A nova aposentadoria do funcionalismo - CRISTIANO ROMERO
VALOR ECONÔMICO - 17/10
Com a criação da Fundação de Previdência dos Servidores Públicos (Funpresp), para receber benefício equivalente ao do regime anterior, o funcionário público terá que trabalhar por mais tempo e contribuir com alíquota maior que a prevista no sistema de paridade. Por esse sistema, a União contribuirá para a Funpresp, até o limite de 8,5% do vencimento do servidor, com valor idêntico ao da contribuição dos segurados.
Esta é uma das conclusões de um minucioso e inédito estudo feito pelos economistas Marcelo Abi-Ramia Caetano, Felipe Amaral e Fábio Giambiagi, três especialistas em assuntos previdenciários. O trabalho é um subsídio para a definição das normas que vão regular a Funpresp, bem como para orientação dos futuros participantes do fundo.
A criação do fundo é, sem dúvida, a maior contribuição institucional que o governo Dilma Rousseff deu ao país até agora. A partir dela, a aposentadoria integral deixou de existir no Brasil, embora permaneça em vigor para os funcionários contratados antes da instituição da Funpresp. O fundo regulamenta a reforma previdenciária aprovada em 2003 pelo Congresso.
Se contribuição não superar paridade, benefício será menor
Infelizmente, o estatuto e o regulamento do fundo ainda não foram definidos - a lei que cria a Funpresp foi aprovada em abril e o decreto (7.808) da presidente Dilma que o instituiu é de setembro. Para que o fundo comece a funcionar, é necessário ainda fixar algumas regras.
Pelas normas que passaram a vigora a partir de 2003, o funcionário se aposentava com direito a um benefício definido, equivalente à média dos 80% maiores salários de sua carreira, limitado ao último vencimento. Para ter direito ao benefício, o servidor era obrigado a contribuir com 11% do salário bruto. Nesse sistema, a União era obrigada a recolher o dobro da contribuição do funcionário - 22% - e, na hipótese de haver insuficiência de caixa para pagar o benefício prometido, cobri-lo com recursos do Tesouro.
No novo regime, o funcionário terá direito, como o trabalhador do setor privado, à aposentadoria do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), limitada ao teto, que hoje está em R$ 3.916,20. Com a Funpresp, o governo complementará a aposentadoria dos servidores por meio de um sistema de contribuição definida. Isto significa que, em tese, assegurado o pagamento até o teto do INSS, o risco referente ao valor complementar recairá inteiramente sobre o servidor.
É por essa razão que as decisões futuras sobre participação na Funpresp serão cruciais. No regime de contribuição definida, o valor do benefício previdenciário reflete uma série de variáveis. Algumas delas, como o tempo de contribuição, a alíquota incidente sobre a renda e a composição da carteira dos ativos, são discricionárias, portanto, dependem do participante. Outras, como a taxa de retorno do patrimônio, estão fora do seu poder de decisão. Dependerão de como se comportará a economia brasileira nas próximas décadas.
Utilizando modelo econométrico, Caetano, Amaral e Giambiagi traçaram cenários para estimar o benefício futuro de participantes da Funpresp. No cenário básico, o funcionário ingressa no serviço público aos 25 anos, com vencimento inicial de R$ 8 mil, crescimento salarial de 2% ao ano, contribuição de 8,5% para a Funpresp e aposentadoria aos 60 anos. As premissas são de que a taxa real anual de remuneração dos ativos será de 5% ao ano, equivalente a uma carteira composta de 70% de ativos livres de risco, com rentabilidade de 4% ao ano, e 30% de ativos de renda variável, com retorno médio de 7,3% ao ano e desvio-padrão de 25% ao ano.
As premissas não foram tiradas do vácuo. Elas refletem o desempenho da economia brasileira nas últimas décadas, já levando em conta a queda recente da taxa de juros (Selic).
Os números mostram que, nesse cenário, o funcionário receberia aposentadoria líquida mensal (descontado o Imposto de Renda) de R$ 8.233,75. O valor é 11% inferior ao que ele perceberia se estivesse em vigor o regime anterior (R$ 9.254,38). Os autores do estudo advertem que esse resultado deve ser olhado com precaução. A principal razão é que a manutenção da regra anterior, que praticamente assegurava a aposentadoria integral, seria pouco provável nos próximos anos, dado o impacto negativo que ela provoca nas contas públicas.
Caetano, Amaral e Giambiagi traçaram cenários alternativos. Num deles, o salário inicial do participante é R$ 13 mil. Noutro, o servidor decide pagar alíquota de 11%, em vez de 8,5%, sobre a parcela do salário que exceder o teto do INSS. Outra premissa alternativa é o servidor se aposentar aos 65 anos. Numa última alternativa, aplicar-se-iam 50% dos recursos, e não 30%, em ativos de risco (ações).
Considerando essas premissas, o valor da aposentaria pela Funpresp melhora substancialmente, praticamente igualando-se em alguns casos e superando em outros, sempre quando comparado à regra anterior. Para quem entra no regime com salário de R$ 13 mil, o benefício ficaria um pouco abaixo - R$ 13.792,93, face a R$ 14.214,10. Para quem aumentasse a contribuição para 11%, a aposentadoria seria equivalente: de R$ 9.083,25, diante de R$ 9.254,38. Os que se aposentassem mais tarde receberiam benefício mais alto: R$ 10.611,36, face a R$ 9.882,41. O mesmo ocorreria para os que decidissem adotar um portfólio de investimento mais arriscado - R$ 9.515,45, versus R$ 9.254,38.
O estudo chama a atenção para o caso das mulheres, que mesmo na Funpresp terão direito a condições especiais de aposentadoria, uma falha da lei que criou o fundo. Na simulação feita pelos estudiosos, uma funcionária que se aposentar aos 55 anos terá perda de 21% no valor do benefício, se comparado ao que teria direito na regra antiga (R$ 8.737,63).
Na Funpresp, a conta dos casos especiais será paga por todos os participantes. "Pode-se argumentar que a nova previdência é pior para as mulheres comparativamente à situação pretérita. De modo alternativo, mostra que também é verdadeira a constatação da insuficiência da contribuição feminina no regime anterior para fazer jus ao seu benefício. A conta da baixa idade de aposentadoria - antes paga pelos homens, pelas mulheres das gerações futuras ou pelos que não faziam parte do regime próprio da União - recai agora sobre o próprio participante", diz o estudo.