Saturday, December 05, 2009

Contra a parede


O STF processará o senador Eduardo Azeredo, do PSDB,
pelo "mensalão mineiro". A defesa do tucano é bem petista:
ele diz que nunca soube de nada

Celso Junior /AE

"O RECIBO É FALSO"
Azeredo (acima) afirma que o documento citado pelo ministro Barbosa, do STF,
foi forjado. Quando é que vão parar de fabricar papelórios fajutos no Brasil?



Apartir de agora, o senador Eduardo Azeredo, do PSDB de Minas Gerais, é réu. O Supremo Tribunal Federal (STF) abriu processo para apurar o envolvimento dele no escândalo conhecido como "mensalão mineiro". Azeredo será julgado pelos crimes de peculato (desvio de recursos cometido por um agente público) e lavagem de dinheiro. O caso que ameaça a carreira do senador se deu em 1998, quando ele governava Minas Gerais e se candidatou à reeleição. A campanha de Azeredo precisava de dinheiro. E ele foi obtido, em boa parte, graças a um esquema que desviava verbas de empresas estatais, "esquentava" os recursos simulando empréstimos bancários e, por fim, os injetava no caixa dois da campanha. O operador do trambique era um até então obscuro lobista chamado Marcos Valério – que se agigantaria seis anos depois, ao colocar-se a serviço do mensalão petista.

No caso mineiro, a investigação da Polícia Federal indica que 3,5 milhões de reais foram desviados de empresas estatais para a campanha de Azeredo. É, em menor escala, o que o PT fez no primeiro mandato do governo Lula. A diferença é que, pelo que se sabe até agora, em Minas todo o dinheiro desviado foi usado na campanha eleitoral. No mensalão federal, o butim serviu, também, para subornar deputados em troca de apoio político – e para engordar o nó da gravata da companheirada, claro. Essa distinção não diminui a gravidade do que ocorreu em Minas. Desvio de dinheiro público é crime – e precisa ser punido independentemente de credo político. Tucano ou petista, verde ou comunista, pouco importa.

Em sua defesa, Azeredo alegará que não sabia dos supostos crimes cometidos em sua campanha. De fato, não há na denúncia do Ministério Público nenhum documento que comprove de forma cabal sua ligação com o caixa dois. Ele foi denunciado porque era governador e candidato, ou seja: comandava as estatais que deram dinheiro à sua própria campanha. A alegação, no entanto, é frágil. É difícil acreditar que o maior beneficiário do esquema não soubesse o que acontecia debaixo de suas barbas. Para fortalecer a tese de que o tucano deveria ser processado, o ministro Joaquim Barbosa, relator do caso no STF, se apoiou em um recibo de 4,5 milhões de reais entregue à polícia por um informante. Ele mostraria que Azeredo recebeu essa bolada de Valério. O senador garante que o papel é falso. Uma perícia, também. Nem a polícia atesta a autenticidade do documento. É temeroso que um documento suspeito vá parar no STF e seja usado para formar juízo. O correto seria que o tribunal entregasse o recibo ao Ministério Público, para que fosse iniciada uma investigação que visasse a descobrir quem o produziu. O Brasil precisa se livrar da indústria de documentos e dossiês forjados. Em Minas Gerais, por exemplo, existe um lobista chamado Nilton Monteiro, a quem se atribui a produção de papéis apócrifos usados como munição em campanhas eleitorais. A tal "Lista de Furnas" está entre eles. Espera-se que, na próxima disputa, personagens desse tipo não continuem a agir nas sombras.

