Saturday, May 15, 2010

Dunga fez a coisa certa


O treinador foi contra o clamor popular não porque
seja teimoso - mas porque tem uma ideia claríssima
da seleção que terá em campo


Fábio Altman

Luiz Mello/Ag. O Dia/AE
Marco Antonio Cavalcanti
CONVICTO
O treinador, no anúncio dos selecionados, no Rio: lista construída durante três anos e meio
PIADA
Zé da Galera, de Jô Soares, que pedia "bota ponta, Telê", em 1982


Dunga é turrão. Dunga, ao erguer a taça em 1994, como capitão do tetra, xingou jornalistas e quem mais lhe passasse à frente, revide por ter sido duramente criticado. Dunga, filho de uma professora de história e geografia, afirmou, ao anunciar os 23 da África do Sul, na semana passada, que não saberia dizer se a escravidão ou a ditadura foram boas ou ruins, porque "só quem as viveu pode nos dar a resposta". Ele retrucava um comentário, pura provocação e já antigo, de que seria a favor do apartheid. Dunga é assim mesmo, boquirroto por profissão (e preparemo-nos, porque vem mais por aí). Mas fez a coisa certa ao convocar a seleção para a Copa do Mundo, deixando fora da lista principal os três grandes clamores populares: Neymar e Paulo Henrique Ganso, do Santos, e Ronaldinho Gaúcho, do Milan, este em menor grau.

"Dunga foi coerente com todo o seu trabalho, convicto do caminho que escolheu", diz o comentarista esportivo Ruy Carlos Ostermann. O treinador tem uma ideia de time na cabeça - forte na marcação, construído por atletas com experiência no exterior e formado apenas por homens de cega confiança. Foram três anos e meio na mesmíssima tecla. O último a cair - Adriano, do Flamengo - foi cortado não pelo que fez nos gramados recentemente, mas pelo comportamento fora dele. "Dunga é assim, conservador, surdo a tudo aquilo que não combine com o que planejou", diz Ostermann. Trata-se de um elogio.

O sucesso passado não desculpa erros futuros, mas convém prestar atenção nos resultados do treinador gaúcho na seleção: 53 jogos, 37 vitórias, onze empates e apenas cinco derrotas. No meio do caminho, ele venceu a Copa América e a Copa das Confederações, a Argentina e a Itália e ainda goleou Portugal por 6 a 2. Fechado o primeiro ciclo vitorioso, Dunga definiu essa seleção como a correta para a Copa - salvo surpresas de última hora, como a que excluiu Adriano. Não haveria motivos, portanto, para tirar quem foi bem. Há coerência no acerto - e não no erro.

De fevereiro para cá, na entressafra da seleção, os dois jogadores do Santos, Neymar e Ganso, explodiram, fizeram mágica no Campeonato Paulista e na Copa do Brasil, deram espetáculo - e como foi bonito vê-los jogar. "São dois grandes talentos e, certamente, terão um grande futuro na seleção, mas infelizmente apareceram tarde demais", diz Dunga. Os críticos do treinador costumam lembrar de Pelé, que foi para a Copa de 1958 com apenas 17 anos de idade. O próprio Pelé trata de rechaçar a indevida comparação. "Quando me chamaram, apesar de muito jovem, já tinha algum destaque na seleção", recorda. Aos números: antes de entrar em campo contra a União Soviética, em 1958, Pelé fez cinco jogos pela seleção, com cinco gols marcados. Mas e Grafite (convocado no lugar de Adriano), que jogou apenas 46 minutos na seleção, não lhe falta experiência? No caso dele, Dunga simplesmente escolheu um jogador de características semelhantes às do que saiu - Neymar, ressalve-se, não é centroavante.

Evidentemente, todo mundo que é experiente já foi inexperiente um dia, e teve uma primeira chance. Nem sempre, contudo, as oportunidades oferecidas são bem aproveitadas. Edu (16 anos, do Santos) e Tostão (19, do Cruzeiro) foram levados por Feola para a fracassada e caó-tica Copa de 1966. Em 1970, Tostão entraria para o rol dos maiores de todos os tempos - e nunca se soube que a derrota de quatro anos antes tenha sido boa para sua formação profissional. Zagallo não levou o magnífico meia Dirceu Lopes, do Cruzeiro, para a campanha do tri em 1970, na contramão do que pedia o país inteiro. Felipão deixou Romário em casa em 2002 - e o baixinho não fez falta alguma no time campeão de Ronaldo, Rivaldo e Ronaldinho Gaúcho.

