Monday, August 17, 2009

EDITORIAIS 17/8/2009

O QUE PENSA A MÍDIA
17/8/2009 - EDITORIAIS
REFORMAR O ESTADO
EDITORIAL
O GLOBO
17/8/2009

As discussões sobre o funcionalismo público costumam ser intensas. Por várias razões, entre elas: a própria dimensão do Estado brasileiro, o peso da folha de salários dos servidores no bolso do contribuinte e pelo fato de as corporações sindicais do setor serem aliadas políticas de primeira hora do PT. Os debates são logo partidarizados. Tratam-se de circunstâncias que exigem doses especiais de sensatez e argumentos bem sustentados, para se fugir do maniqueísmo e dos pendores ideológicos.

Ninguém pode imaginar o Brasil com um Estado débil, desidratado. As disparidades sociais, os problemas de infraestrutura que impedem a economia de dar voos mais elevados, a questão da insegurança pública, tudo somado requer a ação do Estado. O ponto a discutir é saber que tamanho deve ter este Estado, com qual ingerência e a que custo para a sociedade. Aliás, o poder público é debilitado quando se torna um cabide de empregos. Confunde-se poder e eficiência com tamanho. Um dos melhores indicadores para se avaliar se as dimensões do poder público estão adequadas ao perfil da sociedade é a carga tributária. E a brasileira é imensa - na faixa dos 35,5% do PIB -, sem que haja serviços públicos à altura. Só a folha de salários do funcionalismo chegará no final do ano a 5% do PIB. E com os reajustes já aprovados, o número só tende a subir. O Estado incha na despesa de pessoal não só por causa de reajustes, mas também devido ao empreguismo desvairado: na Era Lula já foram contratados cerca de 200 mil servidores, um salto de mais de 20% no contingente do funcionalismo.

As comparações feitas pelo Ipea entre o Brasil e outros países, numa tentativa de defender o inchaço, são inconsistentes. O importante é saber se o contribuinte pode sustentar o Estado. A capacidade do brasileiro já foi ultrapassada. Há países europeus com muitos servidores e impostos elevados. A população, porém, recebe serviços de qualidade aceitável, não precisa buscar ensino e saúde privados. Tem renda capaz de suportar a carga tributária, e ainda assim manter um padrão de vida aceitável.

Não é o caso do Brasil. Como não fecha a conta de um país de renda média, com impostos de Primeiro Mundo e serviços públicos africanos, mais cedo ou mais tarde entrará na agenda nacional, com força, a reforma do Estado. E dela constará o enxugamento e profissionalização dessa enorme máquina improdutiva e devoradora de recursos do contribuinte.

O PAÍS DA ENERGIA DO FUTURO
EDITORIAL
JORNAL DO BRASIL
17/8/2009

RIO - A conferência sobre biocombustíveis e educação ambiental – organizada pelo Jornal do Brasil e pela Casa Brasil na semana passada – mostrou que o país tem uma oportunidade extraordinária de assumir, em pouco tempo, a condição de potência graças aos combustíveis renováveis. O quadro é extremamente favorável. Com os investimentos feitos ao longo de décadas, o Brasil ocupa hoje uma posição de vanguarda no setor energético. Ainda que precise enfrentar certos desafios diante dos pesados interesses – voltados para a manutenção do antigo regime de produção ou para a construção do novo –, o país está no caminho correto para atender ao padrão de consumo que o século 21 exigirá.
Neste jogo, em que se combinam uma corrida para o futuro e um complexo cabo de guerra na geopolítica mundial, o Brasil é um exemplo para as outras economias do mundo, que ainda não fizeram – e, em alguns casos, estão longe de fazer – a transição para o modelo energético dos novos tempos.
Enquanto muitos países desenvolvidos não dispõem da tecnologia e dos recursos naturais necessários à produção de energia renovável em larga escala, o Brasil, com a hidroeletricidade e o etanol, possui uma matriz energética que o distingue no cenário internacional. Cerca de 46% da energia brasileira são de fontes renováveis, um percentual sete vezes maior que a média dos países ricos da OCDE.
O Brasil já deu largos passos para consolidar uma matriz energética limpa, ambientalmente sustentável e economicamente poderosa, com grande potencial de expansão. Para se atender à demanda de etanol prevista para 2017, por exemplo, seriam necessários apenas 2,56% da área agricultável do país.
As conclusões otimistas, no entanto, devem ser ressalvadas pela necessidade de superação de uma série de obstáculos. A condição de potência energética não está dada. Precisa ser conquistada. O mundo ainda consome energia de acordo com um padrão do século 20. Carvão, petróleo e derivados são responsáveis por 80% do total consumido no planeta.
A modificação desse padrão de consumo impõe-se como pré-requisito para as pretensões brasileiras de aproveitar seu potencial energético e gerar divisas. O comércio internacional do etanol ainda é reduzido. As barreiras tarifárias e não tarifárias impostas pelos Estados Unidos e pela União Europeia são enormes obstáculos à exportação do etanol brasileiro. Os americanos têm uma dupla preocupação: proteger internamente seus produtores e garantir suas exportações. Junto com o Brasil, os Estados Unidos respondem por 80% da produção mundial de etanol. Já os europeus têm como objetivo recuperar o tempo perdido por meio de uma série de incentivos e financiamentos para estimular a produção própria.
Ainda assim, a competitividade do etanol brasileiro é evidente. Além de ser mais rentável, ele é capaz de reduzir em 90% a emissão de gases de efeito estufa – redução que, no biocombustível europeu, fica entre 35% e 50%.
São números promissores. Mas que não garantem a posição de destaque que o Brasil, com muito esforço, conquistou e ocupa atualmente. Largamos na frente. Mas a disputa energética do século 21 ainda está no começo.

LIBERDADE PARA A GASTANÇA
EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO
17/8/2009

A gastança eleitoral do próximo ano está garantida, por enquanto, graças aos vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao texto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) aprovado no Congresso. Ao sancionar a lei, ele removeu obstáculos à expansão das despesas com publicidade, viagens e obras. Essas limitações haviam sido incluídas durante a tramitação do projeto. Os acréscimos foram possibilitados, segundo parlamentares da oposição, por acordos com a base do governo, agora violados, denunciam eles, pelo presidente da República.

