Saturday, May 15, 2010

Melhor ficar longe deles


Em ano eleitoral, o governo ameaça servidores públicos com o fim da lei que permite greve da categoria e endurece o discurso contra ações do MST


Gustavo Ribeiro e Otávio Cabral

Cristiano Mariz
MST
O ministro Guilherme Cassel não quer saber do acampamento da versão sem-terra made in Paraguai


O presidente Lula tem razão quando prega que movimentos sociais, como o MST, e categorias de trabalhadores, como o funcionalismo público federal, nunca tiveram tratamento tão privilegiado. Em sete anos de gestão petista, os sem-terra invadiram, depredaram e saquearam fazendas – sempre com o aval, o respaldo financeiro e a leniência das autoridades. No caso do funcionalismo público, o governo concedeu aumentos médios muito acima da inflação, contratou mais 153 000 funcionários e multiplicou os chamados cargos de confiança. Em alguns órgãos, como o Itamaraty, a Abin e a Polícia Federal, os aumentos superaram 200%. Para se ter uma ideia do que isso significa em termos de recursos, em 2002 gastavam-se 34 bilhões de reais para pagar os salários dos servidores da ativa. Hoje essa cifra ultrapassa os 55 bilhões. Bem tratados, sem-terra e funcionários públicos também sempre se comportaram convenientemente em relação ao governo. Alguma coisa, porém, está mudando radicalmente essa relação.

Na semana passada, o presidente Lula se reuniu com todos os ministros e presidentes de empresas estatais. Depois, mandou um recado duro e bem distante do espírito negociador que ele, como ninguém, aprendeu nos muitos anos de sindicalismo: não haverá mais aumento para os servidores públicos neste ano. Segundo a Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal, entre 50 000 e 60 000 servidores estão em greve atualmente. Trabalhadores de órgãos como a Polícia Federal e o Supremo Tribunal Federal também ameaçam cruzar os braços. Preocupado com a onda de greves que pode paralisar serviços essenciais, o governo diz que vai cortar o ponto de quem faltar e não descarta nem mesmo mudar a lei para proibir definitivamente as greves no serviço público (veja entrevista abaixo) – uma bandeira histórica defendida pelo PT no passado.

Os ventos também sopraram ao contrário no campo. Não é de hoje que o MST protagoniza espetáculos de banditismo explícito. Nos últimos meses, porém, a leniência do governo tem se transformado em irritação. Exemplo disso foi uma reunião ocorrida duas semanas atrás em Brasília. Na pauta, uma aberração criada pelo movimento: o sem-terra made in Paraguai. O governo não gostou nada da novidade. Há alguns meses, representantes do MST em Mato Grosso do Sul passaram a aliciar agricultores brasileiros do outro lado da fronteira. Conhecidos como brasiguaios, os trabalhadores estão sendo atraídos pela promessa de que receberão um pedaço de terra no Brasil. Quatrocentas famílias já se alistaram no movimento, aumentando em cinco vezes o acampamento que fica na cidade de Itaquiraí, que hoje conta com mais de 2 000 pessoas amontoadas em barracos de lona. Sinal de confusão iminente. Preocupado, o ministro Guilherme Cassel, do Desenvolvimento Agrário, reuniu-se com a prefeita petista Sandra Cassone, de Itaquiraí, para discutir o assunto. Um representante do MST participou do encontro e ouviu do ministro que, com ou sem brasiguaios, não haverá desapropriação de terras na região. O tom do recado não foi nada ameno.

Pode soar estranho que o governo decida promover um pacote de maldades para servidores públicos e sem-terra exatamente em um ano eleitoral. Por mais contraditório que pareça, contudo, isso só está acontecendo exatamente porque é um ano eleitoral. O governo avalia que uma onda de greves agora seria devastadora para as pretensões presidenciais da ex-ministra Dilma Rousseff. Acredita que os servidores públicos receberam tudo o que queriam e, mesmo com o arrocho na reta final, continuarão aliados fiéis do PT e de sua candidatura. O discurso de acabar com o direito de greve tem por objetivo a intimidação. Com os sem-terra, o problema é mais delicado. O MST goza de terrível reputação em lugares onde Dilma Rousseff precisa muito angariar votos. Manter agora uma aparente distância do movimento é no mínimo prudente.

Wilson Dias/ABR
INTIMIDAÇÃO
A greve é legal, mas o governo ameaça mudar a lei


"Atentado à democracia"

Sergio Dutti/AE
METAMORFOSE
O advogado-geral Luís Adams diz
que greve de servidor é crime

O advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, classifica a greve de servidores públicos como um atentado à democracia – e defende mudanças na lei que permite paralisações no funcionalismo.

Há uma série de ameaças de greve de funcionários públicos de setores essenciais. Isso assusta o governo?
Estamos preocupados. É hora de discutir uma regulação melhor para distinguir o direito de greve do setor privado do direito de greve do serviço público. No serviço público, a greve não é feita contra o patrão, é feita contra a sociedade. É um atentado descarado contra a democracia. Essa característica não permite que os dois setores tenham a mesma legislação sobre greve.

Como regular isso?
O Judiciário deu um primeiro sinal ao derrubar a jurisprudência de que era preciso manter o atendimento de apenas 30% nos serviços em greve. Isso pode valer para o serviço privado, jamais para o serviço público. Serviços essenciais têm de funcionar integralmente sempre. Greve no serviço público tem de ser muito restrita. Agora isso vai mudar.

Mas no governo Lula, que já está no oitavo ano, pouco foi feito nessa direção.
Estou no cargo há pouco mais de seis meses, não posso falar de todo o governo. Há um anteprojeto de lei para regulamentar o direito de greve do servidor. O governo tem cortado o ponto dos servidores grevistas e a AGU vem participando de negociações sobre essas ameaças de greve. Mas há uma característica muito complicada, que são os limites dos direitos da burocracia do estado. A Constituição foi muito pródiga em direitos para essa burocracia, com irredutibilidade salarial, prerrogativas de movimentação, estabilidade, direito de greve.

O senhor acha que os direitos dos servidores travam o serviço público?
Às vezes, o excesso de direitos da burocracia inviabiliza a governança. A burocracia de estado é boa tecnicamente, vem evoluindo, mas precisa se afinar mais com os princípios de governança. O direito a esses benefícios não pode ser usado para inviabilizar o estado. A burocracia cria pequenos totalitarismos no governo. Há servidores que não cumprem leis e não são punidos. Isso não pode existir, a lei deve ser cumprida por todos. É outro atentado à democracia.

Mas, ainda assim, a máquina pública continua crescendo no governo petista.
Não quero acabar com a burocracia, com o funcionalismo público, mas qualificá-la. O que há muitas vezes é a politização da atividade burocrática, o que é danoso. O funcionário pode não gostar pessoalmente daquele governo, mas tem obrigação, como servidor, de servi-lo. Eu sempre votei no presidente Lula, desde 1989. Mas quando fui agente público na administração FHC eu a defendi da mesma maneira que defendo hoje o governo. Defendi as privatizações, defendi o Sivam, defendi o governo nas questões de greve, fui assessor do Gilmar Mendes... O que a gente precisa é de um funcionalismo que seja responsável, que sirva ao país independentemente do partido que esteja no governo.

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