…impunidade

…impunidade

Eis a principal razão da praga da corrupção que assola o
país. Ela só deixará de nos assombrar a cada novo vídeo
quando definirmos que tipo de nação queremos construir


Otávio Cabral e Gustavo Ribeiro

Fotos J.F.Diorio/AE e divulgação
FLAGRANTES
Maurício Marinho, do mensalão (à esq.), o deputado dos dólares na cueca e o dinheiro misterioso dos petistas aloprados: crimes comprovados, mas sem punição



O governador José Roberto Arruda já tinha tentado outras vezes, mas só agora conseguiu obter as credenciais definitivas para se juntar a um seleto clube de personalidades do mundo político. Revelada uma parte de sua devastadora cinebiografia, antes restrita a uma singela violação do painel eletrônico do Congresso, o governador voltou a traçar planos para o futuro. Em conversas com amigos, disse que não há a mínima possibilidade de renunciar ao mandato. Acredita que, até o fim de 2010, outros escândalos de corrupção vão surgir e o dele será esquecido. Se não for expulso do DEM, como deseja, ainda se candidata a uma vaga de deputado federal, garantindo com isso a imunidade, o foro privilegiado e o santo graal de políticos como ele: a impunidade. Impunidade significa falta de castigo. A punição de culpados por crimes é uma das pedras angulares da civilização. Mas não no Brasil, e muito menos para políticos que se associam a malas de dinheiro e corrupção, como Arruda.

Leon Neal /AFP
PONTO DE INFLEXÃO
Lula inaugurou a era da moral restrita ao passar a mão na cabeça de corruptos


A punição existe para impor limites, refrear instintos naturais e permitir que os indivíduos possam se proteger uns dos outros. A impunidade é o avesso de tudo isso. Impunitas peccandi illecebra (a impunidade estimula a delinquência), lembra o ditado em latim. Ou, quando não chega a tanto, ao menos produz a impressão de que vivemos em um mundo sem limites. Na semana passada, VEJA ouviu cientistas políticos, filósofos, advogados e historiadores sobre as raízes da corrupção. Eles são unânimes em apontar a impunidade como a principal causa da corrupção. "Enquanto não colocarem um corrupto graúdo na cadeia, nada vai mudar", diz o filósofo Denis Rosenfield, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Parece mesmo estar longe o dia em que um corrupto estrelado pagará por seus crimes. O máximo que se vê são admoestações. O STF, a corte encarregada de punir os incomuns, nunca condenou nenhum. Os envolvidos nos principais escândalos recentes estão livres, leves e soltos - revelando um terrível costume que não vem de hoje.

No Império, havia até pena de morte para crimes graves - sempre aplicada às camadas mais baixas da sociedade. Já naquela época, os políticos se beneficiavam da impunidade. José Carlos Rodrigues foi um dos primeiros corruptos notórios do Brasil. Em 1866, ele era chefe de gabinete do ministro da Fazenda, Conselheiro Carrão, quando foi flagrado tentando sacar dinheiro da tesouraria do ministério com uma assinatura falsificada do seu superior. Condenado a vinte anos de prisão, fugiu do Brasil para os Estados Unidos. Com a proclamação da República, acabou nomeado para um cargo na Embaixada do Brasil em Londres, mesmo sendo considerado fugitivo pela Justiça brasileira. Outro caso notório: o sobrinho do presidente Deodoro da Fonseca foi flagrado falsificando atos do governo para favorecer banqueiros amigos. Também deixou o Brasil para escapar da punição.

A corrupção e a impunidade na República Velha serviram de matéria-prima para a obra literária de Machado de Assis e Lima Barreto e consagraram imagens e personagens nos tempos mais recentes. Adhemar de Barros, político paulista a quem foi atribuída a frase "rouba mas faz", chegou a ser condenado em primeira instância pela Justiça. Não pelos escandalosos casos de desvio de recursos públicos, mas pelo sumiço de uma obra de arte, a "urna marajoara". Para escapar da prisão, fugiu para o Paraguai e a Bolívia. Na volta, elegeu-se prefeito de São Paulo, foi o candidato mais votado no estado em duas eleições presidenciais e ainda foi eleito governador. Com a ditadura militar, a corrupção foi escondida e os corruptos ligados ao regime agiam impunemente. Com a redemocratização, houve um alento com a cassação de um presidente por corrupção. Mas a punição foi um ponto fora da curva. A regra nos governos seguintes continuou sendo a impunidade.

