Saturday, May 01, 2010

O herói improvável


Homem de Ferro levou Robert Downey Jr. da desgraça ao topo
em um fim de semana. Homem de Ferro 2 não perde de vista
esse fato: aqui, o ator interessa à plateia muito mais do que a ação


Isabela Boscov

Fotos divulgação
VALE OURO
Downey Jr., como o Homem de Ferro e, no detalhe, em sua encarnação civil,
a do industrial Tony Stark: só duas coisas de fato importam -- o personagem e o ator

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Sete anos atrás, Johnny Depp quase foi demitido das filmagens de Piratas do Caribe – A Maldição do Pérola Negra por executivos que mal podiam acreditar no que estavam vendo nas cópias brutas – um pirata com delineador nos olhos, muito bling e trejeitos que, embora justificados como uma homenagem a Keith Richards, o guitarrista dos Rolling Stones, sugeriam tratar-se na verdade do primeiro bucaneiro explicitamente gay da história dos filmes de aventura. Depp só não perdeu o emprego porque tinha amparo no tremendo cacife do produtor Jerry Bruckheimer. Não muito depois, quando o filme chegou aos cinemas, deu o troco àqueles executivos assustadiços: revelou-se o ingrediente principal do sucesso astronômico de Piratas do Caribe. Essa história, hoje antológica em Hollywood, aconteceu mais ou menos ao mesmo tempo em que outra escalação inusitada – a de Matt Damon para a trilogia Bourne – se provaria afortunada. Depp e Damon foram, assim, as exceções que instituíram uma nova regra: a de que, quando se tem à disposição um ator verdadeiramente capaz e disposto a afrontar as convenções designadas para um gênero, quanto mais improvável sua escolha, melhor. Ninguém até aqui se beneficiou tanto dessa nova regra quanto Robert Downey Jr. Há dois anos, sua contratação para interpretar o Homem de Ferro, personagem do segundo escalão dos quadrinhos, foi cercada de especulações humilhantes. Não porque Downey não parecia levar o menor jeito para super-herói, mas porque sua carreira, àquela altura, era dada como sepultada por sua instabilidade e problemas com drogas. Downey era um pária. Mas, de maneira ainda mais estrepitosa do que Depp, em um fim de semana em cartaz tornou-se o oposto: um ator talhado para a ação, que vale seu peso em ouro e possui um carisma excepcional, capaz de transformar um filme meramente agradável em uma potência na bilheteria. Era Downey, afinal, o trunfo de Homem de Ferro. E manter esse fato em vista é o que faz, com muita sensatez, Homem de Ferro 2 (Iron Man 2, Estados Unidos, 2010), desde sexta-feira em cartaz no país.

Como é costumeiro nas continuações, Homem de Ferro 2 é mais barulhento e frenético do que o original. A lógica é que se deve oferecer ao público ainda mais daquilo de que ele gostou da primeira vez. Aqui, porém, esse princípio engendra algo curioso: neste caso, o "mais" que a plateia espera é mais de Downey. A ação é superior à do primeiro filme porque essa é uma questão de honra; mas é tão secundária ao protagonista que causa um desequilíbrio. O Homem de Ferro não passa de um coadjuvante para Tony Stark, sua mordaz e insolente persona civil. Se algum outro personagem tem de aparecer em cena sem ele, o negócio é apressado ao máximo. A agente secreta interpretada por Scarlett Johansson, a assistente pessoal Pepper Potts (Gwyneth Paltrow) e até o vilão Ivan Vanko, que coube a outro renascido das cinzas, Mickey Rourke, disparam pelo enredo como se este fosse um corredor polonês – quem se demora demais apanha de Downey, que nesta sua reencarnação é um ator desavergonhadamente voraz, competitivo e ambicioso. Mas é também de um charme irresistível, de uma inteligência rápida e de uma habilidade impecável com os diálogos (muitíssimo bem escritos pelo diretor Jon Favreau e pelo roteirista Justin Theroux). Pouco importa, então, o desequilíbrio: se é para que se tenha mais oportunidades de apreciar essas qualidades, que se vire a mesa de uma vez.

Downey declarou à revista Entertainment Weekly que, no primeiro Homem de Ferro, o personagem era um decalque "bem mais cool" dele mesmo. Nesta continuação, disse, optou por se inspirar nos seus defeitos de caráter. Assim, após se converter no mantenedor da paz mundial graças ao seu impressionante artefato bélico – a armadura que faz dele super-herói –, Tony Stark mal cabe em si de tanta vaidade e arrogância. Trata uma investigação no Senado como um programa de auditório, humilha em público seu competidor nos negócios (Sam Rockwell) e, no seu amplo tempo livre, já que não quer saber de trabalhar, bebe, cerca-se de mulheres e promove festas. Graças a tanto descaso, o russo Ivan Vanko acha a oportunidade de construir a sua própria, e ainda mais letal, versão do armamento. A despeito do empenho – e da figura escabrosa – de Rourke, é o vilão o calcanhar de aquiles da trama, como em todas as adaptações de quadrinhos da última década. Não há plano de vingança ou de dominação mundial que não soe hoje tolo e cansativo – em particular depois do magnífico espetáculo de niilismo e anarquia destrutiva protagonizado por Heath Ledger, como o Coringa, em Batman – O Cavaleiro das Trevas. Seria instigante, então, que em Homem de Ferro 3, planejado para 2012, Tony Stark tivesse um adversário tão imprevisível quanto ele próprio. Ou, pelo menos, tão improvável como vilão quanto Robert Downey Jr. o é como herói.

LINDA E BREVE
Scarlett Johansson como a agente secreta – e dublê de secretária – Natasha Romanoff: um dos personagens que passam meio correndo pela trama, para não ofuscar Downey

RUSSO E MALVADO
Mickey Rourke como o cientista Ivan Vanko, que se apodera dos planos originais da armadura do Homem de Ferro e constrói uma versão ainda mais letal da tecnologia: o ator é bom e bem estranho, mas o vilão é, mais uma vez, o calcanhar de aquiles do filme

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