Com os vetos, a administração federal poderá continuar inflando as despesas de custeio. Um dos itens vetados impedia o governo de gastar com publicidade, viagens e diárias de funcionários mais que os valores destinados a essas atividades em 2009. "O ajuste proposto relativo a publicidade, diária, passagem e locomoção, efetuado de forma linear nos insumos à realização de políticas, pode inviabilizar a execução e o acompanhamento de obras públicas nas quais é necessária a presença do gestor do contrato, usualmente lotado em local distinto do município objeto da intervenção", segundo justificativa na mensagem presidencial.

O argumento parece ter alguma respeitabilidade, na parte relativa ao acompanhamento de obras, mas a ilusão dura pouco. O item vetado já abria exceção para despesas de interesse social, como segurança pública, vigilância sanitária e obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Mas o autor da explicação tropeçou de forma ainda mais desastrosa ao acrescentar outras duas considerações em defesa do veto. "Como não há disposição legal a respeito desse assunto neste exercício, o conhecimento antecipado da determinação poderá, ao contrário do que se pretende, levar ao incremento dessas despesas em 2009, resultando em letra morta a intenção preconizada." Isso é muito mais uma confissão do que um argumento.

A ideia de aumentar os gastos neste ano para criar espaço para despesas no próximo exercício é uma aberração. A simples consideração dessa hipótese dá uma ideia muito clara de como se entende a gestão financeira no Palácio do Planalto. Espantoso é ter o presidente Lula assinado um texto com essa quase ameaça. Ele se mostra quase sempre bastante sensato para não cometer erros desse tipo. Ao lado dessa aberração, os atentados ao idioma ("intenção preconizada", por exemplo) tornam-se quase invisíveis.

A alegação seguinte trata da publicidade. Segundo a justificativa presidencial, o texto vetado confere à publicidade de utilidade pública "o mesmo tratamento dispensado à publicidade institucional". Também esse argumento é indigente. Se o governo cuidasse de seus gastos com um pouco mais de seriedade, poderia muito bem eliminar ou restringir a chamada "publicidade institucional", frequentemente confundida com propaganda, para preservar o dinheiro necessário à divulgação de informações úteis ao público. A pobreza da justificativa não é casual. Importante mesmo, para o Palácio do Planalto, é garantir o maior volume possível de recursos para a propaganda de efeito eleitoral em 2010. Quando se considera esse aspecto, não se pode acusar o governo de agir sem prioridades. Eleger os candidatos de sua conveniência é a prioridade evidente.

Um dos itens vetados proibia o governo de excluir da meta de superávit primário os valores de restos a pagar relativos a obras ainda não executadas do PAC. Segundo a justificativa do veto, a exclusão causaria graves dificuldades à realização de obras de grande porte e "de caráter plurianual".

Com esse veto, o governo poderá excluir do cálculo do superávit primário (o dinheiro destinado ao pagamento de juros) não só as verbas previstas para o PAC na proposta do orçamento de 2010, mas também o dinheiro empenhado neste ano fiscal e não desembolsado. Terá, portanto, liberdade completa para manejar esse tipo de verba sem se preocupar com o resultado fiscal do ano de eleições. Na prática, a exclusão dos investimentos do PAC abrirá espaço para o aumento de outras despesas, como as de pessoal, especialmente importantes, para o governo, em época de campanha eleitoral. Gastos permanentes de custeio já estão sendo criados para os próximos anos e será preciso acomodá-los no orçamento de 2010. O presidente Lula está empenhado em garantir essa acomodação.

MAIS RESPEITO AO CIDADÃO
EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO
17/8/2009

Se um órgão público necessitar de documentos que esclareçam a situação de um cidadão e essas informações já constem da base de dados de outra unidade do governo, a repartição não poderá solicitá-los ao interessado. Terá de pedir diretamente ao outro órgão, por meio eletrônico. Dentro de um ano - tempo necessário para que todos os bancos de dados federais sejam interligados e os funcionários sejam treinados para atender à exigência -, toda a administração federal deverá cumprir essa norma, que facilitará a vida do cidadão e dará mais velocidade à ação do governo no seu relacionamento com a população.

É o que estabelece decreto presidencial publicado quarta-feira, dia 12, no Diário Oficial da União, destinado a simplificar o atendimento público prestado pelos órgãos públicos federais, como o INSS, a Receita Federal, o Ministério do Trabalho e outros. Iniciativa da Secretaria de Gestão do Ministério do Planejamento, a proposta de redução de exigências burocráticas foi submetida à consulta pública e recebeu contribuições de outros órgãos federais e de cidadãos, muitas das quais foram incorporadas ao decreto.

À exceção do dispositivo sobre os bancos de dados, todas as medidas previstas no decreto têm vigência imediata. O decreto estabelece, por exemplo, que as relações entre o Poder Executivo Federal e os cidadãos deverão basear-se, entre outros princípios, na presunção de boa-fé, no compartilhamento de informações, na atuação integrada dos órgãos públicos, no uso de soluções tecnológicas que simplifiquem os processos, na articulação com outros níveis de governo e na "utilização de linguagem simples e compreensível" na comunicação com o público.

É redundante ao determinar que, salvo nos casos de dúvida quanto à autenticidade ou de exigência legal, não será exigido o reconhecimento de firma em qualquer documento a ser apresentado a órgãos federais, quando este for assinado perante o servidor público ao qual deve ser apresentado. Essa medida está em vigor há mais de 40 anos, em razão de decreto elaborado pelo então ministro do Planejamento, Hélio Beltrão, mas não é respeitada.

Mas é uma redundância necessária, pois, como lembram especialistas em administração pública, a burocracia cresce como erva daninha e, por isso, precisa ser podada com certa frequência. Embora descartada formalmente, a exigência de reconhecimento de firma e de apresentação de cópias autenticadas foi se reintroduzindo na administração pública, tanto que, pouco mais de dez anos depois de extinta, sua extinção precisou ser reafirmada em outro decreto, também proposto por Beltrão. Repete-se, agora, o processo.

