15/8/2009 - EDITORIAIS
15/8/2009 - EDITORIAIS
EDITORIAL
O GLOBO
15/8/2009
As reservas brasileiras em moeda estrangeira, sob a gerência do Banco Central, ultrapassaram a casa de US$212 bilhões na última semana, patamar bem acima do valor acumulado antes do agravamento da crise financeira internacional em setembro do ano passado. O BC também deixou de intervir, na prática, em operações no mercado futuro de câmbio, no qual se concentram os negócios mais especulativos. E linhas de financiamento que tinham sido abertas emergencialmente para as exportações, no auge da crise, já foram devolvidas às autoridades monetárias pelos bancos repassadores, por não serem mais necessárias.
O Tesouro Nacional voltou a captar recursos com facilidade no mercado internacional (a mais recente venda de títulos chegou a US$525 milhões), apenas para rolar dívidas no exterior a taxas de juros atrativas. As exportações vêm registrando recuperação, mesmo que modesta, e os investimentos estrangeiros diretos, seja para a produção seja para aplicação em ações, se intensificaram diante de avaliações positivas lá fora sobre a economia do país no pós-crise. Portanto, há uma série de fatores que contribuem para ampliar a oferta de moeda estrangeira no Brasil e, nesse caso, respondendo a leis de mercado, o real sofreu natural apreciação, especialmente frente ao dólar. Tal valorização atenua pressões sobre a inflação - o que possibilita a manutenção de juros básicos abaixo de dois dígitos, o que é inédito desde o lançamento do real -, mas desagrada aos que dependem da receita de exportação e aos que sofrem forte concorrência de importações. De fato, o ideal é que o câmbio fosse menos volátil para alargar os horizontes dos agentes econômicos. Todavia, além do que tem sido feito pelo Banco Central (como compras de dólares excedentes para reforçar as reservas do país), da liberalização progressiva das restrições para transações com moeda estrangeira no país e de mecanismos convencionais de tributação, não há muito o que se possa implementar para evitar momentos de apreciação indesejada do real.
A alternativa do câmbio fixo ou quase fixo, pelo qual todo o risco acaba ficando nas mãos do BC, se mostrou inadequada para uma economia como a brasileira, com crescente grau de abertura. E o controle de capitais seria péssimo sinal para potenciais investidores, imprescindíveis no médio e longo prazos. O país não pode se apoiar apenas na muleta do câmbio para abater o "Custo Brasil". Existem ineficiências que comprometem a competitividade dos produtos nacionais, como alta carga tributária e infraestrutura deficiente, parte deste custo. Removê-las, isso sim, deveria ser uma prioridade.
AMBIGUIDADES
EDITORIAL
O GLOBO
15/8/2009
O presidente Lula, com a ajuda da argentina Cristina Kirchner, conseguiu silenciar, temporariamente, os tambores de guerra que o presidente Hugo Chávez, da Venezuela, pretendia soar, com o auxílio do equatoriano Rafael Correa, na reunião da Unasul em Quito. O debate entre Venezuela e Equador, de um lado, e Colômbia, de outro, em torno das bases americanas neste último país, ficou para uma reunião extraordinária, dia 28. O presidente colombiano, Álvaro Uribe, concordou em comparecer, desde que a presença de armas venezuelanas nas mãos de narcoguerrilheiros das Farc também esteja na pauta.
Não há como ignorar que a América Latina, após o ciclo de democratização que se seguiu às ditaduras, atravessa novo período de turbulência. São os líderes populistas bolivarianos (Chávez, Correa, Morales da Bolívia, Ortega da Nicarágua) a investir na chamada "democracia plebiscitária", que erode as instituições com o objetivo de forjar um Executivo ditatorial de cunho socialista. Exemplo disso acaba de dar a Assembléia Nacional venezuelana, inteiramente dominada por Chávez, ao aprovar projeto do Executivo para "refundação" do sistema educacional em moldes socialistas-bolivarianos: as escolas são transformadas em centros de reunião das comunidades, sob supervisão do governo, que poderá definir até mesmo as carreiras a serem seguidas pelos universitários. Surge um Estado orwelliano. Há também projetos de continuísmo, cultivados não só pelos bolivarianos como também pelos presidentes da Colômbia, Álvaro Uribe, que almeja o terceiro mandato, e de Honduras, Manuel Zelaya. Este, aliado de Chávez, quis virar a mesa para ficar no poder e foi deposto por um golpe, praga da qual a América Latina acreditava ter se livrado. Hoje Honduras é o pivô de uma crise que o sistema interamericano ainda não conseguiu desmontar.
Lula conseguiu adiar um desfecho explosivo, mas as pendências entre Venezuela, Colômbia e Equador terão de ser examinadas mais adiante. Nesse ponto, sobressaem as ambiguidades da diplomacia brasileira, conforme registrou, em sua última edição, a revista "The Economist". Ora ela reflete o papel de país líder da América Latina, ora cede a simpatias ideológicas incrustadas no cerne do poder. Até quando Lula conseguirá manter a credibilidade afagando amigos tão diversos quanto Michele Bachelet, do Chile, de firmes convicções democráticas, e Chávez, histriônico pirata do Caribe, para quem a Unasul não passa de palco para um antiamericanismo irresponsável e apoio à ditadura cubana, e a "democracias" clericais, como a iraniana?
ESQUELETOS SEPULTADOS
EDITORIAL
JORNAL DO BRASIL
15/8/2009
O substantivo esqueleto sempre surge quando estão em causa, nos tribunais superiores, julgamentos de demandas bilionárias nas quais a União é a parte visada, e que se arrastam, durante décadas, com decisões contraditórias das instâncias inferiores, em prejuízo do princípio da segurança jurídica. Às vésperas desses julgamentos, criam-se – alimentadas pelas partes – verdadeiras guerrilhas em que as armas são números assustadores referentes aos impactos de uma ou outra decisão nos cofres públicos ou em determinados setores da economia.
Nesta última semana, em julgamentos longos, pesados cuidadosamente os argumentos dos lados em conflito, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça sepultaram dois “esqueletos” que, há muito tempo, pareciam tirar o sono do Executivo e dos empresários neles interessados, enquanto engordavam as contas dos escritórios de advocacia. No STF, a União ganhou a disputa com os exportadores na qual, se derrotada, teria de tapar – a longo prazo – um rombo de R$ 288 bilhões, algo superestimado pela Receita Federal. No STJ, o governo perdeu, mas nem tanto. A Eletrobras terá de suportar um prejuízo de, pelo menos, R$ 1,3 bilhão, a fim de corrigir, monetariamente, parte dos valores pagos dos empréstimos compulsórios feitos à estatal, no período 1987-93, por empresas de pequeno porte que consumiam mais de 2.000 kw/hora por mês.
