Entrevista: Jared Diamond
O professor Jared Diamond, da Universidade da Califórnia, vive numa bela casa, quase no meio do mato, numa rua sem saída nos arredores de Los Angeles. De manhã, passa até duas horas caminhando pela região, observando e ouvindo os pássaros. De volta para casa, cuja sala é carregada de enfeites de Papua-Nova Guiné, trabalha no seu próximo livro. Duas vezes por semana, estuda italiano. Biólogo, geógrafo e historiador, ele é autor de Armas, Germes e Aço,em que explica por que a sociedade europeia deu certo, e Colapso, no qual mostra como civilizações se exauriram ao devastar o meio ambiente. Seu novo livro, a ser publicado em 2012, tratará da vida nas sociedades tradicionais, como tribos indígenas, em oposição à vida nas sociedades com estado. Com tamanho leque de interesses – de passarinhos à língua italiana, de Papua-Nova Guiné à biologia –, o professor, de 72 anos, é um dos mais brilhantes explicadores do sucesso e do fracasso de países e civilizações. Brasil e Estados Unidos são países novos, continentais, colonizados por europeus e que começaram com agricultura sob regime de escravidão. Com tantas semelhanças, por que os EUA são tão mais ricos que o Brasil? Os EUA então, favorecidos pela geografia, tiveram mais sorte que o Brasil? Como não se mudam a geografia nem a herança cultural e histórica, estamos condenados ao atraso? O autoritarismo pode favorecer o desenvolvimento? Por ser uma democracia, a Índia tem vantagem sobre a China? Entre os países do Bric (Brasil, Rússia, Índia e China), o Brasil, embora seja o mais jovem, é o único que conjuga unidade nacional e democracia. Isso significa que poderá saltar à frente? O senhor diz que um país pode definir seu futuro pelo modo como trata o meio ambiente. O Brasil cuida bem da Amazônia? É válido aceitar um pouco de desmatamento em troca de um pouco de desenvolvimento econômico? O Walmart tem interesse em frutos do mar hoje como tinha há dez anos. Por que só agora essas providências de proteção ao meio ambiente estão sendo tomadas? Os EUA são um império no começo do declínio? Por que isso está acontecendo? Mas não estão aqui as melhores universidades do mundo? A liberdade enriquece
O cientista e escritor diz que, para enriquecer, os países quentes
precisam vencer as doenças tropicais e que sem democracia nem
a China vai muito longe
André Petry, de Los AngelesLynn Goldsmith/Corbis/Latinstock
Há vários fatores, e um deles é a geografia. As pessoas tendem a imaginar que os países tropicais deveriam ser mais ricos que os de clima temperado, já que nos trópicos se planta o ano inteiro, não é preciso trabalhar tão duro e, com inverno ameno, gasta-se menos com aquecimento. Mas os países de clima temperado são, em média, duas vezes mais ricos que os tropicais. Uma razão é que, nos trópicos, a produtividade agrícola é mais baixa. Há pestes, insetos, doenças, e os solos tropicais tendem a ser menos produtivos. Na América do Sul, os países mais ricos em agricultura são os de clima temperado: Argentina, Uruguai, Chile e a metade sul do Brasil. O poder econômico no Brasil não fica na zona tropical, nas regiões Norte ou Nordeste. Fica mais ao sul, onde o clima é mais temperado. Obviamente, isso não quer dizer que as pessoas no Rio ou em São Paulo sejam mais inteligentes. É pura geografia.
Tiveram mais sorte, mas a geografia não é tudo. Questões históricas e culturais também explicam a diferença entre os dois países. A América Latina foi colonizada pelos espanhóis e pelos portugueses, e a América do Norte teve a vantagem de ser colonizada pelos ingleses e, em parte, pelos franceses. É uma vantagem porque Nova York fica mais perto de Londres do que o Rio de Janeiro de Lisboa. Isso permitiu uma troca maior entre metrópole e colônia. A Revolução Industrial começou na Inglaterra, não em Portugal ou na Espanha. Os espanhóis, aliás, temendo deixar de lucrar com suas terras imensas, resistiram à Revolução Industrial. A Inglaterra se tornou uma democracia efetiva, fazendo investimento pesado em educação, muito antes de Portugal e Espanha, que até recentemente nem eram democracias. Essas circunstâncias todas, aliadas à geografia, fizeram a diferença.