Outra inovação do decreto recém-publicado é a imposição, a todos os órgãos e entidades do Executivo que prestem serviços diretamente à população, da obrigatoriedade de elaborar e divulgar sua "Carta de Serviços ao Cidadão". Essa Carta, que será afixada em local visível e colocada à disposição do público nas páginas eletrônicas dos respectivos órgãos públicos, deverá conter, em linguagem clara e precisa, a descrição dos serviços prestados, os requisitos para utilizá-los, as etapas para o processamento do pedido, o prazo máximo para o atendimento do cidadão, a forma de comunicação com o solicitante e mecanismos para apresentação de queixas, entre outras informações.

Além disso, os órgãos federais devem aplicar periodicamente pesquisas de satisfação junto aos usuários, para avaliar a qualidade dos serviços prestados e identificar lacunas e deficiências.

Embora limitadas às esfera do governo federal, são medidas importantes para melhorar o relacionamento da administração pública com os cidadãos, dando mais velocidade às respostas do Poder Executivo e reduzindo a irritação do público. Se vão funcionar ou não dependerá do comportamento do público, pois, como observou há algum tempo o secretário de Gestão do Ministério do Planejamento, Marcelo Viana, "para mudar o Estado é necessária a participação do cidadão, que deve reclamar sempre que seus direitos não estiverem sendo satisfatoriamente atendidos".

O BRASIL E OS DIREITOS HUMANOS
EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO
17/8/2009

O Brasil acaba de ser condenado na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, num caso que envolve a repressão a movimentos sociais por meios ilegais, como escutas telefônicas não autorizadas judicialmente. Criada em 1953, sediada em Washington e formada por 7 juristas escolhidos pela Assembleia-Geral da OEA por seu mérito pessoal, e não como representantes de governos, a Comissão atua como primeira instância da Corte Interamericana de Justiça, com sede em San José, na Costa Rica. Os dois órgãos integram o Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos.

A primeira condenação sofrida pelo Brasil na Comissão ocorreu há dez anos e envolveu a morte de um deficiente mental numa clínica psiquiátrica no Nordeste. Quando há denúncias de tortura, falta de empenho policial na investigação de crimes, maus-tratos no sistema carcerário e violência contra crianças e mulheres, a Comissão primeiro determina medidas cautelares. Caso elas não sejam tomadas, o país pode ser condenado.

Além da sanção simbólica, que compromete a imagem desse país no cenário internacional, há severas sanções econômicas previstas por tratados e pactos de direitos humanos. Organismos multilaterais, como o Banco Mundial e o BID, por exemplo, estão proibidos de conceder ajuda financeira a países que ultrapassarem um determinado limite de condenações em matéria de desrespeito aos direitos humanos.

Nos últimos dez anos, o Brasil foi objeto de 507 denúncias de violação do chamado "Pacto San José", firmado em 1969 e ratificado pelo País em 1992. Desse total, 29 denúncias foram acolhidas para análise pela Comissão. Só em um desses casos o Brasil sofreu nove medidas cautelares, uma das quais resultou no fechamento, em 2007, da unidade que a antiga Febem mantinha no bairro do Tatuapé. As demais exigiam providências imediatas para o descongestionamento do sistema prisional.

Outra medida cautelar imposta pela Comissão acabou levando o Congresso a aprovar, há quatro anos, a "Lei Maria da Penha", que estabelece severas punições para quem comete violência contra a mulher. No balanço das recomendações, os governos brasileiros acabaram fazendo quase tudo o que foi pedido pela Comissão. Em apenas três casos as recomendações foram acatadas parcialmente, segundo a Comissão, e em somente um, envolvendo um garoto de 13 anos que teria sido executado pela Polícia Militar numa favela carioca, o Brasil ainda não tomou as providências que foram solicitadas.

O balanço da Comissão também revela que o número de denúncias apresentadas contra o Brasil nos órgãos da OEA vem aumentando significativamente. Hoje, há 108 petições protocoladas por casos de assassinato, prisões degradantes e crimes contra a infância e a adolescência. Em grande parte, isso se deve à atuação de alguns movimentos sociais que profissionalizaram sua atuação. Além de investir na formação de redes de atores não-estatais no continente, de estudar exaustivamente as legislações nacionais e internacionais em matéria de direitos humanos e de contratar advogados especializados, eles desenvolveram o conceito de "litígio estratégico ou paradigmático". A ideia é concentrar a atenção em casos exemplares e com grande impacto social, dando-lhes o máximo possível de visibilidade política, com o objetivo de obter "precedentes" no Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos. O passo seguinte é pressionar os tribunais nacionais a acolher esses precedentes e os governos a adotar novas políticas sociais.

Em outras palavras, o "litígio estratégico ou paradigmático" envolve a prática de uma advocacia mais engenhosa, que vai além do simples denuncismo, por parte dos movimentos sociais. Essa estratégia deu certo na Colômbia, Chile e Peru, países cujas Cortes superiores converteram em jurisprudência vários precedentes abertos na Comissão e na Corte Interamericana dos Direitos Humanos. No Brasil, isso só agora está começando - e o aumento do número de denúncias é apenas o primeiro passo de um processo que tem por finalidade criar fatos políticos externos para convertê-los em pressão política interna, para induzir governos e tribunais a dar mais atenção aos direitos humanos.

SAÚDE EM QUESTÃO
EDITORIAL
FOLHA DE S. PAULO
17/8/2009

Número de beneficiários vinculados a operadoras de planos privados mal avaliadas é um indicador das mazelas do setor

