Colômbia pós-FARC
A promessa dos candidatos de não negociar com o terror
e a preocupação das pessoas com outros temas mostram
um país rumo à normalidade
Ana Claudia Fonseca, de Bogotá
Fotos William Fernando Martinez/AP e Corbis Latinstock![]() |
SÍMBOLO POSITIVO Em um comício em Bogotá, crianças e jovens erguem seus lápis, representando o foco da campanha de Mockus na educação. Abaixo, o presidente Uribe |
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Um um movimentado cruzamento do centro de Bogotá, um grupo de estudantes vestidos com camiseta verde e segurando girassóis interrompe o trânsito caótico para distribuir santinhos. Em outro bairro, adolescentes barulhentos invadem restaurantes com balões amarelos. Essas são as cenas urbanas dominantes a poucos dias do primeiro turno das eleições presidenciais na Colômbia, em 30 de maio. As manifestações espontâneas de jovens, conhecidas como flash-mobs, são organizadas pela internet por meio de sites de relacionamento como Facebook e Twitter. O objetivo é quase sempre mostrar apoio a El Profe (O Professor), como o candidato Antanas Mockus é apelidado. O entusiasmo juvenil transformou uma campanha eleitoral que tinha tudo para ser monótona e previsível em uma das disputas mais surpreendentes da história recente da Colômbia. Até março, Mockus, do minúsculo Partido Verde, acumulava menos de 9% das intenções de voto. Na semana passada, tinha 37% e estava tecnicamente empatado em primeiro lugar com o ex-ministro da Defesa Juan Manuel Santos, herdeiro político do presidente Álvaro Uribe. Em terceiro lugar está Noemí Sanín, do Partido Conservador, com 8% dos votos. No segundo turno, Mockus teria uma vantagem de 5 pontos porcentuais sobre Santos. As pesquisas também preveem um comparecimento às urnas de 70%, inédito no país.
A mesma Colômbia que hoje experimenta o frescor de uma campanha eleitoral capaz de mobilizar de tal forma a juventude, um fenômeno invejável em qualquer democracia, até recentemente era um país sem esperança, refém do narcotráfico e do terrorismo. "Algo extraordinário está ocorrendo neste país", diz o analista político Jorge Gaitán Villegas, de Bogotá. Até poucos meses atrás, tudo indicava que o próximo governante da Colômbia seria apontado por Uribe. O presidente chega ao fim do segundo mandato com uma aprovação de 70%, conquistada principalmente com sua bem-sucedida política de segurança nacional, cuja meta era reduzir o poder das organizações criminosas que paralisavam o país. Quando Uribe assumiu o governo, em 2002, a população sofria uma média de seis atentados, sete sequestros e duas mortes por dia como consequência das atividades de grupos como as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), o Exército de Libertação Nacional (ELN) e os paramilitares. Atualmente, a Colômbia está mais segura. A participação do país na oferta mundial de cocaína, por exemplo, passou de 96% para 51%. O sucesso não veio sem efeitos colaterais. Depois de uma queda abrupta nas grandes cidades, as taxas de homicídio voltaram a crescer nos últimos meses. Isso aconteceu porque, como ficou mais difícil exportar a droga, o mercado interno aumentou. A violência urbana, no entanto, ainda é menor que nas metrópoles brasileiras.
O principal acerto de Uribe foi tratar as Farc e outros grupos como organizações criminosas, e não mais como entidades políticas. O governo anterior, de Andrés Pastrana, foi eleito com a promessa de fechar um acordo de paz com as Farc. Para demonstrar boa vontade, retirou as tropas de um território do tamanho do estado do Espírito Santo, mas os terroristas usaram a oportunidade para ampliar sua área de influência. A política de mão pesada com os criminosos adotada por Uribe é um sucesso tão grande que tanto Santos como Mockus prometem dar continuidade a ela. "Isso criou um paradoxo na campanha eleitoral. Ao mesmo tempo em que os colombianos são agradecidos a Uribe pela melhoria na segurança, apreciam políticos com um discurso diferente, centrado em questões como a reforma no sistema de saúde, o aumento da oferta de emprego e o combate à corrupção", diz o cientista político Michael Shifter, do Inter-American Dialogue, em Washington. Quando a Corte Constitucional decretou que Uribe não poderia concorrer a um terceiro mandato – sim, ele também flertou com essa medida populista –, houve quem achasse que os colombianos entrariam em pânico. O que se observa no cotidiano é o contrário: numa comprovação de que ninguém é insubstituível, o país espera, sem sobressaltos, o fim do seu governo. "Estamos cansados de guerra. Já é hora de começar a nos preocupar com outros assuntos, como o desemprego e o sistema de saúde", afirma o corretor de imóveis Pedro Valdéz, de Bogotá.