No primeiro caso, a questão era bem menos polêmica do que se podia imaginar. O STF deu ganho de causa ao governo, atuando basicamente como Corte constitucional, embora o plenário tenha julgado recursos extraordinários de três empresas contra decisões desfavoráveis do STJ. Por unanimidade, o plenário entendeu que o crédito-prêmio do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) – benefício instituído por um decreto-lei de 1969 – foi extinto mesmo em 1990, dois anos depois da promulgação da Constituição vigente. E por um motivo muito simples. O parágrafo 1º do artigo 41 das Disposições Transitórias da Carta previa a revogação de todos os “incentivos fiscais de natureza setorial” que não viessem a ser confirmados por lei. As empresas recorrentes insistiam na tese de que o crédito-prêmio do IPI não dependia de lei para continuar em vigor, por não ser um benefício de natureza “setorial”. O pleno do STF não só aplicou o adjetivo ao conjunto das empresas de exportação, como também seguiu o voto do relator, ministro Ricardo Lewandowski, na linha de que “o espírito da lei de transição constitucional foi justamente permitir o reexame de todos os incentivos fiscais concedidos antes da promulgação da Carta de 1988, salvo aqueles de cunho regional, como os concernentes à Sudam e à Sudene”.
Quanto à questão do empréstimo compulsório à Eletrobras, a 1ª Seção do STJ resolveu, por 5 votos a 4, que o direito dos consumidores à correção monetária não prescreveu, como defendia a União. E, pelo placar de 7 a 2, que tal correção – relativa aos empréstimos tomados entre 1977 e 1993 – não será calculada com base na taxa Selic. Além disso, a dívida será paga pelo valor patrimonial das ações da estatal, e não pelo valor do mercado. Ou seja, o “rombo” não será catastrófico como se anunciou, até por que a empresa pública já reservara dinheiro para tanto.
Lamente-se, porém, que o sistema recursal do país tenha permitido que tais “esqueletos” tenham ficado insepultos por tanto tempo.
A AMEAÇA QUE LULA INCENTIVA
EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO
15/8/2009
Numa das inumeráveis vezes em que se pôs a falar mal da imprensa - que evita ler "porque tenho problema de azia" -, o presidente Lula contrastou o que seria o tratamento injusto a ele dispensado pelas principais publicações brasileiras com o tom amplamente favorável ao desempenho do seu governo nas matérias e comentários sobre o País em muitos dos mais importantes periódicos estrangeiros. De fato, nos anos recentes, não apenas houve um salto na frequência com que o Brasil aparece com destaque nesses jornais e revistas, sobretudo nas páginas econômicas, como ainda é manifesta a sua admiração pelas políticas adotadas por Lula - cujas origens sociais e pregresso radicalismo são invariavelmente lembrados - para respaldar o crescimento e atrair capitais externos.
O presidente, portanto, não terá motivos para acusar de parti pris contra ele o prestigioso semanário britânico The Economist por ter publicado, na edição que começou a circular ontem na Europa e nos Estados Unidos, uma reportagem e um editorial que identificam o inquietante viés chavista da sua política para a América do Sul. "Do lado de quem está o Brasil?", pergunta a revista. Nem Lula correria o risco de acentuar o seu desconforto gástrico se se inteirasse do teor desses textos. Eles o elogiam como um "presidente inspirador", cuja "bonomia e instinto para a conciliação" fazem amigos em toda parte, e por ter barrado a mudança constitucional que o autorizaria a disputar um terceiro mandato consecutivo, "apesar de seus quase sobrenaturais índices de popularidade".
A Economist também aplaude os esforços do brasileiro para amoldar as instituições multilaterais às mudanças no equilíbrio global de poder e registra que, hoje em dia, nenhum encontro internacional, para discutir desde a reforma do sistema financeiro às mudanças climáticas "estará completo sem Lula". Mas - no que não chega a ser uma revelação para os observadores brasileiros - a revista ressalta a perigosa benevolência, quando não a franca simpatia, da diplomacia regional do País em relação a Hugo Chávez. O "gancho", como se diz nas redações, para a abordagem do problema são as investidas do caudilho venezuelano contra o acordo entre a Colômbia e os Estados Unidos para a instalação de três bases militares destinadas a reforçar as defesas do país vizinho no seu combate de décadas contra a guerrilha das Farc e os seus parceiros do narcotráfico.
Nessa crise fabricada por Chávez para encobrir as evidências de seu apoio bélico ao movimento, o Brasil só não agiu pior do que o equatoriano Rafael Correa, que já não mantém relações com Bogotá, ao exigir garantias de que as bases não teriam outros fins. O papel de linha auxiliar do caudilho, desempenhado pelo presidente e o seu chanceler Celso Amorim, ficou ainda mais gritante porque em momento algum eles manifestaram preocupação com a segurança e a estabilidade regionais ameaçadas pelos acordos militares entre Caracas e Moscou. O próprio Chávez diz servirem para "incrementar nossa capacidade operativa". Lula se comporta como se o inimigo da democracia na América do Sul fossem os Estados Unidos, ou a Colômbia, ou mesmo o governo golpista de Honduras - que destituiu o presidente Manuel Zelaya para evitar que ele atrelasse o país ao chavismo.
Além disso, ao endossar tacitamente as políticas liberticidas do venezuelano - não passa dia sem que ele, cumprindo as suas promessas, não aperte o garrote no seu desafortunado país -, Lula desnuda a hipocrisia das suas apregoadas convicções democráticas. A versão soprada pelo Itamaraty de que os agrados brasileiros a Chávez teriam apenas o objetivo de moderar os seus planos hegemônicos na região já foi desacreditada pelos fatos, sem falar nas lições da história sobre a futilidade das tentativas de apaziguar apetites ditatoriais. A tragédia é que nenhum outro país sul-americano tem condições comparáveis às do Brasil para frear as aventuras totalitárias de Chávez e seus aliados bolivarianos. Não se pede, como diz a Economist, que o Brasil aja como xerife da América. Mas é do interesse nacional prevenir uma nova guerra fria entre os vizinhos.
"A maneira de fazê-lo é não confundir democratas com autocratas, como Lula parece pensar", assinala a revista. "É desmoralizar Chávez, demarcando uma clara divisa em favor da democracia - o sistema que permitiu a um pobre torneiro mecânico chegar ao poder e mudar o Brasil."
A LEI DO MANDADO DE SEGURANÇA
EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO
15/8/2009
Entrou em vigor, na semana passada, a Lei nº 12.016, que regulamenta o mandado de segurança individual e coletivo - recurso judicial utilizado contra omissões e atos de autoridade considerados ilegais ou abusivos. Como envolve questões técnicas em matéria de direito processual, o presidente Lula não converteu a sanção em evento público e comício político - simplesmente usou a caneta e, com isso, a nova lei passou despercebida da mídia.