A MAIS recente avaliação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) sobre as empresas de planos de saúde mostrou que 23% dos beneficiários estão vinculados a operadoras cujo desempenho foi considerado insatisfatório. Trata-se de um contingente considerável de usuários -aproximadamente 9 milhões de pessoas- que pagam por um serviço ruim.
É verdade que houve avanços significativos no mercado de seguros e planos privados de assistência à saúde desde que foi criada a ANS, em 2000, e se começou a implementar a lei que regulamentou o setor.
De fato, os planos passaram a ser obrigados a fornecer cobertura praticamente integral, sendo proibidas exclusões de doenças específicas. As carências impostas aos usuários foram limitadas, e a recusa de usuários, bem como a rescisão unilateral de contratos, proibidas.
O setor vem apresentando crescimento considerável de beneficiários, cerca de 5% ao ano desde 2004, segundo dados da ANS, variação superior ao PIB e ao crescimento populacional.
Tal desempenho, entretanto, não deve obscurecer o fato de que o segmento de planos privados de saúde ainda tem uma forte dependência da esfera pública, por vezes injustificável e pouco transparente.
Pelo lado da demanda, o setor depende não só do incentivo fiscal representado pela possibilidade de desconto das despesas com saúde no Imposto de Renda, como também da compra de planos por entidades do próprio setor público para seus funcionários -prática comum nas três esferas de governo.
Pelo lado da oferta, grande parte dos estabelecimentos que fornecem serviços de assistência aos planos de saúde são entidades sem fins lucrativos, que também são prestadores do Sistema Único de Saúde (SUS). Isso lhes permite isenção de uma série de tributos, além da contribuição patronal ao INSS.
Essa atuação nos dois sistemas acaba por fornecer um fôlego financeiro para os prestadores, o que ajuda a explicar o tamanho e a taxa de expansão do setor.
Além disso, em muitas ocasiões, detentores de planos de saúde acabam se utilizando dos serviços do SUS. Nesses casos, a legislação determina o retorno dos recursos que o sistema público gasta com atendimentos a segurados de planos privados. Apesar disso, o governo ainda não conseguiu operacionalizar de modo adequado o ressarcimento ao SUS.
Relatório do Tribunal de Contas da União apontou que R$ 3,8 bilhões, referentes ao período entre 2001 e 2008 devidos pelas operadoras, deixaram de ser cobrados pela ANS.
É preciso avançar na eliminação das interfaces perversas entres os sistemas público e privado de saúde. Se o gasto em saúde pública no Brasil não é dos maiores, quando comparado ao de outros países, o dispêndio de recursos do erário no sistema privado de saúde ainda é elevado.

DÓLAR FRACO
EDITORIAL
FOLHA DE S. PAULO
17/8/2009

A VALORIZAÇÃO continuada do real em relação ao dólar enseja manifestações diversas a respeito do patamar inadequado da taxa de câmbio. Desde o início do ano, a moeda nacional já se valorizou quase 20% em relação à divisa norte-americana.
É preciso considerar, contudo, que durante a fase mais aguda da crise econômica mundial, que eclodiu no segundo semestre do ano passado, o real foi uma das moedas que mais haviam se desvalorizado em relação ao dólar. Além disso, o movimento de queda do dólar não é um fenômeno do mercado de câmbio brasileiro, tendo sido verificado em relação às moedas da maior parte dos países.
O fato é que a economia brasileira exibe condições um pouco melhores de retomada do crescimento, o que tem atraído investidores estrangeiros ao país e contribuído para a apreciação do real. Decerto uma nova redução dos juros básicos domésticos, que ainda estão mais elevadas do que na maior parte dos países, valeria como desestímulo para a entrada de capital estrangeiro.
O movimento de queda da Selic, vale lembrar, já esbarra no piso da taxa de juros doméstica, representado pela caderneta de poupança. A entrada de capital estrangeiro para investimento no mercado financeiro brasileiro, no período recente, está predominantemente associada a aplicações em títulos privados, como as ações.
Violentas oscilações do dólar são, sem dúvida, prejudiciais à gestão financeira das empresas, mas no atual cenário o Banco Central adota estratégia adequada para lidar com a questão. O BC ampliou suas aquisições de dólar à vista, o que atenua o efeito de queda da moeda norte-americana e amplia o colchão representado pelas reservas internacionais -política que já se mostrou eficaz para mitigar o impacto de crises financeiras globais no ambiente doméstico.

OS PRINCÍPIOS DA GESTÃO DAS RESERVAS CAMBIAIS
EDITORIAL
VALOR ECONÔMICO
17/8/2009

Depois que os EUA promoveram vigorosos estímulos monetários e fiscais para reanimar a sua economia, há sérias dúvidas sobre o futuro do dólar como moeda internacional de reserva. Mas, por enquanto, não sobram alternativas para os banqueiros centrais além de acumular ativos denominados em dólares.
O diretor de Política Monetária do Banco Central, Mario Torós, disse na quarta-feira que o Brasil não deixará de investir em títulos do Tesouro americano. O dólar não é a única moeda cujo valor foi colocado em questão por desequilíbrios macroeconômicos. Reino Unido, Japão e países zona do euro vivem situação bastante semelhante à dos Estados Unidos.
A economia americana já vinha apresentando fragilidades mesmo antes da crise atual, com um déficit em conta corrente crescente. Isso não impediu que o dólar seguisse como a grande moeda internacional. Sua participação nas reservas dos BCs caiu ligeiramente entre 2002 e 2008, de 72% para 65%, mas devido à mudança na paridade do dólar em relação a outras moedas fortes do mundo. O essencial é que os BCs continuaram a comprar dólares.
Não tem sido diferente na crise atual. A China, que propôs nos fóruns mundiais a substituição do dólar por moeda nos moldes dos Direitos Especiais de Saque (DES) do Fundo Monetário internacional (FMI), continua a encarteirar títulos do Tesouro americano. O Brasil aparece como uma exceção, por ter reduzido em US$ 24,3 bilhões as aplicações das reservas internacionais em papéis da divida pública americana, nos 12 meses encerrados em maio.
Essa mudança, porém, não passou de um movimento corriqueiro de gestão de carteira e isso ficou claro no relatório divulgado pelo BC, que, pela primeira vez, detalha onde estão sendo aplicadas as reservas cambiais brasileiras. Em anos anteriores, o BC havia comprado títulos do Tesouro dos Estados Unidos de longo prazo. Na crise do ano passado, esses papéis sofreram forte valorização porque passaram a ser demandados por quem procurava maior segurança. A autoridade monetária brasileira, assim, decidiu realizar lucro e reinvestir parcela das reservas em papéis de agências e de organismos supranacionais, como o BIS (banco central dos bancos centrais) e o KfW (banco alemão de reconstrução). Esses ativos, apesar de terem risco muito baixo, ofereciam retornos mais atrativos em fins de 2008 porque outros investidores, em busca de liquidez, decidiram vendê-los.
O episódio mostra que o BC está atento às oportunidades de mercado para preservar o valor das reservas, numa ambiente mundial mais incerto, e para aproveitar eventuais oportunidades de ampliar a sua rentabilidade.
Chama a atenção o fato de o BC, em meio à crise, ter obtido uma rentabilidade de 9,3% nas reservas internacionais em 2008, pouco abaixo dos 9,4% observados um ano antes. O retorno foi, em média, superior aos 6,2% obtido entre 2002 e 2008.
Uma rentabilidade mais elevada poderia causar preocupação se para obtê-la houvesse um apetite mais impetuoso por riscos. Com reservas de US$ 213,591 bilhões, superiores à divida externa total, que estava em US$ 195,309 bilhões em junho, é possível correr um pouco mais de risco nos investimentos. Mas há limites para essa estratégia, já que uma das vantagens de ter mais reservas é a melhora da percepção de risco do país perante os mercados.
O relatório das reservas feito pelo BC mostra que o banco passou a correr um pouco mais de risco na aplicação das reservas internacionais, mas de forma moderada. Uma das medidas do risco é o chamado VaR (valor em risco, na sigla em inglês), um modelo muito popular no mercado financeiro que mostra quanto do seu patrimônio poderá ser consumido caso haja oscilações nos preços dos ativos. Em 2004, o VaR estava em 3,5%, numa métrica que, quanto maior o percentual, mais risco. Em 2006, o indicador havia caído para 1% e, mais recentemente, voltou a subir para perto de 3,5%.
Obviamente, existem possibilidades de perdas que mesmo modelos sofisticados como o VaR não estão aptos a prever. É o caso, por exemplo, da sobrevivência, no longo prazo, do dólar como moeda de reserva. Para evitar prejuízos decorrentes de situações imprevisíveis, é fundamental uma vigilância atenta da autoridade monetária.
São princípios solenes da política de gestão das reservas cambiais a liquidez e a segurança.

