Roberto Pompeu de Toledo
A esta altura o leitor já deve estar familiarizado com "vuvuzela", "bafana bafana" e "jabulani". Não? Em atenção aos retardatários, "vuvuzela" é a corneta de plástico que os sul-africanos tocam nas comemorações em geral e, especialmente, durante os jogos de futebol. A expressão brasileira "durma-se com um barulho desses" é bem anterior, mas bem poderia ter nascido quando o primeiro sul-africano deu o primeiro sopro em sua vuvuzela. Ou melhor: não poderia. É pouco. A vuvuzela impede não apenas o sono, mas muitas outras coisas, inclusive, e principalmente, assistir sossegado a um jogo de futebol. "Bafana bafana" é o nome local da seleção sul-africana. Quer dizer "meninos meninos". Já saber por que "meninos meninos", repetindo duas vezes a mesma palavra, é algo que exige maior domínio da cultura sul-africana. Fica para depois de estudos mais aprofundados. "Jabulani", que quer dizer "celebração", é o nome da bola produzida para esta Copa do Mundo, tão criticada pelos jogadores – e com isso podemos nos dar por satisfeitos. Já atingimos uma boa base de zulu. Mais atenção merece a língua adotada pelos narradores e comentaristas de futebol. Em Copas do Mundo muita gente sem intimidade com o esporte gruda-se à tela da TV. Dominar o idioma praticado durante as transmissões pode ser útil. Primeira lição: caiu em desuso dizer que um time, ou um jogador, é bom. Diz-se que "tem qualidade". Ou que não a tem. "Qualidade" é a palavra-chave. Os jogadores já foram contaminados pela moda. Também para eles, é "qualidade" para cá, "qualidade" para lá. Segunda lição: não vá o desavisado chamar estádio de "estádio". É "arena". "Arena" tem maus antecedentes. Já foi o nome do partido político que apoiava a ditadura e antes disso, muito antes, era o local em que os gladiadores se estripavam, entre si ou de encontro às feras. Já estádio indica o local das exibições de ginástica e das provas olímpicas. Um aponta para a brutalidade romana, outro para a harmonia grega. A brutalidade romana, nos dias que correm, tem a dianteira. Outras expressões são mais técnicas, e exigem dos leigos redobrado empenho, se desejam atualizar-se. Quando se ouvir falar em "assistência", não se imagine que o locutor esteja se referindo ao público nas arquibancadas nem, claro, à necessidade de ambulância para socorrer algum ferido. Importado do basquete americano, o termo nomeia o último passe antes do chute em direção ao gol. Ou seja: o passe que deixa o jogador que o recebe "na cara do gol", como se diria na boa e velha linguagem surgida nas asperezas do gramado, não no luxo das cabines de transmissão. "Valorizar a posse de bola", "proposta de jogo" e "chamar a si a responsabilidade" são outras expressões que merecem esclarecimentos. "Valorizar a posse de bola" significa a insistência em trocar passes sem o objetivo imediato de avançar em direção ao gol adversário e, no limite, para de novo voltar ao cru jargão de antigamente, "fazer cera". Curioso, no futebol como na vida, é o destino das expressões. O primeiro que falou em "valorizar a posse de bola" foi muito bem. Deu precisão ao fenômeno. Tão bem que seu achado passou a ser repetido à exaustão. Pronto: virou frase feita. E tão feita que começou a ser usada pela metade: "Ele (tal jogador) está valorizando". "Proposta de jogo" tem em comum com "valorizar a posse de bola" o ar erudito. Significa a disposição com que o time, sob orientação do técnico, entra em campo – na defesa, logo partindo para o ataque, ou algo entre uma coisa e outra. Seria como o lance de abertura no xadrez. Mas não se iluda o novato. No futebol, o imponderável é mais forte do que qualquer proposta, e pode virá-la do avesso em poucos minutos. Já "chamar a si a responsabilidade" é o elogio que se atribui ao jogador que se destaca pela presença combativa e pela liderança. A expressão tem uma trajetória semelhante à de "valorizar a posse de bola". De achado virou frase feita, com direito também ao uso abreviado: "Ele (tal jogador) chamou a responsabilidade". O colunista fez o possível. Espera ter contribuído para que o leigo, quando ouvir "Ele está valorizando", não imagine que o jogador em questão esteja se valorizando para ser vendido ao futebol europeu. (Mesmo porque, entre os jogadores que disputam a Copa, quase todos já estão lá; vista de certo ângulo, a Copa é um torneio dos times europeus recombinados.) Ou que, ao ouvir "Ele chamou a responsabilidade", não se atrapalhe e, em meio ao coro de vuvuzelas, pergunte: "Como? Quem é que ele está chamando?".O futebolês ao alcance de todos
"Primeira lição: caiu em desuso dizer que um time,
ou um jogador, é bom. Diz-se que ‘tem qualidade’.
‘Qualidade’ é a palavra-chave. É qualidade para cá,
qualidade para lá"