A corrupção tem se revelado uma calamidade que consome o resultado do trabalho de milhões de brasileiros, envergonha o país e mancha a imagem do Brasil no exterior. É um problema que, como se viu nos últimos anos, independe de ideologia ou de partidos políticos. O PT, desde que chegou ao poder com Lula, viveu uma série de escândalos, sendo os mais notáveis o do mensalão e o dos aloprados. Seu parceiro preferencial, o PMDB, tem em seus quadros alguns dos políticos mais notórios do Brasil, como Jader Barbalho, Renan Calheiros e José Sarney. E o PSDB viu na semana passada o Supremo Tribunal Federal acolher a denúncia contra o senador Eduardo Azeredo, operador de um esquema similar ao mensalão quando governava Minas Gerais. São todos casos comprovados, fartamente documentados, mas todos ainda sem punição.

Segundo o último levantamento da Transparência Internacional, divulgado em novembro, o Brasil ocupa a 75ª posição no ranking das nações mais corruptas do planeta. O país teve uma nota de 3,7 em uma escala que vai de zero (países mais corruptos) a 10 (países considerados pouco corruptos). Foram analisadas 180 nações. Em relação ao ano anterior, o Brasil melhorou cinco posições. A Transparência faz pesquisas com especialistas de cada país, que avaliam a presença da corrupção nas instituições públicas locais. Com base nessas avaliações, são dadas as notas a cada nação e monta-se um ranking. Segundo a ONG, os problemas do Brasil e da América Latina são instituições fracas, burocracia extrema, excesso de influência privada sobre o setor público e restrições à liberdade de imprensa. O Haiti foi considerado o país mais corrupto da América e a Somália, do mundo. A Nova Zelândia ficou no topo do ranking dos países menos corruptos. Na América do Sul, apenas duas nações aparecem à frente do Brasil no ranking da corrupção: Uruguai e Chile.

Os especialistas ouvidos por VEJA são unânimes em afirmar que a impunidade está na raiz do problema. A ausência de punição funciona como um atrativo à ilegalidade, passando uma ideia de que o crime no Brasil compensa, principalmente entre os criminosos de colarinho-branco. Mas não é só a impunidade que colabora para a perpetuação da corrupção no país. Há pelo menos outros nove pontos levantados pelos estudiosos do assunto que precisam ser atacados para que a corrupção deixe de ser uma endemia. E eles não se restringem ao Poder Judiciá-rio, ao qual cabe, em última instância, a punição dos corruptos. O sistema político também tem sua parcela de responsabilidade. Uma de suas piores mazelas é a distribuição política de cargos. Há no Brasil cerca de 25 000 cargos de livre nomeação pelo presidente da República. Nos Estados Unidos, não chegam a 5 000. Na Inglaterra, mal passam de 100. No Brasil, o chefe do Executivo loteia o governo entre os partidos para garantir o apoio necessário para aprovar seus projetos no Legislativo. Os políticos considerados honestos por eles próprios usam os cargos para arrecadar dinheiro e financiar campanhas. Os desonestos fazem o mesmo para enriquecer. Quase sempre as duas coisas andam juntas, como revelou o ex-diretor dos Correios Maurício Marinho, flagrado levando a peteca de 3 000 reais que expôs o mensalão. "Uma medida urgente e simples para combater a corrupção é reduzir o número de cargos de nomeação política, que está na origem de todo escândalo", afirma Cláudio Weber Abramo, diretor executivo da Transparência Brasil. "O roubo existe por causa do ladrão. O álibi do financiamento de campanha usado pelo corrupto precisa ser espancado. O corrupto rouba para viajar para o exterior, para comprar iate, para comprar bolsa Louis Vuitton. Não rouba só para financiar campanha", afirma o deputado federal Miro Teixeira (PDT-RJ).