A trajetória da Lei nº 12.016 dá a medida da morosidade com que o País vem modernizando as instituições jurídicas. O mandado de segurança individual existe desde 1932. O mandado de segurança coletivo foi criado pela Constituição de 1988, mas até agora seu uso não fora disciplinado por lei complementar. Preparado por juristas especializados em direito administrativo e processual, o projeto foi uma iniciativa do então presidente Fernando Henrique, que o enviou ao Congresso há dez anos.
Entre as inovações introduzidas pela lei, destacam-se a possibilidade de o mandado de segurança ser impetrado por qualquer meio eletrônico de autenticidade comprovada, como fax e internet, e a previsão de sanções a serem aplicadas nos casos de litigância de má-fé ou com objetivos meramente protelatórios. A lei também equipara à autoridade coatora representantes de partidos políticos, dirigentes de sindicatos e entidades de classe e "pessoas naturais no exercício de atribuições do poder público". Para evitar abusos e prejuízos, ela proíbe mandado de segurança contra atos de gestão comercial praticados por administradores de empresas estatais, de sociedades de economia mista e de concessionárias de serviço público.
A nova lei determina que não mais caberão embargos infringentes em mandado de segurança, racionalizando com isso o sistema de recursos processuais. Determina ainda que o julgamento dos mandados de segurança tenha prioridade sobre todas as outras ações judiciais, com exceção do habeas corpus. E prevê que o mandado de segurança deverá ser denegado quando couber recurso administrativo com efeito suspensivo contra os atos impugnados. Por fim, a lei impede a concessão de liminar para compensação tributária e para liberação de mercadorias e bens provenientes do exterior e que foram apreendidos pela Receita Federal e órgãos alfandegários.
Como sempre ocorre quando são aprovados textos legais que modernizam a anacrônica legislação processual, advogados criticaram a Lei nº 12.016 e pediram ao presidente da República que vetasse seis artigos. A solicitação foi atendida parcialmente por Lula, que vetou dois dispositivos, ambos envolvendo prazos para a interposição de recurso.
Entre os vetos defendidos pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), um parece ter sido reivindicado face ao receio da entidade de ver reduzido o mercado de serviços jurídicos. Trata-se da proibição, prevista pela lei, da concessão de liminares para os servidores públicos que discutem judicialmente questões salariais. Outro dispositivo questionado pela entidade é a proibição de liminares para situações relacionadas à importação de bens e mercadorias. Para a OAB, isso pode acarretar prejuízos para as empresas que importam produtos perecíveis ou podem ficar defasados, como insumos ligados à área de tecnologia. Para o governo, porém, a inovação vai coibir fraudes, uma vez que, de posse da liminar, muitos importadores passavam para a frente os bens discutidos por autoridades alfandegárias, o que tornava ineficaz o julgamento do mérito.
O dispositivo mais controvertido da Lei 12.016, contudo, é o que dá aos juízes a prerrogativa de exigir caução, fiança ou depósito prévio para a concessão de liminar. A medida tem por objetivo assegurar o ressarcimento à autoridade recorrida, no caso de vitória judicial. A inovação subtrai dos mais carentes a possibilidade de resguardar seus direitos por meio de mandado de segurança. Essa é uma medida que, além de "ferir mortalmente o direito de defesa dos cidadãos, cria um apartheid entre ricos e pobres na Justiça", diz a OAB. Nesse ponto, ela está certa e Lula deveria ter vetado essa exigência.
A TRAGÉDIA DE SEMPRE
EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO
15/8/2009
Como ocorre em toda data festiva, o balanço da violência criminal no Dia dos Pais voltou a registrar assaltos, homicídios e latrocínios praticados por condenados que cumprem pena no regime semiaberto e foram beneficiados pela figura jurídica do "indulto condicional" ou "saída autorizada" para visitar a família. O benefício integra a Lei de Execução Penal (LEP) como prêmio para os presos de bom comportamento, mas muitas vezes os beneficiados são criminosos que, por sua folha corrida, não têm condição de retornar ao convívio social, ainda que provisoriamente.
No último Dia dos Pais, o caso mais trágico ocorreu em Salvador (BA), com o brutal assassinato da pediatra paulista Rita de Cássia Martinez, de 39 anos. Ela foi abordada no estacionamento de um shopping center, no momento em que colocava a filha de 1 ano e 8 meses na cadeirinha do automóvel. O criminoso não a deixou sair do banco de trás do veículo, assumiu a direção e a levou para uma estrada de terra, onde pretendia estuprá-la. Como a vítima conseguiu fugir, ele a atropelou e abandonou o carro, com a criança dentro.
Identificado a partir da análise das imagens do circuito interno do shopping center, o assassino foi preso, confessou o crime e disse que "só" queria violentar a vítima "por impulso sexual", e não matá-la. O detalhe é que ele cumpre pena por ter cometido quatro estupros e responde a processos por atentado ao pudor e assalto. Pelo exame de seu perfil psicológico e de seu prontuário era possível prever que, se fosse beneficiado por um "indulto condicional", ele quase certamente voltaria a reincidir na prática de algum delito sexual.
Esse é um dos problemas mais graves da LEP, que foi concebida para dosar as punições aplicadas a condenados pela Justiça com medidas socioeducativas, sob a justificativa de que elas ajudariam em sua ressocialização. Como a população encarcerada do País é de mais de 400 mil presos e a quantidade de pedidos de benefício vem crescendo ano a ano, tornou-se impossível para a Justiça aplicar essas medidas de modo criterioso. Apesar de os juízes terem liberdade de negar a concessão da "saída temporária", pois a LEP determina que examinem caso a caso, analisando o perfil individual de cada condenado e a gravidade dos crimes por ele cometidos, os tribunais, abarrotados de processos, passaram a autorizar a saída quase automaticamente. Desde então, presos condenados pelos mais variados tipos de delito consideram a "saída temporária" como um direito adquirido, que não lhes pode ser negado.
Só no Estado de São Paulo, a cada festejo de Natal, réveillon, Páscoa, Dia das Mães ou Dia dos Pais, cerca de 12 mil presos - o equivalente a 10% da população carcerária - encaminham às Varas de Execuções Penais pedido de "indulto condicional". Dos indultados, de 6,4% a 7,5% não retornam e vários voltam a roubar, assaltar, estuprar e matar.
Por ironia, a prisão do indultado que assassinou a pediatra paulista em Salvador ocorreu no dia em que O Estado publicou o artigo da socióloga Maria Teresa Sadek sobre os mutirões que têm sido realizados nas prisões pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Integrante do conselho de pesquisa do órgão, ela informa que os juízes que participam desse trabalho têm descoberto milhares de casos de pessoas encarceradas com penas integralmente cumpridas, inocentes presos sem julgamento, réus presos preventivamente há anos e também sem julgamento, indiciados presos sem oferecimento de denúncia e presos gravemente doentes sem tratamento - todos vivendo em celas superlotadas, sem condições de higiene e sem triagem por tipo de delito. Em média, diz Sadek, 40% das pessoas encarceradas se encontram em situação irregular.
