Saturday, May 29, 2010

O desafio do rúgbi


Em poucas modalidades o Brasil acumula resultados
tão medíocres quanto nesse esporte, que ganhará status
olímpico em 2016. Será preciso treinar muito para não
dar vexame em casa


Silvia Rogar




Oscar Cabral
TREINO NA PRAIA
Atletas no Rio de Janeiro: quem não conhece o esporte acha que é briga na areia


Em 1894, o estudante paulista Charles Miller, precursor do futebol no Brasil, trouxe de uma temporada na Inglaterra dois tipos de bola. A primeira, esférica, deu origem a uma história que todo brasileiro conhece: cinco títulos em Copas do Mundo, paixões arrebatadoras nos grandes estádios e peladas em toda espécie de campo país afora. A outra bola, oval e perfeita para a prática do rúgbi (esporte que àquela época já se popularizava entre os ingleses), não fez lá muito sucesso. Com um conjunto extenso de regras, algo como o dobro das do futebol, e dada a própria violência do jogo, em que os atletas com a bola na mão se chocam a toda hora uns com os outros, o esporte inglês acabou restrito a limitados círculos de estrangeiros e descendentes de europeus. Hoje, no Brasil, existe um praticante de rúgbi para cada 1 000 de futebol, seja ele profissional ou amador. Provavelmente, o cenário jamais vai mudar, mas o Comitê Olímpico Brasileiro (COB) está empreendendo um esforço inédito para, pelo menos, melhorar a realidade do rúgbi no país. Em 2016, justamente o ano dos Jogos no Rio de Janeiro, o esporte será incluído no rol das modalidades olímpicas e, como país-sede, o Brasil deve ser convidado a participar do torneio – sob a pressão de não dar vexame em casa. Resume o superintendente esportivo do COB, Marcus Vinícius Freire: "O objetivo é que o Brasil não só participe do maior número possível de modalidades como tenha bom desempenho na maioria delas".

Não será trivial com o rúgbi. Pode-se dizer que não há um esporte olímpico coletivo em que o Brasil tenha acumulado tantos resultados medíocres. Para se ter uma ideia, nenhuma seleção brasileira (masculina ou feminina) jamais foi classificada para um campeonato mundial. Entre as 230 equipes de rúgbi existentes hoje no país, apenas dez contam com campos oficiais. As demais precisam improvisar o tempo todo, como ilustra o caso do Niterói Rugby Football Clube, do Rio de Janeiro, entre os três melhores do país. Os atletas dali costumam treinar numa quadra emprestada, vizinha a uma obra barulhenta, quando não o fazem na praia mesmo. "Como quase ninguém conhece o rúgbi, ficam achando que é briga na areia", diz o técnico Nei Vasconcellos. A rotina e até o perfil desses jogadores chamam atenção por destoar completamente dos de atletas de outras modalidades. Dos 26 integrantes da seleção brasileira, vinte mantêm atividades profissionais paralelas ao rúgbi. É o caso do paulista Julian Menutti, 28 anos, gerente de uma fábrica do ramo alimentício e jogador do clube Bandeirantes "quando dá para ir ao treino". Relata o rapaz: "Já cansei de comparecer a compromissos de trabalho com o uniforme de rúgbi por baixo da roupa social. É uma vida dupla". Seus colegas de seleção, ele só encontra uma vez por mês, ocasião em que todos jogam em quadra de futebol mesmo, numa fazenda de Itu, no interior de São Paulo, cujo dono cede o espaço por ser fã de rúgbi.

Para que um esporte ganhe o status de modalidade olímpica, ele precisa não apenas ser disputado em quatro continentes e 75 países como ainda provar ser um negócio rentável. O rúgbi se enquadra em todos os pré-requisitos. Seu campeonato mundial é um evento que, pelas proporções e pela popularidade, só perde para a Copa do Mundo de Futebol e a Olimpíada. Os grandes craques jogam por seleções como Nova Zelândia, África do Sul e Austrália, três ex-colônias inglesas onde o esporte é tradição secular. Jogo que guarda parentesco com o futebol americano, só que prescinde do capacete e é também menos violento, o rúgbi conta, no Brasil, com um grupo de apenas 30 000 praticantes. A meta do COB, que acaba de anunciar a destinação de uma verba de 300 000 reais à nova Confederação Brasileira (surgida há apenas cinco meses), é exatamente atrair mais gente para o esporte e tentar melhorar as condições daqueles que já se dedicam a ele. Atualmente, tais atletas não recebem sequer patrocínio e faltam bons técnicos no país para treiná-los. Um dos planos é justamente trazer para o Brasil alguns desses profissionais, provavelmente da Argentina – país vizinho que coleciona troféus em torneios internacionais. Como se vê, será tarefa duríssima livrar o Brasil de um vexame em 2016.

Laílson Santos
VIDA DUPLA
O paulista Julian Menutti: empresário do ramo alimentício e jogador da Seleção Brasileira de Rúgbi

Com reportagem de João Figueiredo

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