Saturday, May 08, 2010

O dia em que o euro tremeu

da Veja

Aprovado o pacote de 110 bilhões de socorro à Grécia, resta esperar que o país cumpra a sua parte para salvar a moeda comum


Ana Claudia Fonseca

Stefan Simonsen/AFP
COM O DINHEIRO DOS OUTROS
Em Hanover, alemães satirizam a ajuda de 22 bilhões que seu país dará à Grécia


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Um homem e duas mulheres, uma delas grávida de quatro meses, foram as primeiras vítimas da crise financeira grega. Os corpos carbonizados estavam em um dos oito prédios atacados na quarta-feira passada por coquetéis molotov lançados por uma multidão enfurecida. Não se sabe quem jogou as bombas, mas os alvos eram claros: bancos e instituições públicas. Cientes de que terão de permanecer com o cinto apertado pelos próximos três anos, 100.000 gregos saíram às ruas. Armados com paus e pedras, eles enfrentaram os policiais enquanto, no Parlamento, os políticos debatiam se aceitariam ou não as medidas austeras exigidas pela União Europeia (UE) e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) para que a Grécia pudesse receber um resgate bilionário anunciado no domingo 2. O pacote foi aprovado pelos parlamentares gregos na quinta-feira, mas isso não impediu que as bolsas do mundo despencassem em meio ao temor do impacto da crise grega sobre os outros países da zona do euro.

A crise da Grécia foi causada pela irresponsabilidade do governo na gestão de sua política fiscal. "Os gregos gastaram mais do que podiam num ambiente em que não tinham domínio algum sobre a emissão da moeda, um dos mecanismos para reduzir o endividamento", explica o economista Sidnei Nehme, diretor executivo da NGO Corretora de São Paulo. O euro é uma moeda supranacional; enquanto cada governo é responsável por sua política fiscal, a política monetária e cambial é gerenciada pelo Banco Central Europeu. A ajuda internacional foi a saída encontrada para evitar que a Grécia declare o calote de sua dívida pública, hoje em 115% do PIB. O resgate dará aos gregos 110 bilhões de euros nos próximos três anos. A maior parte do dinheiro vem dos outros quinze países da zona do euro (80 bilhões de euros, ou 0,9% do PIB do bloco), e o restante, do FMI (que terá uma parcelinha brasileira equivalente a 227 milhões de euros). Usar o dinheiro de impostos na ajuda financeira a outro país, obviamente, é uma medida impopular. Depois de semanas hesitante, a chanceler Angela Merkel aprovou em seu Parlamento a fatia alemã do socorro financeiro: 22 bilhões de euros. "Ele determinará nada menos do que o futuro da Europa e o futuro da Alemanha na Europa", disse Merkel. Bancos alemães e franceses detêm até 70% da dívida grega e seriam gravemente afetados no caso de um calote. A ajuda aos gregos não é um ato de caridade, portanto, mas de interesse mútuo.

O dinheiro a ser recebido pela Grécia está condicionado a ajustes duros, que incluem o corte de benefícios para cerca de 600 000 funcionários do inflado setor público do país, o congelamento de salários por três anos, o aumento na idade mínima para aposentadorias e a elevação nos impostos. Com os ajustes, o governo grego pretende cumprir a meta de diminuir até 2014 seu déficit no Orçamento, dos 13,6% atuais para menos de 3%, o limite estabelecido pelo Banco Central Europeu. Os altos juros exigidos pelos credores europeus (em torno de 5% ao ano) tornarão muito difícil que os gregos honrem o compromisso. Por isso, se o governo de Atenas fracassar na contenção dos gastos, terá de decretar a moratória. O calote da dívida grega espalharia o incêndio pela zona do euro. Embora a expressão da Grécia no contexto do bloco europeu seja pequena, a moratória mostraria que o euro não consegue resgatar países em apuros. Os investidores então abandonariam a moeda. Isso aconteceu na semana passada, quando o euro caiu em relação ao dólar para o nível mais baixo em catorze meses, enquanto crescia o temor de que a continuação da crise grega contagiasse outras economias europeias enfraquecidas, chamadas de PIIGS (Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha).

José Manuel Durão Barroso, presidente da Comissão Europeia, defendeu a urgência de reformas estruturais para evitar a implosão do euro. O principal defeito da moeda comum é a ausência de uma política orçamentária unificada. Em outras zonas monetárias há um banco central e um ministério responsável pelo equilíbrio orçamentário. Na zona do euro, existe apenas um banco, o Banco Central Europeu. E no lugar do ministério há um "pacto de estabilidade", que ninguém respeita. Barroso anunciou a criação de um mecanismo permanente para lidar com situações de crise como a atual. A possibilidade de a Grécia parar de usar o euro já foi descartada. "Isso custaria caro demais aos cofres gregos e iria provocar uma crise da dívida, taxas de juro altíssimas e inflação", disse a VEJA o economista Iain Begg, da London School of Economics. "A Grécia não pode sair da zona do euro sem se retirar da União Europeia", explicou Phoebus Athanassiou, conselheiro do Banco Central Europeu. Para os europeus se safarem desta, não há outra opção além de pressionar os gregos a fazer a lição de casa.

Fotos Louisa Gouliamaki/AFP e Dimitar Dilkoff/AFP
PEDRA SOBRE PEDRA
Ao lado, mulheres choram mortos em protestos em Atenas. Acima, manifestantes na Acrópole


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