AGENDA DE MÉDIO E LONGO PRAZOS
EDITORIAL
A GAZETA (ES)
17/8/2009

A economia brasileira voltou a crescer. O IBGE ainda não divulgou o PIB relativo ao terceiro trimestre; entretanto, na maioria das atividades de produção de bens e de serviços, a sensação da retomada chegou antes dos números oficiais. A crise não foi uma marolinha, mas parece estar se confirmando a previsão de que o Brasil será um dos primeiros países a reverter o clima recessivo.

A crise começou a ser minada no Brasil a partir de outubro, quando o Banco Central deflagrou uma bateria de medidas para ampliar o volume de dinheiro em circulação. Foi oxigênio vital aplicado na hora certa para evitar o encadeamento que se desenhava: quebra de instituições financeiras, colapso em setores produtivos e pânico generalizado.

Quase duas dezenas de regras do recolhimento compulsório dos bancos à autoridade monetária foram modificadas para injetar recursos na economia. Além disso, no final do ano passado, momento crítico da captação de financiamento no exterior, o Banco Central lançou mão de parte das reservas do país, disponibilizando linhas de crédito para empresas exportadoras.

Mas, nem tudo foi perfeito, como se sabe. Grande parte dos mais de R$ 70 bilhões liberados do compulsório dos bancos acabou sendo aplicada em títulos do governo, quando deveria estar fomentando a produção.

Ainda assim, foi conjurado o perigo de paralisação de atividades por falta de liquidez. Então, a partir daí, o governo deu ênfase à desoneração tributária, apoiando setores que multiplicam oportunidades de negócio, como a construção civil, o automotivo e o de eletrodomésticos. A resposta de vendas desejada está sendo obtida.

Também é inegável a repercussão positiva da nova missão dada aos estabelecimentos de crédito oficiais - Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco do Nordeste e BNDES - de reduzir o nível dos juros no varejo financeiro. O próprio governo cansou de esperar que os cortes na Selic chegassem ao tomador final de recursos.

Agora, o país tem necessidade de se preparar para a próxima etapa de sua vida econômica, o pós-crise. Problemas de base afetam a competitividade das empresas - dentre elas, a legislação trabalhista arcaica, o sistema tributário muito oneroso, e a infraestrutura de transportes (portos, aeroportos, rodovias e ferrovias) em condições precárias.

As desonerações de impostos em vigor abrangem poucas atividades e são temporárias. Terminam em outubro. Já deveriam estar pelo menos em estudo soluções mais abrangentes e duradouras.

E nem se cogitam mudanças nas leis que regulam as relações de trabalho. Não parece ser da vontade política do governo petista e, menos ainda, em período pré-eleitoral.

Já a infraestrutura de transportes deve ser beneficiada com melhoria em aeroportos de cidades que sediarão jogos da Copa do Mundo em 2014. É pena que essa perspectiva não alcance regiões com participação importante na balança comercial brasileira. É o caso do Espírito Santo, cuja capital sofre restrições ao transporte aéreo.

Quanto às deficiências em portos, rodovias e ferrovias, as iniciativas previstas ou em implementação não exibem a agilidade desejada. Assim, o país caminha para chegar no pós-crise, que não parece tão distante, às voltas com problemas existentes no período pré-crise, e que obviamente se agravaram. É uma situação preocupante. Tratam-se de questões fundamentais para crescimento sustentado. Que se mobilizem a classe empresarial e os representantes políticos dos Estados.

IR PODE SER SEM JUROS
EDITORIAL
ESTADO DE MINAS
17/8/2009

Projeto amplia parcelamento e acaba com a cobrança de acréscimos

Acostumado a receber más notícias, o esfolado contribuinte brasileiro só raramente é lembrado por aqueles que foram eleitos para representá-lo no Congresso Nacional. É, portanto, uma agradável surpresa o projeto de lei que o Senado Federal aprovou na semana passada e que, agora, passa a tramitar na Câmara dos Deputados. O texto propõe um alívio mais do que bem-vindo ao bolso das pessoas físicas que forem mordidas pelo leão do Imposto de Renda (IR) e que, para não prejudicar demais o orçamento da família, são obrigadas a apelar para o pagamento parcelado, sujeito a juros e correção monetária. Atualmente, o próprio programa de preenchimento e envio eletrônico das declarações anuais de ajuste já oferece a opção de parcelamento do IR a pagar em até oito parcelas mensais, podendo até mesmo ser autorizado o débito em conta bancária do contribuinte. Cada parcela é corrigida pela variação da taxa Selic no mês da prestação, acrescida de 1%.

