenberg gravou o vídeo com a acusação ao presidente três dias antes de deixar-se matar, e encarregou um amigo de divulgá-lo. Quanto à razão por que ele decidiu morrer, o juiz Castresana só pôde especular. Rosenberg acabara de se divorciar. E mostrava-se deprimido com o assassinato do banqueiro Musa, de quem era advogado, e de sua filha Marjorie, com quem mantinha laços afetivos. Como fazia parte da oposição ao presidente Colom, e oposição, na Guatemala como alhures, por aquelas redondezas, não é coisa que se exerça como os mariquinhas que se apegam a discursos e argumentos, decidiu conferir uma utilidade extra ao suicídio. Hugo Chávez fechou a RCTV, a mais popular emissora de televisão da Venezuela, pela segunda vez, na semana passada (da primeira ele fechara suas transmissões abertas; agora fechou as por cabo), três dias antes do final da novela Libres Como el Viento, que ia ao ar às 21 horas. O Mussolini do Caribe brinca com fogo. Três dias antes do ansiado final da telenovela nuestra de cada dia!Crime, denúncia, surpresa
"O advogado Rodrigo Rosenberg é morto a tiros enquanto
passeava de bicicleta por um bairro rico da capital do país.
Era domingo, Dia das Mães. No dia seguinte…"