Esse é mais um dos paradoxos do nosso sistema prisional. Por causa de uma perversa simbiose entre juízes criminais que são obrigados a conceder benefícios indiscriminadamente, pois estão abarrotados de trabalho e não têm tempo de analisar caso por caso, e de leis que parecem sensatas no papel, mas são inteiramente desconectadas da realidade, fica nas prisões quem lá já não deveria estar e é agraciado com o benefício da "saída provisória" quem não tem condições de deixar o xilindró. O assassinato da pediatra paulista é mais um exemplo trágico desse paradoxo.
O BB A SERVIÇO DA POLÍTICA DO GOVERNO
EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO
15/8/2009
O Banco do Brasil (BB) voltou a ser o maior banco em ativos do País graças à expansão do seu crédito, ao mesmo tempo que a nova diretoria, seguindo as instruções do presidente da República, reduziu suas taxas de juros. Diante desse resultado, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, foi levado a declarar: "É uma lição para os bancos privados. É bom que eles acordem, senão vão ter uma fatia menor do mercado."
Não podemos criticar o governo por usar os bancos públicos para forçar as instituições financeiras privadas - onde a concentração é elevada - a reduzir suas taxas de juros, anormalmente altas. Essa tática gerou algum resultado, embora o spread dos bancos privados possa ser considerado ainda muito alto. O governo utilizou suas empresas para exercer um papel regulador.
O problema não é esse, mas o aumento dos empréstimos. Enquanto os três principais bancos privados reduziram seus créditos de 1,7% no primeiro semestre, em comparação com 2008, verifica-se que os do Banco do Brasil aumentaram 32,7% - 69% para as pessoas físicas, 32,1% para pessoas jurídicas e 9,7% para o agronegócio. Levando em conta uma inflação de 4,8% no período, verifica-se que o BB não aumentou suas operações para pessoas físicas apenas em razão de uma taxa de juro menor, mas muito mais sob o impulso do governo, no intuito de sustentar artificialmente a demanda doméstica.
No primeiro trimestre do ano, o crédito às pessoas físicas do Banco do Brasil cresceu R$ 2,5 bilhões; no segundo, R$ 3,4 bilhões. O ministro da Fazenda criticou o presidente do Itaú-Unibanco por ter dito que, diante do aumento da inadimplência, será difícil não aumentar o spread. O BB encerrou o semestre com uma inadimplência de 3,3%, ante 2,7% em março. Diante desse aumento, elevou seu spread (anualizado), que passou de 6,6%, no primeiro trimestre, para 7,3%, no segundo trimestre (para as pessoas físicas, passou, no mesmo período, de 20,5% para 21,2%...).
Mas o governo não usa o BB apenas para expandir o consumo doméstico. Pretende, também, que o banco oficial se ponha a serviço da sua política externa, que está privilegiando os países latino-americanos. Decidiu que cabe ao Banco do Brasil expandir sua operações nesses países, a começar pela Argentina, que já está nos criando muitos problemas e que se destacou como campeã do calote. Cabe lembrar ao governo que o banco tem acionistas privados...
AS CIFRAS DA GRIPE
EDITORIAL
FOLHA DE S. PAULO
15/8/2009
Bombardeio estatístico e mudanças de protocolo desorientam público; além do pânico, governo deve evitar o descrédito
A SUCESSIVA mudança de recomendações e protocolos médicos acerca da gripe A (H1N1), no Brasil, produz em muitas pessoas um efeito desorientador. Do desnorteio com a epidemia mal conhecida à desconfiança diante da ação das autoridades vai um passo. Um passo temerário, que pode resultar em corrida a hospitais e em sobrecarga do sistema de saúde, com impacto na capacidade de enfrentar o desafio.
Compreende-se, sob esse ângulo, a preferência do ministro da Saúde, José Gomes Temporão, por destacar informações que relativizem cifras sobre casos graves e mortes, em franca ascensão no país. No meio da semana, sua pasta informou que o Brasil apresenta uma das mais baixas mortalidades entre os 15 países mais afetados. Com 0,09 óbitos por cem mil pessoas, estava na 14ª posição, perdendo só para o Reino Unido (0,06). O ranking do Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças trazia no topo Argentina (0,83) e Uruguai (0,65).
Há limitações em quase todas as estatísticas acerca dessa moléstia, e por isso elas precisam ser examinadas com cuidado. A Argentina parece ter passado pelo auge da epidemia. No caso do Brasil, se o padrão verificado no hemisfério Sul -pico de casos de gripe no inverno- se repetir com a nova gripe, o número de casos graves deve progredir mais lentamente a partir da próxima semana e depois começar a cair. Até lá, é provável que a mortalidade cresça.
Muitos estranharão essa nova troca de critério. Até havia pouco se falava menos em mortalidade e mais no número relativo de mortos no grupo de infectados (a chamada letalidade), sempre para ressaltar que ela é similar à da gripe comum. Como o país e a própria Organização Mundial da Saúde (OMS) interromperam a contagem do número de infectados, a taxa de letalidade não pode mais ser apurada.
Nota-se ainda alguma desconfiança diante das restrições do Ministério da Saúde para distribuição e aplicação do medicamento antiviral oseltamivir (Tamiflu). Hoje ele está reservado a pacientes com sintomas graves surgidos há menos de 48 horas e aqueles que, com sintomas menos sérios, participem de um grupo de risco (idosos, crianças, gestantes, obesos).
O ministério segue o protocolo da OMS, baseado na falta de evidência de que o oseltamivir reduza a gravidade da doença em jovens saudáveis. O uso restrito do antiviral também pretende prevenir o surgimento de variantes do novo A (H1N1) resistentes à droga. O estoque de 9,8 milhões de doses, segundo o ministério, se mostra adequado para atender a todos os pacientes para os quais o remédio está indicado.
Por tratar-se de uma pandemia de comportamento desconhecido, autoridades de saúde têm de calibrar suas intervenções à medida que se acumulam informações sobre ela. O governo segue uma conduta coerente e defensável, à primeira vista, mas precisa calibrar também os esforços de comunicação, para não disseminar a suspeita de que minimiza uma epidemia séria.
MÍDIA EM CONFERÊNCIA
EDITORIAL
FOLHA DE S. PAULO
15/8/2009
Mídia em conferência NO ÚLTIMO dia 16 de abril, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva convocou a 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom). O decreto marcou o encontro para o início de dezembro e elegeu seu tema: "Construção de direitos e de cidadania na era digital".
Desde então era possível vislumbrar incongruências que culminaram, anteontem, no esvaziamento da iniciativa -abandonada por seis das oito entidades empresariais que dela participavam. Governos não vestem bem o figurino de patrocinadores de "discussões" desse tipo. Seu interesse de atuar sem ser importunados, de controlar quem lhes possa causar embaraço, colide com os da mídia independente.