O projeto começa por aumentar de oito para nove o número de parcelas mensais e simplesmente acaba com os acréscimos, tanto o da Selic quanto o dos juros. Os argumentos do autor do projeto, senador Raimundo Colombo (DEM-SC), são de uma obviedade tal que só a boca larga e voraz do leão pode deixar de reconhecê-los. Ele admite que até poderia haver alguma justificativa para a cobrança dos acréscimos no tempo da inflação elevada. Mas, atualmente, com o aumento dos preços perfeitamente controlado e o Banco Central cumprindo as metas anuais de inflação, podendo este ano até ficar abaixo delas, isso deixou de fazer sentido e estaria pondo o governo na condenável posição de agiota. Há ainda os que defendem que a cobrança dos acréscimos sobre as parcelas serve de compensação para a correção que o governo faz das devoluções de quem pagou a mais, o que soa ridículo. Primeiro porque a devolução se deve ao fato de o leão ter cobrado a mais e ficado um tempo, indevidamente, com o dinheiro do contribuinte, evitando ir ao mercado nesse período. Portando, é o governo quem deve a esse contribuinte, por decisão unilateral de cobrar a mais e demorar a devolver o dinheiro. Não há como transferir esse encargo diretamente para outra pessoa.

Já era mesmo tempo de se fazer alguma coisa em favor do contribuinte pessoa física do IR. Um rápido exame da história recente desse tributo no Brasil mostra que, nos últimos 20 anos, o contribuinte tem sido penalizado com medidas que só favorecem a parte do leão. Primeiro, foi a limitação dos gastos com educação, que, atualmente, mal cobrem duas das 12 mensalidades da escola. Depois, foi a contínua redução do valor do abate por dependentes, sem contar os anos em que o governo não reajustou a tabela do IR, ou o fez muito abaixo da inflação. E só recentemente o governo aceitou criar faixas e alíquotas intermediárias às duas únicas que vigoraram durante anos, criando uma série de distorções, nenhuma a favor do contribuinte. O projeto em questão não altera alíquotas ou regras de cálculo do imposto nem isenta alguém de pagá-lo. É apenas um alívio de caráter financeiro, sem conotação tributária. Portanto, não vai custar nada aos deputados dar a ele atenção e prioridade para aprová-lo a tempo de entrar em vigor já no ano que vem.

O PROBLEMA NÃO É O CÂMBIO
EDITORIAL
CORREIO BRAZILIENSE
17/8/2009

Não é por acaso que a economia brasileira é das primeiras do mundo a já dar sinais de superação da crise. Sólidos pilares construídos nas duas últimas décadas permitiram ao país enfrentar o turbilhão internacional em boas condições de combate. A política de metas de inflação, a Lei de Responsabilidade Fiscal, o regime cambial livre, a composição de reservas substanciais e a definição de marcos regulatórios são avanços inquestionáveis. Com esse conjunto, passou-se uma borracha na era dos milagres e experimentações. Resultado: o encontro da nação com regras estáveis, ganho essencial rumo a ambiente de negócios saudável, claro sinal de amadurecimento.

Daí a um patamar civilizado ainda vai longa distância. Os tais marcos regulatórios são incipientes. A carga tributária segue injusta e pesada. Os juros estão entre os mais altos do planeta. A inflação, embora sob controle, não deu trégua. A burocracia provoca despesas desnecessárias, assim como as más condições das estradas, portos, aeroportos; enfim, infraestrutura e logística, de modo geral, são deficientes. As folhas de pagamento das empresas são demasiadamente onerosas. A mão de obra qualificada rareia, na falta de políticas educacional, de ciência e tecnologia satisfatórias. A Justiça carece de mais celeridade. E por aí vai o somatório de problemas nacionais que tornam o custo Brasil um entrave no comércio externo.

Fora tudo isso, a crise provocou grave retração no mercado internacional. Não dá, pois, para pôr no câmbio flutuante a culpa das dificuldades encontradas por setores exportadores empenhados em mudar as regras. Mexer na lei da oferta e da procura é voltar aos tempos do artificialismo, das experimentações. Dez anos atrás, vigorava o regime de câmbio fixo. Uma das mais graves crises daquele período, a russa, fez despencar as reservas internacionais e disparar os juros e a inflação. Hoje, sob adversidades bastante mais severas, o país se dá ao luxo de afrouxar a política monetária, com mais de US$ 200 bilhões em caixa e os preços em baixa. Interferir no câmbio seria risco para a estabilidade.

Recomenda-se cautela aos exportadores. A relação custo-benefício do câmbio flutuante tem se mostrado favorável à macroeconomia nacional. É natural que o mecanismo não agrade a todos. Mas, primeiro, está testado e aprovado a ponto de prevalecer nos países desenvolvidos e estáveis. Segundo, é da natureza do capitalismo que os produtos, e a moeda cabe na definição, tenham o valor que a comunidade se disponha a pagar por eles. Terceiro, em vez de restringir o olhar às conjunturas e buscar soluções no passado, a hora recomenda mirar o futuro, o longo prazo. O esforço deve ser por corrigir os erros presentes e avançar rumo à sustentabilidade. Fora as correções das deficiências citadas acima, urge proceder a ampla reforma política para que o Congresso Nacional tenha condições de assumir o papel que lhe cabe nessa empreitada.

