Saturday, May 08, 2010

O novo gigante dos céus

da Veja

A fusão entre a United e a Continental cria a maior empresa aérea 
do mundo, mas para o consumidor a notícia pode ser ruim


André Petry, de Nova York

Ruby Washington/The New York Times
TEMPO RECORDE
Smisek e Tilton, ao anunciar a fusão selada em três semanas: comemoração com champanhe e scotch

Durante sua adolescência no Rio de Janeiro, onde seu pai servia como agente da CIA, Glenn Tilton ficou impressionado com o abastado padrão de vida de um amigo cujo pai dirigia as operações latino-americanas da Pan Am, companhia que, na época, era um símbolo tão americano quanto a Coca-Cola. Tilton decidiu que, quando crescesse, trabalharia numa empresa aérea. Mas, de volta aos Estados Unidos, cursou relações internacionais na Universidade da Carolina do Sul, conseguiu um emprego na Texaco e acabou fazendo carreira na empresa. Quando a Texaco foi comprada pela Chevron, em 2001, Tilton foi convidado para dirigir a United Airlines. Sua missão era espinhosa: salvar a empresa da falência. James Farrell, conselheiro da United, lembra que se encheu de piedade de Tilton por aceitar uma tarefa tão miserável. "Quando ele chegou, pensei: 'É um cara legal, por que está fazendo isso consigo mesmo?'"

Na semana passada, depois de três décadas como homem do petróleo e quase um recém-chegado ao ramo que escolheu para trabalhar ainda na adolescência, Tilton atingiu o topo: é o novo presidente da maior empresa aérea do mundo, resultado da fusão, anunciada na segunda-feira passada, entre a United e a Continental. A fusão é um negócio de 3,2 bilhões de dólares que não envolveu dinheiro, só troca de ações, e foi concluído em apenas três semanas. Em 7 de abril, Jeffery Smisek, chefão da Continental, soube pela imprensa que a United vinha negociando com a US Airways. Ficou preocupado. Esperou dois dias e, em 9 de abril, ligou para Tilton a pretexto de cumprimentá-lo pelo 62º aniversário e ofereceu-se para conversar. Na semana passada, ao anunciar a conclusão do negócio ao lado de Tilton, Smisek recordou esse primeiro telefonema: "Quando vi nosso parceiro ideal prestes a se casar com outra, liguei para Glenn e disse que eu era uma garota muito mais bonita".

A nova empresa se chamará "United", mas usará as cores e o logotipo da Continental. Com 700 aeronaves e quase 90 000 trabalhadores, terá 21% do mercado americano e 7% do mundial. Servirá 370 destinos em 59 países, transportando 145 milhões de passageiros por ano. Nas rotas entre o Brasil e os EUA, será a segunda maior, atrás da American Airlines e à frente da TAM, que cai para o terceiro lugar. Fará voos de São Paulo ou Rio para quatro cidades americanas: Chicago, Houston, Washington e Nova York, via aeroporto de Newark, em Nova Jersey. A fusão beneficia a TAM, a maior empresa aérea do Brasil. Como tinha parceria operacional com a United, agora a TAM vira parceira da nova empresa e ganha maior inserção no mercado americano. Foi um golpe de sorte. Até 2007, a TAM era parceira do gigante do pedaço, a American Airlines, mas trocou-a pela nanica United, num movimento que, na época, parecia fazer pouco sentido. "Agora o pessoal está me perguntando se eu tinha bola de cristal", diverte-se Paulo Castello Branco, vice-presidente comercial e de planejamento da empresa.

Num setor que depende cada vez mais de escala, as fusões entre empresas aéreas são inevitáveis. No mercado americano, a Delta comprou a North-west há dois anos, tornando-se então a maior empresa aérea do mundo. Já se especula que o próximo negócio pode ser a compra da US Airways pela American Airlines. O mercado internacional segue a mesma tendência. A inglesa British Airways acaba de consolidar sua fusão com a espanhola Iberia, seguindo o caminho aberto antes pela junção da Air France com a holandesa KLM em 2004 e pela compra pela alemã Lufthansa de empresas menores da Suíça e da Áustria. Os analistas acreditam que, a médio prazo, a febre das fusões poderá chegar também ao Brasil, onde o mercado, fortemente concentrado no Rio e em São Paulo, é muito menos diversificado que o americano e o europeu. No fim do ano passado, no que talvez seja um esboço dessa tendência, a TAM comprou 100% da concorrente Pantanal por 13 milhões de reais.

As fusões podem ser um caminho eficaz para as empresas aéreas, mas nem sempre são boa notícia para o consumidor. Quando duas empresas se unem, o objetivo é cortar custos e diminuir a concorrência, o que tende a resultar em aumento de preço e redução de serviços para o consumidor. A crise no setor aéreo nos EUA vem desde os atentados terroristas de 2001. Recentemente, depois que o preço do barril de petróleo voltou a cair, ele melhorou um pouco de figura, mas segue patinando em prejuízos. É um mercado que há muito deixou de oferecer mordomias. Para fazer dinheiro, as americanas cobram taxa extra por qualquer serviço, de despacho de mala adicional – de 20 a 45 dólares – a latinha de refrigerante servida a bordo. É desse sufoco que a United e a Continental querem sair. A união das duas deve produzir uma economia de até 1,2 bilhão de dólares em três anos, com a supressão de linhas, escritórios e serviços duplicados. As tarifas, pelo menos num primeiro momento, não vão subir.

O trabalho de Glenn Tilton foi decisivo. Desde que assumiu a United, ele fez um saneamento dramático da empresa. Demitiu, cortou salários e custos, enfrentou uma resistência titânica dos sindicatos e, na medida mais explosiva, acabou com o fundo de pensão dos empregados. Num reinado efetivo e brutal, Tilton virou o jogo. Há dois anos, United e Continental discutiram uma fusão – o que permitiu concluir as negociações de agora em tempo recorde –, mas, na última hora, a Continental pulou com medo da situação financeira da United. Desta vez, a United chegou por cima: seus acionistas terão 55% da nova empresa e os da Continental, 45%. Tilton será o presidente por dois anos e, depois, cederá o cargo a Smisek. No domingo, depois de ratificado o negócio, os dois jantaram no The Palm, restaurante de carnes e frutos do mar em Manhattan. Celebraram com champanhe e scotch.

Antonio Gauderio/Folha Imagem
GOLPE DE SORTE
Para a TAM, a fusão das americanas
é um bom negócio

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