Ueslei Marcelino/Folha Imagem
"O problema do Brasil é a impunidade. Enquanto não colocarem os corruptos graúdos na cadeia, nada vai mudar."
Denis Lerrer Rosenfield, Filósofo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul


Roberto Jayme/Valor
"Não existe uma tradição de condenar corruptos. Nas principais democracias, porém, as causas da corrupção são combatidas. No Brasil, nem isso."
Claudio Weber Abramo, Diretor executivo da Transparência Brasil


Roberto Setton
"Os corruptos sempre se deram bem. No mundo político, bobo é quem é honesto. Os ladrões são os espertos."
Marco Antonio Villa, Historiador da Universidade Federal de São Carlos


Oscar Cabral
"O político corrupto rouba para comprar iate, para comprar bolsa Louis Vuitton, não para financiar campanha."
Miro Teixeira, deputado federal (PDT-RJ)

IMPUNIDADE GARANTIDA

Não são raros os casos em que políticos são surpreendidos com dinheiro de origem duvidosa. Raros são os casos em que alguém vai para a cadeia.

FORTUNA NO ARMÁRIO
Em 2002, a pré-candidata à Presidência da República Roseana Sarney abriu mão de disputar a eleição depois que a polícia descobriu 1,3 milhão de reais no cofre da empresa Lunus. O casal apresentou várias versões para a origem do dinheiro.
O que aconteceu: Ninguém está preso.

PROPINA NOS CORREIOS
Em 2005, o então chefe do Departamento de Administração dos Correios, Maurício Marinho, foi pilhado negociando o pagamento de propina com empresários para o PTB. O caso deu origem ao escândalo do mensalão.
O que aconteceu: ninguém está preso.

DINHEIRO NA CUECA
Assessor do irmão do deputado José Genoíno, José Adalberto da Silva foi flagrado com 100 000 dólares escondidos na cueca e 200 000 reais em uma valise. O episódio ocorreu durante a crise do mensalão nacional.
O que aconteceu: ninguém está preso.

DÍZIMO MILIONÁRIO
Então presidente da Igreja Universal do Reino de Deus, o ex-deputado federal João Batista Ramos da Silva foi pego com 10 milhões de reais distribuídos em um jatinho particular.
O que aconteceu: ninguém está preso.

OS ALOPRADOS DE LULA
Em 2006, durante a campanha presidencial, a polícia flagrou petistas com 1,7 milhão de reais supostamente para comprar um dossiê contra adversários. O presidente Lula chamou os envolvidos de "aloprados", mas ninguém explicou de quem era ou de onde vinha o dinheiro.
O que aconteceu: ninguém está preso.

As raízes da corrupção

VEJA ouviu cientistas políticos, filósofos, advogados e historiadores sobre o tema. Levantamentos de entidades internacionais colocam o Brasil no patamar dos países com altos índices de corrupção. A impunidade é a causa número 1 do problema, mas existem outros pontos importantes:

2. Morosidade da Justiça
Investigados com nível superior, poder e dinheiro, como os políticos corruptos, conseguem contratar bons advogados que usam as brechas da lei para retardar os inquéritos. A possibilidade de chicanas é tamanha que muitas vezes o crime prescreve antes de chegar à condenação

3. Distribuição política de cargos
Em regra, o chefe do Executivo loteia o governo entre os partidos para garantir maioria no Legislativo. Esses partidos usam os cargos públicos para financiar suas campanhas, aumentar seu poder político e, principalmente, para enriquecer. Daí para os escândalos é um pulo. Basta uma gravação

4. Conivência da sociedade
Políticos envolvidos em escândalos continuam em atividade. Lula, apesar dos escândalos, tem uma popularidade recorde. A explicação é simples: em um país com tantas carências, o eleitorado até se preocupa com a ética, mas tem uma série de preocupações mais urgentes na hora de definir seu voto

5. Excesso de burocracia
Os processos de compra e contratação do estado são lentos, cheios de instâncias intermediárias e com uso limitado de meios eletrônicos. Assim, funcionários públicos e políticos têm um campo farto para criar dificuldades e vender facilidades. Situação ideal para a ação de quadrilhas ligadas a políticos