Os antecedentes da administração Lula tampouco a credenciavam para tanto. Incomodado por uma reportagem sobre sua vida pessoal, o presidente quis expulsar do país um correspondente estrangeiro. O Planalto flertou com a ideia de criar um conselho federal para controlar a atividade da imprensa.
Se Lula abandonou, por puro pragmatismo, essas iniciativas infelizes, os grupos petistas que as incentivaram continuam merecendo alguma atenção de alas do governo. O Planalto, no entanto, desenvolveu uma técnica de baixo impacto para lidar com essa demanda.
Enquanto o núcleo do governo navega de braços dados com grandes empreiteiras e bancos, a periferia lança migalhas para manter cooptado o petismo de raiz. A conferência de mídia e suas assembleias intermináveis vão mantê-lo ocupado e satisfeito por algum tempo.
Em boa hora os principais representantes das empresas de comunicação enxergaram a armadilha. Seriam engolfados por interesses que não fazem distinção entre partido e governo, informação e ideologia, debate e panfletagem.
CHEIRO DE PIZZA
EDITORIAL
A GAZETA (ES)
15/8/2009
A descoberta de mais 468 atos sigilosos no Senado, além das centenas de outros antes denunciados, não significa que tudo feito às escondidas veio à tona. Ninguém garante isso, em meio à profusão de fatos que compõem a crise ética que domina o Senado.
Suspeita-se, aliás, de que nas atuais circunstâncias, a vida subterrânea da Câmara Alta ganhou força. Desencadeou manobras e acordos obscuros, e esses expedientes é que estariam mantendo o senador José Sarney na presidência, até agora. Também dariam respaldo a dirigentes anteriores, pois os 468 novos atos secretos envolvem alguns deles, já que foram editados nos anos de 1998 e 1999.
É evidente que, na atual situação vivida pelo Senado, entendimentos não declarados entre supostos adversários (governistas e oposicionistas) evitariam maiores desgastes para todos. É sob essa suspeita que está sendo visto, por grande parte da opinião pública, o arquivamento do pedido de cassação do líder do PSDB, Arthur Virgílio, feito formalmente no Conselho de Ética pelo líder do PMDB, Renan Calheiros.
A tropa de aliados a José Sarney recorreu, na quinta-feira, do arquivamento feito pelo presidente do Conselho de Ética, Paulo Duque. Já o PSDB entrou com recurso contra a rejeição das denúncias a Sarney. Um a um. Assim, com o jogo empatado, os dois lados contendores aparecem bem para a opinião pública.
Ao que parece, o suplente do suplente (Duque é suplente de Regis Fichtner, que por sua vez é suplente de Sérgio Cabral) agiu conforme conveniência ao rejeitar a ação contra Virgílio. Ele havia arquivado 11 representações contra José Sarney, e se não fizesse o mesmo em relação ao líder do PSDB estaria complicando a própria defesa do peemedebista maranhense. Contribuiria para acirrar antagonismos, o que aumenta a crise, enfraquecendo ainda mais a posição do presidente da Casa. Teria sido justamente para evitar isso, que Paulo Duque (indicado por Renan Calheiros) foi escolhido para presidir o Conselho de Ética.
Um grande passo na direção da anistia geral e irrestrita foi dado quando o senador Tasso Jereissati foi à tribuna para se desculpar por ter protagonizado, junto com o colega Renan Calheiros, um deplorável bate-boca. O líder do PT no Senado, Aloizio Mercadante, considerou o discurso do tucano um "marco", para a construção de um novo momento no Senado. Talvez seja, mas sem levar ao equacionamento da crise.
As manifestações sob o lema "Fora, Sarney", que se espalham ao vivo, no país inteiro, e via internet, pedem exatamente nova situação no Senado. Desde que não se trate apenas de um acordão entre grupos – o que defende a permanência do peemedebista na presidência do Senado, o que defende a sua saída. Só o silêncio conveniente entre antagonistas ou a troca de cordialidade entre eles não significam a mudança reivindicada. Seria uma grande pizza, difícil para a sociedade digerir.
A propósito desse clima, deve se ter presente a manifestação feita há poucos dias pelo senador Jarbas Vasconcelos, emblemático defensor da ética: "Ou nós partimos para paralisar os trabalhos nesta Casa, ou nós não vamos chegar aqui à situação de coisa nenhuma. Ao contrário (a crise), pode se agravar". Há de se convir, porém, que o agravamento seria maior em caso de suspensão das atividades da Casa. Mesmo em crise, é fundamental que as instituições continuem a funcionar.
O julgamento dos pedidos para desarquivar as ações contra Sarney e Virgílio indicará os próximos passos do vexame histórico do Senado.
GESTÃO DOS AEROPORTOS
EDITORIAL
ESTADO DE MINAS
15/8/2009
Concluídas as mudanças na Infraero, setor já pode iniciar modernização
Em direção, felizmente oposta, ao aparelhamento partidário e ao viés estatizante que se observa em vários escaninhos do governo, os planos que o ministro da Defesa, Nelson Jobim, anuncia para a Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero) são mais condizentes com o desafio de resolver os gargalos que ajudam a limitar o desenvolvimento dessa modalidade de transporte no país. Ao dar posse ao novo presidente da empresa, Murilo Marques Barboza, quinta-feira, o ministro afirmou que a missão do Executivo é a de acelerar os trabalhos para dotar o Brasil da infraestrutura necessária para suportar a realização da Copa do Mundo de Futebol, em 2014. Na verdade, nem era preciso ter aquele evento em pauta para que se desse ao mercado da aviação comercial a atenção que os atuais volumes de cargas e fluxo de passageiros, cada vez mais crescentes, estão a demandar. A urgência de se expandir a oferta de condições aeroportuárias e de modernização dos principais aeroportos do país é tão evidente quanto era claramente impossível à antiga estrutura da Infraero enfrentar esse enorme desafio.
A bem-sucedida profissionalização da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), feita depois do vergonhoso apagão aéreo no verão de 2007, indicou os primeiros passos da mudança de gestão e de filosofia de trabalho na Infraero. Não foi fácil. Inúmeros apadrinhados de caciques do PMDB, maior partido da base aliada do governo, tiveram de ser removidos da estatal. O então presidente da empresa, brigadeiro Cleonilson Nicácio, conseguiu aprovar, à revelia dos políticos, um estatuto prevendo a racionalização dos cargos de direção e gerência da Infraero, com requisitos técnicos para o preenchimento. O tamanho do corte deu uma ideia de como as coisas andavam na empresa, pois dos 106 cargos comissionados sobraram apenas 12. A reação veio em igual intensidade. O líder do governo no Senado Federal, Romero Jucá (PMDB-RR), se insurgiu contra a demissão de um irmão e uma cunhada que tinha empregado na empresa. E o deputado Henrique Alves (PMDB-RN) deu declarações ameaçadoras por não se conformar com o fato de sua ex-mulher também ter perdido o cargo que tinha na Infraero.