Um país tropical que queira enriquecer precisa, em primeiro lugar, pensar em saúde pública, para evitar doenças tropicais. Se as pessoas adoecem durante metade do ano, com malária, febre amarela ou dengue, elas morrem mais cedo. Pegue-se o exemplo de um engenheiro que se forme aos 28 anos. Na África, pela expectativa de vida em alguns lugares, esse engenheiro morrerá aos 36 anos. Terá oito anos de vida profissional. No Japão, o engenheiro morrerá aos 81. São 53 anos de exercício de profissão. É indiscutível a vantagem. Malásia e Singapura são países tropicais do Sudeste Asiático. Há meio século, eram paupérrimos. Hoje, Singapura tem nível de Primeiro Mundo, e a Malásia está perto. Uma das primeiras coisas que os dois fizeram foi combater doenças tropicais. Depois, perceberam que sua vocação econômica não era plantar nem criar gado e viraram países de comércio e manufatura.
Numa ditadura, pode-se fazer tudo rapidamente. Numa democracia, não. Os Estados Unidos levaram dez anos discutindo os males provocados pelo chumbo na gasolina até conseguir eliminá-lo. Na China, a ditadura mandou, e o problema se resolveu em um ano. É um exemplo da força positiva desse tipo de governo. Mas nas ditaduras as decisões podem ser rápidas, porém nem sempre são positivas. Há décadas, os ditadores chineses fizeram a estupidez de abolir o sistema educacional e despacharam os professores para a zona rural, onde aprenderiam coisas supostamente valiosíssimas cortando arroz ao lado dos camponeses. Foi o caos. A educação na China regrediu décadas. Nos EUA, nem no governo de George W. Bush seria possível fechar as escolas por dois anos. Nem no Brasil. Se o presidente brasileiro quisesse abolir as universidades e mandar professores cortar cana-de-açúcar, não conseguiria. É a força da democracia. Se tudo o que se faz numa ditadura fosse bom, ela seria melhor que a democracia. O problema é que não é. A ditadura reduz o mercado das ideias, a competição de ideias. A democracia tem vantagens a longo prazo.
A democracia é uma vantagem da Índia sobre a China, sim. A economia chinesa, hoje, corresponde a 30% da americana. Será fácil para a China chegar ao dobro, mas será muito difícil chegar aos 120%, passando a economia americana, como preveem por aí. Será difícil por causa da ditadura, que não tem competição de ideias. Agora, entre a China e a Índia, há outras diferenças além de democracia e ditadura. A Índia fica mais ao sul que a China, seu clima é mais seco, há desvantagens ambientais. A China tem 2 000 anos de unidade nacional. Na Índia, há muitos que se consideram sikhs ou punjabis antes de se considerar indianos.
As quatro nações têm vantagens e desvantagens. O Brasil tem feito coisas boas. A democracia brasileira é funcional. O candidato que perde a eleição não faz uma revolução. Cai fora e se prepara para a próxima eleição. É um avanço enorme. Nas últimas décadas, o progresso industrial também foi imenso. A melhor metáfora é quando tomo um avião da Embraer. Se há cinquenta anos alguém tivesse me dito que os aviões nos EUA um dia seriam brasileiros, eu teria dado risada da piada. Com os biocombustíveis e os automóveis flex, o Brasil trilha outro bom caminho. Nesse assunto, vocês estão anos-luz à frente dos EUA.
É um quadro ambíguo. O Brasil tem tido um comportamento responsável quando evita o desmatamento para a produção de biocombustíveis ou para a criação de gado. São bons sinais. Ao mesmo tempo, os piores desmatamentos do mundo hoje acontecem no Brasil. O desmatamento altera o ciclo hidrológico, reduzindo as chuvas, o que aumenta as secas e a erosão do solo. Digamos que, se eu fosse argentino e tivesse razões para detestar o Brasil, criaria uma entidade de defesa do desmatamento da Amazônia. Seria um desastre econômico para o país, e os maiores prejudicados seriam os próprios brasileiros. E eu, como argentino, ficaria feliz. Estou falando de argentino apenas como alegoria, por favor.