6. Caixa dois nas campanhas
Os escândalos recentes de corrupção tiveram parte do butim destinado ao financiamento irregular de campanhas, que são caras e mal fiscalizadas. Nos últimos anos, os políticos passaram a usar o caixa dois como justificativa para qualquer flagrante de corrupção, em uma tentativa de reduzir a punição

7. Ausência de políticas anticorrupção
Os políticos priorizam o combate à corrupção nos discursos de campanha, mas deixam o tema de lado quando chegam ao poder. Ou pior: passam a atacar os responsáveis pela fiscalização. Caso de Lula, que abriu uma guerra contra o Tribunal de Contas da União e já ameaçou amordaçar o Ministério Público

8. Falta de informação
O eleitor médio brasileiro tem pouco acesso à informação de qualidade, não se interessa por política e decide seu candidato, principalmente ao Legislativo, apenas às vésperas da eleição, priorizando aqueles que lhe prestam algum favor. As campanhas na TV são fracas e pouco informativas

9. Tolerância política
Os partidos permitem - e até incentivam - que políticos enrolados tenham legenda para disputar eleições. Isso porque na maioria das vezes esses políticos ajudam a financiar os partidos. O Congresso e o Judiciário tampouco tomam medidas para proibir a candidatura dos políticos de ficha suja

10. Falta de renovação
Os partidos são comandados pelos mesmos grupos há mais de uma década, cuidando dos cargos como se fossem patrimônio pessoal e dificultando o surgimento de novas lideranças. O excesso de escândalo provoca o descrédito da atividade política, afugentando pessoas de bem da vida pública

Quadro: O novo gigantes dos eletrodomésticos


Quadro: Homens de casa


Foto Photodisc

Quadro: Salto em altura


Ilustração Junião

Thursday, December 03, 2009

União que divide - Mírian Leitão

O Globo - 03/12/2009


Parece uma briga apenas do Rio, mas é do Brasil.

O que está em questão nessa nova rodada de disputa em torno dos recursos do pré-sal é respeito aos contratos e justiça federativa. Estão querendo desfazer jogo já jogado, licitação feita. A ministra Dilma Rousseff se reuniu com dois governadores para decidir a divisão de um bolo tributário coletivo. A reunião em si é um acinte.

A ministra Dilma reuniu na tarde da segunda-feira, em sua sala, os governadores do Ceará, Cid Gomes, e de Pernambuco, Eduardo Campos, e os ministros Edson Lobão, da Energia, e Alexandre Padilha, das Relações Institucionais. Eles discutiram como dividir a arrecadação tributária do petróleo a ser extraído em mares do Rio, Espírito Santo e São Paulo. Concluíram, do alto do poder que não lhes foi conferido, que o melhor a fazer é retirar mais dos municípios produtores para engordar o caixa de municípios não produtores. E fazem isso porque os estados e municípios produtores são poucos; os outros são muitos e têm mais votos.

É preciso entender o autoritarismo e o desrespeito de uma reunião como essa.

Por que o governador de Pernambuco? Porque foi dele a ideia de incluir áreas já licitadas nas novas regras de partilha. Por que isso se discute sem a presença dos maiores interessados? Só um profundo desrespeito às unidades federativas explica uma situação estranha como essa, em que os produtores estão fora da mesa da ministra Dilma. Quem deu a essas cinco pessoas o direito de decidir uma questão que atravessa a Federação? O governador do Rio, Sérgio Cabral, que na semana passada estava gritando "querem roubar o Rio", está em silêncio. O presidente Lula mandou, e ele obedeceu.

Se o governador não souber que a sua primeira lealdade é com o estado que governa, o Rio vai ser mesmo prejudicado.