O senador Jucá chegou a acenar com o despropósito de apresentar emenda constitucional tornando o cargo de ministro da Defesa exclusivo de militares, numa clara retaliação ao ministro Jobim. Em meio a esse tiroteio, o futuro da empresa e dos planos de modernização do setor só ganharam alento quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu, corretamente, rechaçar as investidas dos políticos e bancar as mudanças. Depois dessa faxina, a Infraero parece pronta para ganhar a confiança de capitais privados, inclusive estrangeiros, que lhe reforcem a musculatura e tornem sua gestão mais ágil e moderna. Em vez do empecilho corporativo à abertura do mercado a operadores privados, que a Infraero se prepare para dar aos aeroportos que continuar administrando competitividade à altura do dinamismo que se projeta para a aviação civil brasileira nos próximos anos. É a melhor maneira de pôr em primeiro lugar o interesse, o conforto e a segurança do personagem mais importante, até agora pouco lembrado, o usuário.
MENOS PODER À BUROCRACIA
EDITORIAL
CORREIO BRAZILIENSE
15/8/2009
É costume enraizado na burocracia brasileira considerar inverídica a declaração prestada por qualquer pessoa que busque obter serviço da administração. Parte-se da premissa de que todos são desonestos até prova em contrário. É preciso que o interessado prove estar dizendo a verdade com declarações, atestados, carimbos, reconhecimento de firma e todos os complicadores criados por órgãos do governo, que se negam a abandonar métodos do século 16 e a ingressar na modernidade.
Exemplo patético ocorreu no Distrito Federal. Benta Pereira Lima tentou retirar o seguro-desemprego na Caixa Econômica Federal em 2002. Descobriu, então, que constava como morta nos bancos de dados do governo. Seria um raro caso de homônimos. Depois de idas e vindas, a verdade teria sido restabelecida. O fato, largamente divulgado pela imprensa, mereceu pedido público de desculpas do então ministro da Previdência Social, José Cechin.
Sete anos depois, o episódio se repete — com a mesma protagonista. Pior: o banco de dados do órgão que a registra como morta mostra que, depois da tragicomédia, Benta teve emprego formal e contribuiu para a Previdência. Agora, retoma a via-crúcis. Para entrar com recurso na Secretaria Regional do Trabalho, precisou munir-se de documentos cujas informações se encontram nos bancos de dados do governo.
Vem, pois, em boa hora decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que reduz a burocracia em órgãos federais. Atestados e certidões com informações de conhecimento do poder público não poderão mais ser exigidos do cidadão. Mais: o reconhecimento de firma, que havia sido banido pela política de desburocratização do então ministro Hélio Beltrão, voltou com força a todos os níveis da administração. Agora, espera-se que a prática seja definitivamente enterrada sem risco de se transformar em esqueleto que, sujeito a caprichos de servidores com assento em salas carpetadas, ressuscite com força multiplicada.
A burocracia — junto com a deficiência de infraestrutura, desqualificação da mão de obra e alto valor do crédito — dá substantiva contribuição para o custo Brasil. O país precisa ingressar no século 21. Não será com montanhas de papéis que dará agilidade a processos e respeitará as necessidades do cidadão, que arca com uma das mais pesadas cargas tributárias do mundo. O servidor público, vale frisar, ocupa postos na administração para servir ao público, não para dele se servir. Em bom português: o brasileiro não deve mais sustentar um Estado cartorial, pesado e ineficiente. A era da internet exige agilidade, competência e leveza.
DEVAGAR, QUASE PARANDO
EDITORIAL
DIÁRIO DE CUIABÁ (MT)
15/8/2009
O prefeito Murilo Domingos (PR) determinou a suspensão de pagamentos e da execução de três lotes de obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em Várzea Grande. A exemplo do que ocorre em Cuiabá, esse programa do Governo Federal está sob suspeita de fraudes no processo licitatório, conforme investigações do Ministério Público Federal e da Polícia Federal.
O executivo republicano, quando nada, segue a linha do bom senso, de tal maneira que também já sinalizou para a anulação de todas as licitações feitas até agora. A respeito dos dois funcionários da Prefeitura – o presidente e uma assessora da Comissão de Licitação -, presos durante a Operação Pacenas, da PF, o prefeito optou por mantê-los nos respectivos cargos, até ter um conhecimento real das denúncias apresentadas pelo MPF. Faz sentido, até porque não é o caso de adotar providências que, mais tarde, possam ser consideradas precipitadas.
A decisão de Domingos, na prática, é o que se convencionou classificar de “Efeito Julier” – uma referência às críticas que o titular da 1ª Vara da Justiça Federal fez ao prefeito da Cidade Industrial, em vista de sua omissão ante os escândalos envolvendo o PAC e que atingiram em cheio a sua gestão.
No caso específico de Várzea Grande, só mesmo um profundo levantamento – talvez, uma auditoria – para expor a realidade nua e crua das polêmicas obras do PAC. O noticiário político (não seria policial?) tem sido farto, ultimamente, em revelar o marasmo em que se encontra o processo de execução das obras nessa cidade. Os “vícios” nas licitações, apontados pelas investigações da PF e do MPF, em verdade, expuseram o descaso da gestão pública, diante de uma realidade palpável, que é a carência de saneamento básico.
Passados quase sete meses de sua investidura no cargo, para um segundo mandato conferido pela população, o republicano Murilo Domingos, lamentavelmente, ainda não disse a que veio. Nesse período, ele se perdeu em meio às questões meramente pessoais (é acusado de prática de nepotismo, ao nomear um sobrinho para sua assessoria especial) e às conveniências político-eleitoreiras. De fato, até agora, o prefeito não tem um secretariado definido; sua equipe se assemelha muito a uma colcha de retalhos, sem direção, mas voltada para a próxima eleição, diante da preocupação única e exclusiva com acomodações políticas no Executivo.
A pressão da Justiça Federal para que Murilo Domingos “acorde” para a realidade, não há como negar, está surtindo o efeito desejado. Ao sinalizar para o cancelamento das licitações do PAC, ele demonstra que alguma providência será tomada, doravante. Curioso é que a primeira grande medida anunciada, na sexta, foi a da suspensão imediata de todas as obras. Na prática, como uma TV mostrou em reportagem especial, as obras do programa federal em Várzea Grande estão paralisadas há um bom tempo. Por falta de fiscalização, de interesse e de responsabilidade da atual gestão. Resta lamentar.