O erro é supor que o meio ambiente e a economia estão em oposição um ao outro. A verdade é o inverso. A razão mais forte para cuidar do meio ambiente é que não fazê-lo sai caríssimo. Conter a degradação ambiental nas fases iniciais é barato e fácil. Nos estágios avançados, é caro e, muitas vezes, impossível. Por dez anos, a prefeitura de Nova Orleans, o governo de Louisiana e a Casa Branca se recusaram a gastar 300 milhões de dólares para arrumar os diques da cidade a fim de evitar inundações. Diziam que era muito caro. Veio o Katrina, e a conta subiu para perto de 200 bilhões de dólares, sem contar as mais de 1 000 mortes de americanos. As corporações empresariais, como Coca-Cola e Walmart, estão descobrindo que a ecologia pode ser um bom negócio. O Walmart é um dos maiores varejistas de frutos do mar do mundo, e é do seu interesse combater a pesca predatória, o que tem sido feito.
É uma questão de cultura empresarial, que leva tempo para mudar. Conheço Rob Walton, filho do fundador do Walmart e hoje dirigente da empresa. Somos membros do conselho de uma entidade ecológica, a Conservação Internacional. Até alguns anos atrás, Rob não tinha interesse especial em questões ambientais. Um dia, o executivo da Conservação Internacional o convidou para uma viagem aos riquíssimos corais da Indonésia e Nova Guiné. Em duas semanas de barco nessa região remota, Rob viu três tubarões. É ridículo. Deveria ter visto três a cada cinco minutos, mas a pesca predatória dos japoneses vem dizimando a região. Rob acordou para o assunto. Hoje, o Walmart só compra frutos do mar de área com pesca sustentável. É uma cultura nova.
A dianteira americana está diminuindo, não tanto pelo declínio americano, mas pela ascensão dos demais países. Nos anos 70, visitei a Espanha, sob a ditadura franquista. Antes, visitei Portugal, sob o regime de Salazar, país então muito pobre. Os dois hoje são nações de Primeiro Mundo. Na Ásia, além de Malásia e Singapura, há a Coreia do Sul, a Tailândia, Taiwan, sem falar na própria China, que está chegando lá. Isso reduz a vantagem da liderança americana, mas existem coisas preocupantes nos EUA. A Universidade da Califórnia foi o motor do salto tecnológico. As pessoas se mudavam para o Vale do Silício, em parte porque podiam mandar seus filhos a escolas de primeira linha e estudar na Universidade da Califórnia. Hoje, o governo está reduzindo as verbas da instituição. Por um ou dois anos, dá para aceitar. Mas, se isso se prolongar, será um desastre.
Em parte, isso decorre do anti-intelectualismo americano e do fundamentalismo evangélico. O fundamentalismo evangélico é muito forte, tem ampla influência, inclusive sobre o conteúdo dos livros escolares. A base da biologia é a teoria da evolução de Darwin. Ela ensina que as coisas vivas evoluem. Não é possível ser biólogo, nem um bom médico, se você não acredita na evolução. É o mesmo que um físico não acreditar nas leis de Newton. Ou um químico duvidar da tabela periódica de Mendeleiev. Não dá para ser astrônomo se você acha que o mundo é plano. Mesmo assim, o fundamentalismo evangélico de direita se opõe ao ensino da evolução nas aulas de biologia. Isso acontece no Texas, para dar um exemplo. É um absurdo. É o fundamentalismo evangélico associado ao anti-intelectualismo.
Somos um país complexo. Nunca tivemos um presidente com Ph.D. E, se algum deles o tivesse, esconderia do eleitorado. Nenhum candidato ao Senado ou a um governo estadual exibe publicamente um título de Ph.D. Por quê? Porque pega mal. Na Alemanha, onde morei por alguns anos, a propaganda de um candidato anuncia "doutor em economia e ciência política". A chanceler da Alemanha é a "doutora Angela Merkel", acho que tem Ph.D. em física. Os alemães preferem votar em