Mais relevante do que quantos reais dos impostos irão para o caixa de cada estado é entender o que está em jogo em toda essa discussão. O governo propôs um novo marco regulatório para o petróleo do pré-sal. O modelo é ruim, mas regulará o futuro ainda não explorado. O problema é que agora se quer mudar o passado, alterar as regras do que já foi licitado.

O Brasil tem uma distribuição desigual dos recursos fiscais com uma centralização excessiva. Nos últimos governos, a União criou várias contribuições exatamente para não ter que dividir a receita com os estados.

Isso agravou a centralização.

Pelo novo modelo de exploração de petróleo, a União arrecadará mais, e os estados perdem um dos impostos, a participação especial.

O petróleo, como todos sabem, é o único produto que é tributado no estado de destino e não na origem. Os estados produtores não podem cobrar ICMS. Eles já estavam sendo lesados pela falta do imposto sobre valor agregado e então foi criada a participação especial. Royalties evidentemente os estados têm o direito de cobrar.

Os não produtores reclamam que as riquezas pertencem a todos. De fato, e é por isso que uma grande parte dos impostos sempre ficou nas mãos da União, que pode, ou deve, repassar uma parte aos estados na razão inversamente proporcional à riqueza de cada um.

Caso se conclua que é preciso redividir a receita, que se faça de modo a respeitar a democracia federativa.

É uma anomalia juntar dois governadores e três ministros, numa sala fechada, para discutir o que fazer com recursos provenientes de riquezas que pertencem a todos. Por isso, a reunião em si é um absurdo. A negociação deveria juntar todas as partes, ser transparente e justa. O governo federal, desde o início desse conflito do pré-sal, tem mantido uma posição ambígua em público e, nos bastidores, incentiva um conflito federativo jogando estados não produtores contra estados produtores.

Não é aceitável mudar o passado, quebrar contrato para retirar receita de quem tem direito a ela. No Espírito Santo, um terço do pré-sal já foi licitado. Isso criou uma expectativa de receita no estado que é mais do que justa que ele recolha.

O petróleo tem má fama.

Onde ele aparece, surgem conflitos. No Brasil até hoje já houve desentendimentos, mas não uma situação dessas: estados não produtores ameaçam impor sua maioria aos estados que têm essas reservas em suas costas. O papel do governo federal é encontrar fórmulas de compor os interesses de todos. Mas da sua base é que saem as ideias que fomentam a briga federativa.

Esse definitivamente não é o papel da União.

O modelo de regulação do pré-sal, que o governo propôs e que está sendo aprovado no Congresso, dá poderes e vantagens indevidas à Petrobras, beneficiando seus acionistas em detrimento dos contribuintes em geral, cria uma estatal com poderes regulatórios, esvazia a ANP e troca a transparência do leilão pelo sistema opaco de partilha. É ruim, piora o que está funcionando, elimina um dos impostos recolhidos pelos estados produtores. Mas o que está em debate agora é ainda pior pelo que significa e pela maneira como está sendo feito. O governador Sérgio Cabral gritou para ver se conseguia um bom acordo.

Nenhum acordo é bom se é feito sobre os destroços dos contratos, e do respeito federativo.

Responsável de plantão - Dora Kramer

O Estado de S. Paulo - 03/12/2009
Quando o primeiro escândalo de corrupção do governo Luiz Inácio da Silva emergiu das imagens de Waldomiro Diniz, então braço direito do então ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, extorquindo o dito empresário Carlos Augusto Ramos, também conhecido como o bicheiro Carlinhos Cachoeira, de imediato todas as vozes se levantaram em defesa de uma reforma política "profunda".

A tese por trás da proposta era a de que a culpa é do sistema político, eleitoral e partidário daninho.

De lá para cá, repete-se a mesma cantilena a cada novo caso escabroso de corrupção, conferindo-se à reforma política o status de solução de plantão para todos os males.

Por esse raciocínio, o "sistema" é que seria o grande corruptor de pessoas inocentes, cujo desejo de governar para fazer o bem só se realiza ao custo da adesão à realidade nefasta fazendo política com as mãos sujas, não obstante o coração permaneça imaculado. Seria o preço a pagar.