FORA DE HORA
EDITORIAL
GAZETA DO POVO (PR)
17/8/2009

Com o exagero e a ousadia de sempre, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) tomou as ruas das cidades, conturbou o trânsito e invadiu prédios públicos durante a semana que passou para outra vez desfraldar sua bandeira oficial de luta pela reforma agrária. Ao mesmo tempo se associava a outros grupos sindicais e movimentos sociais em manifestações pedindo a suspensão das demissões motivadas pela crise econômica mundial.
Em comum, as duas causas têm a extemporaneidade das reivindicações que apresentam. Os registros oficiais mostram, por exemplo, que a economia global e a brasileira retomam o caminho da normalidade e que o emprego voltou a crescer em ritmo aparentemente sustentado. Quanto ao grito pela reforma agrária, a extemporaneidade não se mede em meses, mas em décadas, talvez séculos.
De fato, essa reforma agrária que leva o MST às ruas, a praticar invasões de propriedades, a cometer violências contra o patrimônio público e privado, a atentar contra a vida humana já não se coaduna com a realidade e com as exigências do mundo atual. A reforma agrária que o movimento prega seria mais condizente com o Brasil rural que praticava a agricultura de subsistência até meados do século passado.
O MST protesta contra a lentidão com que os governos que se sucedem – o que inclui os dois mandatos do presidente Lula, cujo partido, aliás, sempre foi forte aliado do movimento e defensor da reforma agrária – se dedicam a cumprir as metas de assentamento. Enquanto não desapropriam áreas, acumula-se o passivo de milhões de pessoas que buscam alcançar um pedaço de terra para sobreviver.
Entretanto, não nos parece ser hoje esta a me¬¬lhor linha de solução para o inegavelmente grave problema que afeta os deserdados da terra. Por maior que seja o esforço governamental, os resultados sempre ficarão aquém das promessas. Com¬¬preende-se, portanto, a frustração de tantos quantos esperavam um desempenho à altura da tradição de luta do Partido dos Trabalhadores.
É preciso, no entanto, levar em conta a enorme distância que separa o ideal pregado pelo MST e as possibilidades reais do país, fato que se constata a partir dos critérios utilizados pelo MST para quantificar a demanda por terras. Segundo tais critérios, são candidatos a pedaços de terra todos os assalariados rurais; os parceiros, meeiros e arrendatários; os boias-frias; e os filhos de proprietários rurais cujas famílias ocupem até 30 hectares (sem condição de dividir o terreno com os filhos).
Cálculos do próprio movimento indicam a existência hoje de 4,5 milhões de famílias nessas condições, o que corresponde a cerca de 12 milhões de pessoas. Para assentá-las, seria necessário desapropriar uma área equivalente a quase três vezes a extensão territorial do Paraná. Atualmente, depois de décadas de desapropriações, os assentamentos já existentes correspondem a apenas uma vez e meia o território paranaense.
Vê-se, portanto, que, a despeito de todos os avanços obtidos, está muito distante a possibilidade de realizar-se integralmente a reforma agrária no país nos moldes pretendidos. Não há recursos suficientes para tanta desapropriação e, muito menos, para viabilizar os assentamentos resultantes – isto é, para provê-los das condições infra-estruturais necessárias para o mínimo desenvolvimento da atividade agropecuária.
O modelo atual de reforma agrária em curso no país, baseado na desapropriação, é inexequível, portanto, para formar estoques de terras destinadas à distribuição. Insistir exclusivamente nele significa agravar o estado de tensão no campo, pois do outro lado estão proprietários que se acham permanentemente ameaçados de invasão e, portanto, dispostos a se defender, inclusive pelas armas. Esse é um risco que não pode persistir.
Atente-se, também, para o fato de que a realidade nacional hoje é bastante diferente daquela que imperava ao tempo que marcou o nascimento do MST e de sua política reformista. Não se pode negar a inexorabilidade do esvaziamento do campo; não se pode desconhecer que a agropecuária hoje praticada passou há muito da subsistência para a dos negócios de abastecimento interno e da exportação; não se pode esquecer que, nos dias atuais, mais do que nunca, o agronegócio é um dos principais sustentáculos do desenvolvimento brasileiro.
Assim, na medida em que fazer a reforma agrária nos moldes preconizados pelo MST representa, ao mesmo tempo, uma séria ameaça à estabilidade do setor e à paz social. Logo, há de se lançar uma visão mais pragmática sobre a questão, desprovida dos condimentos de caráter político-ideológico nos quais o MST ainda insiste. Que se reconheça a função social da terra e recaia sobre quem não a cumpre os dispositivos legais que levam à desapropriação. Mas que se busquem também soluções alternativas para o problema, de tal forma que o drama social do sem-terra seja superado sem que se afronte a lei, a ordem, o direito de propriedade, que não fique restrito apenas à promoção de desapropriações.

EXERCÍCIO DE SENSATEZ
EDITORIAL
ZERO HORA (RS)
17/8/2009

O retorno às aulas na rede pública e particular depois das férias de inverno prolongadas por força da gripe A ocorre em circunstâncias atípicas. Além da tranquilidade necessária para assegurar um ambiente favorável à aprendizagem, será preciso dedicar especial atenção a cuidados relacionados à higiene, tanto em âmbito pessoal quanto no ambiente escolar, assim como em relação à forma como deve se portar qualquer suspeito de infecção pelo vírus H1N1, seja ele aluno, professor ou funcionário. Preocupações dessa natureza já deveriam fazer parte da rotina de qualquer instituição de ensino, mas ganham especial ênfase no momento em que as atenções precisam se concentrar na recuperação do conteúdo didático, desconti-nuado pelo temor em relação à pandemia.

Uma das muitas lições legadas pela gripe A neste momento de volta às aulas foi a reafirmação de que saúde e educação são questões interligadas e deveriam, por isso, merecer muito mais atenção por parte do setor público, a começar pela necessidade de mais verbas. O surgimento da pandemia expôs a fragilidade de uma saúde pública que já se mostra no limite mesmo em circunstâncias normais, quando os enfermos já costumam enfrentar tempo demais para o atendimento de emergência e o acesso a algumas especialidades é quase inviável. O retorno às aulas suscita dúvidas de diferentes ordens, que alunos, pais, professores e funcionários de escola precisarão se encarregar de desfazer. Nesse esforço, será preciso recorrer tanto a novas práticas e formas de pensar quanto a mudanças comportamentais.

A população, portanto, precisa continuar cobrando ações e cuidados por parte do poder público e dos responsáveis pelas instituições particulares de ensino. Isso significa maior atenção a providências mínimas, como acesso a água corrente, a álcool em gel e ao cuidado com a limpeza dos equipamentos de uso coletivo. Mas é importante que a comunidade possa também fazer a sua parte, evitando que crianças e adolescentes com sintomas de gripe possam contaminar companheiros e professores, sendo inflexível na questão sanitária e aproveitando o momento de apreensão para transmitir ensinamentos de saúde e cidadania a quem está em fase de aprendizagem.