“Murilo Domingos anuncia suspensão de obras do PAC, que, na prática, estão paralisadas há muito tempo”
QUESTÃO DE CONVENIÊNCIA
EDITORIAL
GAZETA DO POVO (PR)
15/8/2009
A paralisia do Senado ganha mais um capítulo nada exemplar: o do acordão. Poucos dias depois de ter ar¬¬quivado 11 denúncias contra o presidente do Senado, José Sarney, o presidente do Conselho de Ética, Paulo Duque, também arquivou a representação de quebra de decoro parlamentar proposta pelo PMDB con¬¬tra o líder do PSDB, Arthur Virgílio. O tu¬¬cano havia sido denunciado ao Conselho por ter mantido, por 18 meses, o pagamento de um servidor de seu gabinete que estava estudando na Espanha. Virgílio prometeu devolver os mais de R$ 210 mil aos cofres da casa, como ressarcimento às despesas desse assessor que continuou recebendo vencimentos mesmo na Europa. Perdoado, disse que Duque foi “coerente”. Ocorre que dois erros não fazem um acerto.
Do ponto de vista ético, que haveria de ser defendido por Duque como presidente do conselho destinado à questão, não parece haver coerência alguma em arquivar todas as denúncias sem maior análise. Lembremos que o poder do Conselho de Ética restringe-se ao campo parlamentar. Suas conclusões não têm peso judicial. Portanto, abrir as investigações não significaria condenar sumariamente os senadores sobre os quais pairam tantas dúvidas. O contrário, o arquivamento do caso, é que leva à firme decisão de ignorar todas as denúncias.
O que a Virgílio parece coerência é recebido pela opinião como um acordão, um pac¬¬to de silêncio mútuo que só reafirma o descrédito do Conselho de Ética e de todo o Se¬¬nado. Tanto as denúncias que envolvem Sar¬¬¬¬ney quanto as que dizem respeito a Vir¬¬gílio mereciam ao menos serem analisadas. É isso que se esperaria de um órgão parlamen¬¬tar tão importante: isenção e comprometimento com a sociedade.
As recentes declarações de Duque evidenciavam a intenção de absolver o correligionário Sarney. Ele chegou a dizer, que, para julgar o presidente do Senado por quebra de decoro, seria preciso uma acusação “seríssima”. Não era o caso, declarou, dos atos se¬¬cre¬¬tos, que considerava uma “grande bobagem”; algo “inventado por alguém”. Para Du¬¬que, também não “era o caso” de haver julgamento de Sarney em razão da contratação de seus parentes. “O senador prestou mui¬¬tos serviços ao país. Ficar vasculhando a vida dele porque nomeou um neto é bobagem”. A absolvição de Virgílio, por sua vez, serviu para calar a oposição.
Apesar das representações de parte a parte a tendência é de que seja mantido o pacto nada vantajoso para o interesse pú¬¬blico, mas muito conveniente para PMDB e PSDB. O PT também tira proveito do acordão pois, com os tucanos sob controle, mantém-se a blindagem a Sarney, dono de um cacife político considerado essencial para a eleição de Dilma Rousseff à Presidência. Saciada a fome de poder, parecem todos prontos para esquecer as denúncias e perdoar as ofensas mútuas.
Apesar de estar na vida pública desde 1962, tendo no currículo oito mandatos como deputado estadual, o homem que exerceu papel-chave na construção do acordão só foi alçado ao Senado com a eleição de Sérgio Cabral para o governo do Rio de Janeiro e a escolha do primeiro suplente, Régios Fi¬¬chtner, para chefiar o gabinete civil. Assim, coube a um segundo suplente, que não recebeu um único voto popular, a oportunidade de presidir o Conselho de Ética num mo¬¬mento de tão grande demanda. É algo que destoa do modelo democrático. Esta seria, portanto, uma excelente ocasião para discutir a suplência no Senado. Existe até uma PEC tratando do tema. Mas é uma entre tantas propostas que esperam o Senado sair da paralisia provocada pelos problemas estruturais para cumprir finalmente a tarefa de preparar o futuro.
VOLTA ÀS AULAS
EDITORIAL
GAZETA DO POVO (PR)
15/8/2009
A maioria das escolas do Paraná deve retornar à rotina na segunda-feira. A volta às aulas está prevista tanto na rede pública quanto nas instituições privadas, representadas pelo Sin¬¬dicato das Escolas Particulares do Paraná (Sine¬¬pe-PR). Embora premidos pela dificuldade de manter os filhos em segurança du¬¬rante o recesso inesperado, forçado pela gri¬¬pe A, os pais estão temerosos com os riscos envolvidos na aglomeração dos estudantes no re¬¬torno escolar. O medo não é infundado, mas não pode levar à imobilização. Informação e cuidado são as palavras de ordem para enfrentar a epidemia. Tanto para as escolas quanto para as famílias. Como em tantas outras questões, a orientação dos pais aos filhos é fator importantíssimo para proteger as crianças.
PROTESTO E DEMOCRACIA
EDITORIAL
ZERO HORA (RS)
15/8/2009
O que era para ter se constituído ontem em mais um dia de manifestações – desta vez contra duas questões tão díspares quanto a defesa da redução da jornada de trabalho e do impeachment da governadora Yeda Crusius – acabou dando margem a uma ameaça de autoritarismo que, felizmente, acabou não se concretizando. Isso porque, logo no início das mobilizações na Capital, o comandante-geral da Brigada Militar chegou a confirmar que a orientação transmitida aos policiais militares era a de não permitir a exposição de cartazes com inscrições consideradas ofensivas. Como a Constituição veda censura prévia e essa nunca foi uma atribuição da Brigada, a inusitada decisão acabou sendo revista. Tanto na frente da sede da Federação das Indústrias do Estado (Fiergs) quanto do Palácio Piratini, as manifestações acabaram transcorrendo dentro dos limites previsíveis numa democracia, da qual faz parte, por exemplo, a divergência de visões na área política.
Preocupada em evitar mal-entendidos e a repetição de episódios como o que resultou até mesmo no recente indiciamento de um grupo de manifestantes, a própria governadora afirmou ontem considerar protestos um “instrumento da democracia”, desde que não firam a lei. A Constituição Federal, de fato, garante em seu artigo 5º a livre manifestação do pensamento e a livre expressão. Quem quer que seja responsável por atos que impliquem injúria ou difamação pode ter que prestar contas à Justiça pelos excessos. Mas não cabe nem ao policial civil nem ao militar dizer o que pode ou o que não pode ser expresso, muito menos encarregar-se de recolher cartazes ou faixas interpretados como inadequados pelo seu conteúdo.
Aos cidadãos, cabe agir dentro da lei, e à autoridade policial, zelar para que as manifestações não se desviem de pressupostos típicos do convívio em sociedade. Isso significa que participantes de atos como o marcado para ontem devem se empenhar sempre para fazer com que tudo ocorra de forma pacífica, com o mínimo de transtorno para quem precisa continuar exercendo suas rotinas ou enfrenta até mesmo situações emergenciais, que exigem deslocamento rápido. As autoridades de segurança, por sua vez, têm o dever de se guiar sempre pela necessidade de garantir a ordem, sem exagerar na repressão e sem desrespeitar conquistas democráticas obtidas a um custo alto para os brasileiros.
