Saturday, June 12, 2010

Os pitboys de Cristina

O governo Kirchner contratou baderneiros para ameaçar
funcionários públicos que não aceitam manipular estatísticas.
Um dos brutamontes até acompanha a seleção argentina
na África do Sul


Duda Teixeira

Fotos Perfil.com e Víctor Carreira/Télam/CL
PROFISSÃO: PANCADA
Ariel Pugliese (no detalhe) faz a segurança do craque Messi em Buenos Aires, à direita,
e participa de agressão a técnicos do Indec em lançamento de livro em abril, à esquerda


Para a Copa do Mundo, cada seleção levou um pouco de seu país. Os brasileiros, por exemplo, levaram pandeiros para o pagode. Já a Argentina reservou 22 assentos do avião para barrabravas,os membros das violentas torcidas organizadas. Entre os hooligans argentinos que acompanham a delegação na África do Sul está Ariel "Verme" Pugliese, a quem também coube servir de segurança do atacante Lionel Messi durante a fase eliminatória do torneio. Membro da torcida do Nueva Chicago, time da terceira divisão, Pugliese foi investigado em 2007 pelo homicídio de um torcedor do Tigre. Em outubro do ano seguinte, foi baleado em uma briga de torcida. As encrencas futebolísticas são apenas o hobby de Pugliese. Profissionalmente, ele faz parte de uma gangue de funcionários a serviço da presidente da Argentina, Cristina Kirchner, no Indec (Instituto Nacional de Estatísticas e Censos, equivalente ao IBGE brasileiro), órgão público responsável pelo cálculo da inflação, do produto interno bruto (PIB), dos índices de pobreza e pela contagem da população. Ospitboys de Cristina têm a função de ameaçar e, quando necessário, espancar os colegas de trabalho que se negam a acatar as ordens do governo de falsificar estatísticas.

A maquiagem dos dados eco-nômicos começou em 2007, na Presidência do marido e antecessor de Cristina, Néstor Kirchner, com o objetivo de dar aumentos salariais aos servidores públicos com base em índices de inflação mais baixos que os verdadeiros. Pouco a pouco, todos os departamentos do Indec foram empastelados. "Ao falsear os dados de inflação, foi preciso adulterar as demais estatísticas", diz Graciela Bevacqua, que era a responsável pela medição dos preços e foi demitida em janeiro de 2007 por se negar a participar da maracutaia. A falsificação dos dados oficiais faz a situação da economia argentina parecer muito melhor do que de fato é. Segundo o Indec, o PIB cresceu 0,9%. Para as consultorias privadas, o que houve foi uma retração, estimada entre -3% e -4,4%. Oficialmente, a proporção de pobres no país é de 13,2%. Na realidade, está em 30%. A inflação dos Kirchner foi de 7,7% em 2009. A das estimativas independentes, de 15%. O desemprego segundo o Indec é de 8%. Os cálculos mais confiáveis chegam a 11%. A intervenção de Néstor e, agora, Cristina Kirchner no Indec não foi recebida com passividade pelos técnicos do instituto. Muitos, como Graciela, se rebelaram. Dos mais de 1 000 funcionários, cerca de 200 foram demitidos ou transferidos para funções irrelevantes. Em seu lugar, foram contratados 600 novos funcionários, fiéis aos Kirchner, entre os quais o grupo de 100 brucutus do qual Pugliese faz parte. Eles são conhecidos internamente como la patota.

Em abril passado, durante o lançamento de um livro em Buenos Aires com críticas à ingerência kirchnerista nos dados oficiais, Pugliese e seus comparsas agrediram os convidados, majoritariamente técnicos do Indec, com cadeiradas e empurrões. No cotidiano do instituto, os aspones da pancadaria cuidam para que os funcionários mais antigos obedeçam às orientações do governo. Quem sai da linha recebe ameaças verbais ou é alvejado com lixo e copos d’água nos corredores. Em 2008, um grupo de técnicos foi agredido ao tentar levar um abaixo-assinado ao ministro da Economia, ao qual o Indec é vinculado. "Os membros da patota estavam nos esperando dentro do prédio do ministério. Quando entramos, eles diminuíram a luz e começaram a nos bater", conta a socióloga Cynthia Pok, de 64 anos, ex-diretora da pesquisa permanente de domicílios do Indec. Cynthia precisou entrar na Justiça para não ser demitida, mas foi afastada do trabalho direto com as estatísticas. As ameaças não pararam. No mês passado, quando ela e outros funcionários chegaram ao trabalho pela manhã, encontraram os seus computadores destruídos. Obra da patota.

Juan Mabromata/AFP
ESTÁ TUDO NA CABEÇA DELA
O Indec divulga os dados que Cristina quer

Os diretores kirchneristas do Indec rasgaram as metodologias científicas consagradas e inventaram novas, incluindo um programa de computador que elimina automaticamente os dados de qualquer produto cujo preço suba mais de 15%. Em maio de 2008, os técnicos do Indec iniciaram o censo agropecuário. A coleta de informações, que deveria durar dois meses, ainda não terminou. Para impedir que os técnicos mais antigos tenham acesso ao levantamento, foram erguidos tapumes de madeira no meio da sala de pesquisas. Só os funcionários pelegos podem entrar no espaço onde estão os computadores do censo atrasado. O resultado da falta de transparência no Indec é que as estatísticas publicadas pelo órgão deixaram de ser usadas por economistas, consultores, demógrafos e até burocratas do governo. "A manipulação de dados é tão ostensiva que se tornou impossível ter um retrato objetivo da sociedade argentina", diz o economista Javier Lindenboim, diretor do Centro de Estudos sobre População, Emprego e Desenvolvimento da Universidade de Buenos Aires (UBA). Para atender os empresários que precisam de informações críveis para planejar seus negócios, cinco consultorias privadas e a própria UBA coletam dados e divulgam índices de inflação de maneira independente. Em abril, o assessor de um deputado da oposição foi preso sob a acusação de entrar no Ministério da Economia para roubar estatísticas e vendê-las a consultorias. Os supostos compradores defendem-se dizendo que não se interessam por números produzidos pelo ministério. É tudo falso, mesmo.

Diego Giudice
COTIDIANO DE TERROR
Cynthia Pok, que dirigia a pesquisa permanente de domicílios
antes da intervenção dos Kirchner, já apanhou da gangue governista
e teve o computador destruído

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