Tanto o poder público quanto a população de maneira geral acabaram sendo surpreendidos pela força da gripe A e, de início, pareciam pouco preparados para enfrentá-la. O acelerado aumento no número de infectados e o trágico balanço de mortes, porém, acabou apressando a capacidade de reação tanto dos governantes quanto da sociedade. O retorno às aulas coincide com um momento ainda preocupante da progressão da doença, que ainda deverá pairar como uma ameaça durante algum tempo. Essa particularidade aumenta a responsabilidade de todos os que podem contribuir de alguma forma para lutar contra o avanço da gripe A em diferentes áreas de atividade, incluindo a escolar.

COM A CHANCELA DO AUTORITARISMO
EDITORIAL
ZERO HORA (RS)
17/8/2009

Num processo que se desdobra há anos, a Venezuela de Hugo Chávez prossegue na marcha batida contra a liberdade de expressão. Os fatos mais recentes dessa realidade foram o fechamento de dezenas de emissoras de rádio, o ataque à sede da emissora de televisão Globovisión e a repressão, ocorrida na semana passada de maneira truculenta e ditatorial, de manifestações de um grupo de jornalistas contra um dispositivo do projeto da Lei Orgânica da Educação que pune o exercício do jornalismo livre. Quando se manifestavam contra mais essa ofensa à liberdade, dezenas de jornalistas foram agredidos e 12 deles feridos por militantes chavistas. Quatro dos jornalistas tiveram traumatismo craniano.

Incentivados pela omissão do governo na punição dos agressores e estimulados pela retórica autoritária com que o próprio presidente Chávez agride a imprensa que não lhe é simpática, os militantes chavistas têm campo livre para os desmandos e para impor constrangimentos aos jornalistas e aos veículos em que estes trabalham. A Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), com a autoridade de quem se levantou contra ditaduras e populismos desde meados do século passado, quando liderava a luta pela liberdade de expressão no continente, levantou a voz mais uma vez, agora em defesa dos jornalistas venezuelanos e de seu direito de protestar pela liberdade de informar e de manter abertos seus locais de trabalho. Na nota contra os atos antidemocráticos do governo e das milícias agressivas da Venezuela, a SIP exigiu que os agressores sejam punidos e que se identifiquem os “instigadores dessa violência”, inclusive para evitar que tais atos se repitam.

Liberdade de imprensa e direito ao trabalho são conquistas democráticas que precisam ser defendidas, especialmente num momento em que eles são ameaçados e restringidos, como sob o regime de Chávez. O Colégio Nacional de Jornalistas, entidade desses profissionais venezuelanos, atribui ao governo e à sua linguagem agressiva a responsabilidade pela agonia da liberdade e pela morte da democracia em seu país. A questão não interessa apenas aos jornalistas e aos cidadãos da Venezuela. É um péssimo exemplo para o continente.

OS CONFLITOS CONTINENTAIS
EDITORIAL
JORNAL DO COMMERCIO (PE)
17/8/2009

A decisão colombiana de aumentar a presença norte-americana em seu território pode significar agravamento das condições internas e a deterioração do processo de afirmação da América Latina como bem mais que um quintal dos Estados Unidos - como foi estigmatizada por toda segunda metade do século 20. O diferencial Obama é o único atenuante deste episódio, que seria intolerável pelas demais nações latino-americanas no governo Bush, seja pela forma diferente de tratar os mais fracos e mais pobres, seja pelo reconhecimento da crescente influência hispânica na nação ainda mais poderosa e mais rica do mundo. Enquanto essa expectativa não se confirmar, prevalecerá o barril de pólvora exposto pelo governo colombiano, comprometendo todos os grandes avanços conquistados com o fim de temporadas ditatoriais e a busca de uma identidade continental.
Era mais do que evidente que um acordo militar que permitisse a instalação de bases norte-americanas em território colombiano iria desestabilizar as relações entre os países sul-americanos, principalmente. O que parece mais grave é a superficialidade da avaliação do país vizinho, quando supõe que a presença militar norte-americana será capaz de pôr fim à ação das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, Farc. Uma outra suposição, mais realista, aponta exatamente para o contrário, o fortalecimento das ações de guerrilha não mais apenas através dessa organização, mas, também, do Exército de Libertação Nacional, outro grupo de inspiração marxista e de caráter político-militar que atua na Colômbia desde 1965 - um ano depois de criação das Farc - e que se estima contar com cerca de 20 mil homens, sem o estigma do narcotráfico que pesa hoje sobre a organização que serve de pretexto para o pacto com militares norte-americanos.
A tensão gerada pela Colômbia somente contribui para legitimar o discurso beligerante de Hugo Chaves, da Venezuela, reabre feridas dos ataques do exército colombiano a grupos das Farc em território equatoriano, e aprofunda a aliança anticolombiana desses dois países e da Bolívia. Desta forma, fica fraturada a União de Nações Sul-Americanas, Unasul, que vinha se constituindo em um mecanismo institucional capaz de fazer avançar o que o Mercosul não fez até hoje, instalando os meios de ação continental em bloco. O bloco quebra com a presença norte-americana na Colômbia e, pior, essa iniciativa - legitimada pela soberania nacional que todos defendem - pode agravar as tensões e devolver a aura de uma organização criada em 1964 para defender os agricultores pobres e que terminou sendo considerada terrorista não apenas por seu próprio governo, mas pelos Estados Unidos, Canadá e União Européia.
Esse conflito nos atinge diretamente porque a ação das Farc se desenvolve na Amazônia colombiana, um espaço geopolítico que inclui o nosso País. Basta atentar para as seguidas notícias sobre a presença de membros daquela organização em território brasileiro, o inquérito aberto pela Polícia Federal para investigar as Farc, a ameaça de cocaína na Amazônia, e a associação de notícias alarmantes do narcotráfico e terrorismo, dois dos componentes mais desestabilizadores de nossos tempos, não apenas na América Latina mas em todo mundo. Nesse contexto, cabe ao Brasil o papel de pacificador, o que felizmente está acontecendo, com uma postura equilibrada do nosso governo, para contrabalançar os desníveis. Entretanto, assim como se espera dos governantes atitudes maduras e equilibradas, também se constata, no caminho, a ação de entidades da sociedade civil organizada que criaram e estimulam um sistema de alerta e resposta rápida para prevenir conflitos sociais na América Latina e Caribe. Esse é um dos mais expressivos indicadores de amadurecimento, quando a sociedade ocupa uma parte do diálogo que parecia monopólio do Estado, nem sempre representado por pessoas sensatas.

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