O Estado vive um momento politicamente tenso e a sociedade precisa ter o direito de agir com liberdade, o que inclui manifestações democráticas, incluindo as programadas para locais públicos. Mas é importante, acima de tudo, que esses atos ocorram sempre de forma pacífica, preservando o respeito à autoridade e aos direitos dos demais, inclusive os de quem pensa diferente.
Aos cidadãos cabe agir dentro da lei, e à autoridade policial, zelar para que as manifestações não se desviem de pressupostos típicos do convívio em sociedade.
UM GESTO EQUIVOCADO
EDITORIAL
ZERO HORA (RS)
15/8/2009
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) suspendeu temporariamente as propagandas de medicamentos contra a gripe em razão da elevação dos casos da influenza A (H1N1) – gripe suína – no Brasil. A Resolução 43, publicada no Diário Oficial da União de ontem, como medida de interesse sanitário e em caráter temporário, determinou a suspensão no território nacional das propagandas veiculadas em todos os meios de comunicação, inclusive na internet, de produtos à base de ácido acetilsalicílico. O texto prevê também a interrupção de comerciais de outros medicamentos de venda isenta de prescrição médica com propriedades analgésicas e antitérmicas e ainda dos destinados ao alívio dos sintomas da gripe, tais como aqueles à base de paracetamol, dipirona sódica, ibuprofeno e associações.
A decisão das autoridades sanitárias, adotada de maneira surpreendente e até certo ponto radical, poderia ser justificada pelo interesse público num momento em que o país enfrenta uma pandemia. Mas foca o alvo errado. Não é a propaganda que pode eventualmente causar danos à saúde dos consumidores: é o próprio medicamento, quando utilizado de forma inadequada. Cancelar a publicidade não vai proteger o cidadão. O mais correto, no caso, seria impedir a venda livre de tais substâncias, exigindo a prescrição médica.
Obviamente, a proteção da vida e da saúde tem que estar acima de qualquer outro direito, mas o argumento do governo é falho. Diz a nota da Anvisa que a suspensão da propaganda “é necessária em razão de circunstância especial de risco à saúde identificada pela elevação dos casos da influenza A no Brasil, juntamente com a vulnerabilidade das pessoas que estão supostamente acometidas pela doença e daquelas já diagnosticadas, e ainda, pelo risco inerente do uso desses medicamentos por essas pessoas, na medida em que os mesmos são capazes de mascarar uma situação de risco à saúde”. Ora, o fato de tais produtos deixarem de ser anunciados não impede de eles serem consumidos. Alguns deles são tão populares, que as pessoas já guardam estoques em casa. E todos podem ser comprados livremente nas farmácias, com ou sem propaganda.
O país inteiro tem que se mobilizar e se unir para ajudar no combate à epidemia de gripe A. Mesmo com as dificuldades estruturais existentes, cabe reconhecer que as autoridades sanitárias estão empreendendo esforços para tranquilizar a população. Merecem, por isso, todo o apoio. Mas também precisam ser alertadas quando cometem equívocos – e este é o caso da incoerente proibição de propaganda de remédios que são vendidos livremente.
QUANDO A JUSTIÇA É INJUSTA
EDITORIAL
JORNAL DO COMMERCIO (PE)
15/8/2009
A recente reportagem Castigo sem Crime deste jornal personalizou, deu nomes a tragédias individuais reconhecidas pelo levantamento do Conselho Nacional de Justiça, que colocou Pernambuco em segundo lugar no ranking de morosidade da Justiça brasileira. A pesquisa, divulgada em janeiro deste ano, dizia que em outubro de 2008 corriam em varas judiciais 39,5 milhões de ações. Dessas, 783 mil estavam paradas, cabendo à Bahia o troféu da estagnação, com 219 mil processos, seguida de Pernambuco com 129,6 mil ações paradas.
Tratar o problema da morosidade da prestação jurisdicional com números oficiais é importante porque dá a dimensão da falência institucional. Mas é com imagens e com os relatos dramáticos vistos na reportagem sobre o sistema penitenciário que a falência do sistema vira escândalo nacional. "Dos 19.525 detentos nas prisões de Pernambuco, 12.992 são provisórios, presos que, além de não ter sentença, às vezes passam anos sem audiência com um juiz". Essa síntese na abertura da matéria que mostra o grito dos inocentes ecoando atrás das grades é muito mais que um dado estatístico: ela escancara a tragédia que se abateu sobre seres humanos porque o sistema, o poder público que detém o monopólio da ação penal, não funciona.
É tão grave, tão alarmante o funcionamento do sistema judiciário, e muito especificamente o sistema judiciário penal, que assombra o pouco caso com que o trata a nossa elite dirigente. Basta acompanhar a crônica política diária para constatar que em nenhum momento essa elite trata dos que estão presos injustamente, dos que ocupam prisões em condições subumanas, dos que permanecem atrás das grades por falta de andamento da Justiça, perdida nos seus entraves legais, burocráticos e incapacidade de acompanhar as demandas. As defesas do Judiciário são amplas - do filosófico entendimento de que a celeridade pode comprometer a certeza do direito à defasagem de leis processuais que não acompanharam as mudanças mais profundas dos novos tempos.
Mas há nesse percurso, da elaboração da lei à sua aplicação, uma história que coloca o nosso País entre os mais atrasados, porque a morosidade da Justiça atinge o bem mais precioso, a liberdade, mas, também, a economia nacional, em todos os aspectos. Desde o custo de manutenção de milhares de presos provisórios à lentidão em fazer funcionar o direito civil em matérias fundamentais para a economia, como o contrato e as obrigações contratuais.
Como consolo, podemos admitir que já há esboços de modernização dos mecanismos que poderão tirar das prisões milhares de pessoas que não oferecem risco à sociedade em Pernambuco, mas é muito pouco. É fundamental que se tenha um compromisso mais amplo, que passa pela forma com que nossos políticos conquistam mandatos. É preciso saber para que, e de que forma podem fazer desses mandatos instrumentos de transformação. No caso específico do sistema penitenciário, não há qualquer sinal nessa direção. Assim como não há, por exemplo, sinais mais expressivos e práticos entre os operadores do direito, que também são vítimas da lentidão.
Apesar de toneladas de estudos sobre a morosidade da prestação jurisdicional, de haver sido criado um Conselho Nacional de Justiça que tem como uma das obrigações cuidar para que o Judiciário ande, o que se constata é a lentidão pesando sobre a prática profissional dos advogados, sem que se verifique reações mais corajosas, apesar de a lei prever mecanismos que permitiriam maior agilização da Justiça, como é o caso da Correição Parcial, instrumento que se destina a corrigir a condução do processo e que tem como antecedente o Regulamento do tempo do império que dispunha sobre "agravo por dano irreparável". Muitos dos personagens tratados pela reportagem deste jornal têm o que falar sobre dano irreparável