Saturday, May 01, 2010

Uma missão quixotesca


O diretor Terry Gilliam bem que tentou contornar a perda
de Heath Ledger no meio das filmagens de Doutor Parnassus.
Mas o saldo é melancólico


Isabela Boscov

Everett Collection/Keystone
SABOR DE ADEUS
Ledger, com Lily Cole: não há fantasia que desvie a atenção da morte prematura do ator

O diretor Terry Gilliam, ex-integrante do grupo Monty Python, virou um sujeito pé-frio: há um quarto de século, desde Brazil, não consegue fazer um filme que chegue perto da unanimidade; e, pior, suas produções se veem acometidas por toda sorte de contratempo. Em 2000, já rodando O Homem que Matou Dom Quixote, Gilliam perdeu primeiro seu ator principal, o francês Jean Rochefort, por causa de uma hérnia de disco que o impediu de cavalgar – questão séria para um cavaleiro. Logo em seguida, teve todos os seus cenários arrasados em uma enchente, e as filmagens tiveram de ser abandonadas. A cada novo roteiro que escreve, Gilliam enfrenta dificuldades de financiamento. Em parte, elas são herança dos espetaculares estouros de orçamento a que ele se deu o luxo em seu período mais produtivo, aquele que foi de Brazil e O Pescador de Ilusões a Doze Macacos. De outra parte, resultam do mau desempenho na bilheteria de filmes recentes, como Os Irmãos Grimm e Contraponto. E têm também a ver com o fato de que Gilliam nunca transige – ou seja, recusa toda oferta de dirigir algum projeto mais comercial, como Forrest Gump ou Harry Potter. A situação chegou a tal ponto que, em 2006, ele posou de brincadeira com um cartaz que dizia: "Cineasta sem estúdio tem família para sustentar. Dirijo em troca de comida". De todos os reveses atravessados por Gilliam, porém, nenhum se compara ao que desabou sobre O Mundo Imaginário do Doutor Parnassus (The Imaginarium of Doctor Parnassus, Inglaterra/Canadá/França, 2009): a morte de seu protagonista, Heath Ledger, no meio da filmagem.

No filme que estreia no país na sexta-feira, o Dr. Parnassus (Christopher Plummer) é o líder de uma trupe de saltimbancos em cuja carroça há um espelho que leva para outros mundos. Parnassus fez um pacto com o demônio: vida eterna em troca de entregar sua filha quando ela fizer 16 anos. O velho, claro, não quer cumprir o contrato. A três dias de o prazo expirar, surge sua possível salvação. A trupe resgata do enforcamento Tony (Ledger), que se junta ao circo e revela o dom de manipular à sua vontade os mundos por trás do espelho. Esse é apenas o ponto de partida para que o diretor, como de hábito, explore suas fixações com o grotesco, o bizarro, o barroco e a importância existencial de contar histórias. Fortuitamente, isso permitiu que ele contornasse os entraves narrativos ocasionados pela trágica morte de Ledger com uma solução extravagante. Cada vez que Tony atravessa o espelho, ele é interpretado por um ator diferente: Johnny Depp, Jude Law e Colin Farrell. Mas trata-se de uma emenda, não de um soneto. Farrell é o único que atinge alguma inspiração. Depp e Law se restringem à imitação – e, assim, impregnam o filme não de assombro e fantasia, como o pretendido, mas de melancolia por uma perda tão prematura. Gilliam, o quixote do cinema de autor, bem que tentou vencer os moinhos de vento e redimir seu filme. Mas, mais uma vez, foi vencido

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