Saturday, May 22, 2010

Carta ao Leitor


O tesouro da infância

Vladimir Godnik/Corbis/Latin Stock
Afeto: como a proteína para o corpo, ele é o alimento da alma infantil em formação


As crianças não são adultos em miniatura. São seres especiais com sensibilidade exacerbada aos sinais emitidos pelo mundo a sua volta. Cada fase da vida de uma criança exige um tipo de atenção capaz de satisfazer necessidades mentais, orgânicas e emocionais específicas. Essas demandas precisam ser atendidas a tempo e a hora para que a criança cresça sadia e equilibrada. As janelas cognitivas já são bastante conhecidas, e os pais aprendem a aproveitá-las com as brincadeiras e os estímulos adequados a cada idade. Os pediatras alertam também para o fato de que a carência de proteína de qualidade na quantidade correta até os 2 anos de idade dificilmente poderá ser compensada com uma boa alimentação nos períodos subsequentes de crescimento. A falta de carinho, o abuso e os maus-tratos, no entanto, respondem pelos danos mais incanceláveis que os adultos podem infligir a uma vida em formação.

Uma reportagem desta edição de VEJA revela os contornos reais de uma tragédia infantil que há semanas comove o Brasil. Os repórteres da revista conseguiram, com exclusividade, entrevistar a procuradora de Justiça carioca aposentada Vera Lúcia de Sant’Anna, finalmente presa, há duas semanas, depois de uma intensa caçada policial. Ela é acusada de torturar barbaramente durante 29 dias uma menina de 2 anos que pretendia adotar. A reportagem mostra que o drama dessa criança poderia ter sido evitado se os critérios da legislação brasileira de adoção fossem mais rigorosos e abrangentes.

A lei exige que a pessoa interessada em adotar demonstre, por meio de entrevistas, capacidade psicológica para receber uma criança em sua casa e informe à Justiça se responde a processos criminais. Vera Lúcia, que apresenta traços inequívocos de personalidade psicótica, conseguiu a guarda provisória da menina mesmo tendo quinze passagens anteriores pela polícia – sem que nenhuma delas tenha evoluído para a fase judicial. Crianças e recém-nascidos brasileiros abandonados têm na adoção a única chance efetiva de felicidade. O caso da procuradora carioca deveria ser um marco a partir do qual nunca mais essa oportunidade – seja por desrespeito à lei, seja por deficiência da própria legislação – possa ser destruída no Brasil.

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