No futebol, a memória costuma ser seletiva e fraca. A cada quatro anos, lembre-se, é sempre a mesma coisa - e o treinador, ei-lo acuado no canto do ringue, seja zangado como Dunga, seja pacífico como Parreira. A seleção de 1982, de Zico, Sócrates, Júnior e Falcão, entrou para as enciclopédias pelo belo toque de bola - belo mas incapaz de segurar a Itália de Paolo Rossi. Hoje, aquela derrota por 3 a 2 é sempre esquecida quando se trata de ressaltar a beleza dos bailarinos de Telê Santana, realmente soberbos. Mas Telê, antes da Copa, foi alvo de uma campanha mais forte até do que a dos atuais defensores de Neymar e Ganso. "Bota ponta, Telê", dizia o personagem Zé da Galera, criado por Jô Soares, cujo bordão contaminou o país. E Telê - ranzinza como Dunga, mas com outro estilo - não pôs ponta. Perdeu, mas teve uma segunda chance em 1986. Defendia-se, às vésperas da convocação, com uma frase que parece ter saído da boca de Dunga: "O ponta que não arma, que não dá combate, não volta para marcar foi banido dos melhores times do mundo".

Dunga, em caso de derrota, certamente não terá a segunda chance de Telê. Muito se disse, na semana passada, que ele teve medo de convocar Neymar e Ganso. É improvável. Nada mais corajoso que levar quem levará. "Se o Brasil ganhar, haverá um silêncio cerimonioso em relação a Dunga", diz Ostermann. "Se perder, ele será condenado." E, ressalve-se, seria condenado, na derrota, mesmo se tivesse listado Neymar, Ganso e Ronaldinho.

Os onze titulares...

Júlio César
Goleiro
Inter de Milão
(Itália)
Jogos com Dunga: 36
Maicon
Lateral direito
Inter de Milão
(Itália)
Jogos com Dunga: 44
Lúcio
Zagueiro
Inter de Milão
(Itália)
Jogos com Dunga: 34
Juan
Zagueiro
Roma
(Itália)
Jogos com Dunga: 30


Michel Bastos
Lateral esquerdo
Lyon
(França)
Jogos com Dunga: 3
Gilberto Silva
Volante
Panathinaikos
(Grécia)
Jogos com Dunga: 46
Felipe Melo
Volante
Juventus
(Itália)
Jogos com Dunga: 16
Elano
Meia
Galatasaray
(Turquia)
Jogos com Dunga: 39


Kaká
Meia
Real Madrid
(Espanha)
Jogos com Dunga: 34
Robinho
Atacante
Santos
(Brasil)
Jogos com Dunga: 47
Luis Fabiano
Atacante
Sevilla
(Espanha)
Jogos com Dunga: 24


...e os doze reservas

Gomes
Goleiro
Tottenham
(Inglaterra)
Jogos com Dunga: 4
Doni
Goleiro
Roma
(Itália)
Jogos com Dunga: 10
Daniel Alves
Lateral direito
Barcelona
(Espanha)
Jogos com Dunga: 34
Luisão
Zagueiro
Benfica
(Portugal)
Jogos com Dunga: 22


Thiago Silva
Zagueiro
Milan
(Itália)
Jogos com Dunga: 6
Gilberto
Lateral esquerdo
Cruzeiro
(Brasil)
Jogos com Dunga: 22
Josué
Volante
Wolfsburg
(Alemanha)
Jogos com Dunga: 26
Kléberson
Volante
Flamengo
(Brasil)
Jogos com Dunga: 4


Ramires
Meia
Benfica
(Portugal)
Jogos com Dunga: 11
Júlio Baptista
Meia
Roma
(Itália)
Jogos com Dunga: 26
Nilmar
Atacante
Villarreal
(Espanha)
Jogos com Dunga: 10
Grafite
Atacante
Wolfsburg
(Alemanha)
Jogos com Dunga: 1


Fotos Getty Images/AFP/Reuters/Ag. O Globo

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