Essa lógica sustentou o discurso de quem queria uma justificativa para apoiar a reeleição de Lula, mas não tinha coragem de dizer que estava pouco ligando para a ética. Esta servira como bandeira de oposição, mas atrapalhava a execução do projeto de poder.

Isso no caso do PT. Nos partidos que não haviam feito nenhum trato explícito com a ética na política, nem se apresentam justificativas.

Muito embora também se agarrem com veemência na defesa da reforma política na hora em que a assombração transita por seus terreiros.

Depois da manifestação espontânea ao modo de Pôncio Pilatos - "as imagens não falam por si"-, orientado por sua assessoria sobre a ultrapassagem do limite do aceitável, o presidente Lula passou a considerar "deplorável" o que todo mundo viu sobre as atividades da quadrilha que atuava no governo de Brasília.

E, claro, atribuiu tudo à ausência da reforma política, acrescentando desconhecer as razões pelas quais ela não é aprovada. Levantou, porém uma suspeita: "Provavelmente porque os parlamentares seriam afetados pelas mudanças."

Para um gênio da política, Lula se mostra um tanto ingênuo. E esquecido. O primeiro enterro da reforma, ainda no primeiro mandato, ocorreu porque os partidos de sua base trocaram o arquivamento por votos a favor do projeto - fracassado - da reeleição do então presidente da Câmara, o petista João Paulo Cunha.

O funeral seguinte deu-se agora em 2009 pela conjugação de interesses dos partidos do governo e da oposição que, no lugar da reforma, aprovaram uns remendos que facilitaram sobremaneira o uso do caixa 2 e encurtaram os prazos para punições, na prática impedindo cassações de eleitos, inclusive os deputados de Brasília agora pegos com as mãos imundas na botija.

Isso quer dizer que o defeito primordial não é das regras - de fato defeituosas - é da deformação das pessoas, da permissividade geral e da impunidade de que desfrutam.

Vice versa

Se mesmo antes do escândalo de Brasília a composição da chapa presidencial do PSDB com o DEM na vice já era uma possibilidade para lá de remota, agora virou algo fora de cogitação.

No mês passado mesmo o tucano presidente do partido, senador Sérgio Guerra, dizia pública e textualmente que a dupla do governo Fernando Henrique "já deu o que tinha de dar".

Nem a ala do DEM, liberada pelo presidente, o deputado Rodrigo Maia, que ressuscitou a proposta recentemente a levava muito a sério. Apenas achou que não devia "entregar os pontos" e usar a exigência da vice para se valorizar.

A fatura do DEM para o apoio em 2010 já fora cobrada e paga anteriormente: a eleição de Gilberto Kassab para a Prefeitura de São Paulo.

Sabem de tudo

Em relação a José Roberto Arruda, nem o DEM nem eleitorado de Brasília nem os partidos que faziam parte do governo podem alegar que a cigana os enganou.

O DEM aceitou a filiação, o eleitor votou e o PSDB se juntou a um reincidente. No caso dos tucanos é ainda mais grave, porque Arruda havia sido convidado a sair do partido no episódio da violação do painel do Senado.

Sempre estiveram todos cientes de que grande quantidade de políticos, já eleitos ou candidatos, processados são potenciais criadores de casos e crises.

Não só eles, claro. Os de boa reputação também podem vir a prevaricar, mas seria um grande avanço se a Nação aderisse ao lema de que é melhor prevenir do que remediar.

Começando por pressionar o Congresso a aprovar a emenda constitucional de iniciativa popular que proíbe o registro de candidaturas de gente condenada em pelo menos uma instância judicial.

Aliás, Parlamento que continua ignorando a emenda que está nas mãos dos líderes dos partidos na Câmara não pode se espantar com nada nem tem moral para censurar ninguém.

Notadamente se o presidente da Casa figura em lista secreta de empreiteira.

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