Santos tem a seu favor o apoio presidencial e a máquina do governo, sem contar o fato de pertencer a uma das famílias mais ricas e tradicionais do país. Ele também herda os erros cometidos por seu padrinho político. O governo Uribe não foi perfeito. Durante o segundo mandato, um terço dos membros do Congresso, inclusive muitos aliados do presidente, foi acusado de envolvimento com esquadrões da morte e narcotraficantes. Nenhum escândalo, no entanto, supera o dos "falsos positivos", um eufemismo para descrever a tática de alguns militares de atrair desempregados para a selva e assassiná-los, contabilizando os corpos como sendo de terroristas mortos em combate para receber recompensas do governo. A promotoria pública investiga a morte de 1.270 pessoas nessas condições. Nesse contexto, Antanas Mockus (Antonio Messias, em lituano) acabou sendo o candidato certo no país certo. Com seu discurso de lisura e um tipo raro de carisma – aquele que advém de posturas excêntricas quase sempre inadequadas em um adulto –, ele se tornou uma alternativa viável para os eleitores que vislumbram uma nova fase, pós-Farc, na história da Colômbia. Não que os escândalos tenham afetado a imagem de Uribe. O presidente colombiano desfruta o chamado efeito Teflon, nada cola nele. Já Santos, o seu candidato, não nasceu com o mesmo revestimento antiaderente. Como foi ministro da Defesa de Uribe, acaba sobrando para ele dar explicações sobre os abusos cometidos pelos militares. "Com isso, muitos eleitores viraram mockusianos sem deixar de ser uribistas", explica Carlos Caballera Argáez, diretor da Escola de Governo da Universidade de los Andes, em Bogotá.
Mockus não é de esquerda, como os adversários chegaram a afirmar no começo da campanha. Ele só é esquisito. Desde que abaixou as calças no palco para calar um auditório repleto de estudantes, na década de 90, Mockus vem fazendo manchetes e atraindo seguidores. O ato impulsivo custou o cargo de reitor da Universidade Nacional, em Bogotá, mas deu-lhe a projeção necessária para se eleger prefeito da capital duas vezes, em 1995 e em 2001. Foram administrações elogiadas apesar da adoção de medidas incomuns, como a de substituir 3.200 guardas de trânsito por mímicos que zombavam dos motoristas transgressores. Os moradores de Bogotá devem ter mais medo do ridículo do que de multas, porque as mortes no trânsito caíram pela metade. Mockus também se deixou filmar para a televisão tomando banho ao lado da mulher, Adriana, para ensinar os cidadãos a economizar água. Bizarrices à parte, ele pôs as contas da prefeitura em dia, diminuiu a criminalidade, melhorou a infraestrutura da capital e foi um campeão da disciplina fiscal.
No mesmo momento em que começou a subir nas pesquisas, Antanas Mockus anunciou que sofre de Parkinson. Em um terço dos pacientes, a doença leva à demência. Mockus garante que, segundo os médicos, isso não ocorrerá com ele tão cedo. Durante entrevista a VEJA, sua mão direita tremia levemente, um possível sinal dos estágios iniciais da doença. A sinceridade do candidato ao lidar com o assunto agradou ao eleitorado. O problema de Mockus é a representação no Congresso. Nas eleições parlamentares de 14 de março passado, o Partido Verde obteve apenas 5% das cadeiras do Senado e 1% na Câmara dos Deputados. Isso pode prejudicar a governabilidade, a não ser que Mockus ceda aos conchavos políticos que tanto critica. Santos não teria esse problema. Negociador hábil e bom conhecedor dos bastidores do poder – além da pasta da Defesa, comandou os ministérios do Comércio e da Fazenda –, ele passaria com mais facilidade reformas necessárias e espinhosas como a da saúde, a tributária, a fiscal e a trabalhista. O desemprego caiu no governo Uribe, mas ainda está na faixa de 12%, um dos mais altos na América Latina, contra 7% no Brasil. "Os custos para criar postos de trabalho na Colômbia continuam altos", diz o economista Roberto Steiner, diretor executivo da Fundação para a Educação Superior e o Desenvolvimento, de Bogotá. "Seja quem for o eleito, o legado de Uribe está garantido, o que é muito bom para a estabilidade do país", afirma German Efromovich, dono da Avianca, a maior empresa aérea do país. Que venha a fase pós-Farc da Colômbia.
Fotos Federico Rios/Corbis/Latinstock e Paulo Vitale![]() |
SEGURANÇA E ECONOMIA Militar protege rua de Medellín e empacotadores preparam rosas para exportação: os eleitores estão preocupados com o desemprego |
Shakira e os pés descalços
A cantora colombiana Shakira Mebarak, amiga do presidente Álvaro Uribe, criou, em 2003, a Fundação Pies Descalzos, com o objetivo de educar crianças vítimas da violência do narcoterrorismo. Ao todo, são cinco escolas erguidas com dinheiro e trabalho de voluntários: duas nos arredores de Bogotá, uma em Quibdó, no litoral do Pacífico, e duas em Barranquilla, no Caribe, onde a cantora nasceu. As escolas atendem atualmente 1 000 crianças. "Aqui elas recebem ajuda psicológica para lidar com traumas do conflito armado, alimentação regrada e educação de qualidade", diz a diretora do programa, Patricia Sierra. Shakira, que mora nos Estados Unidos, costuma ir três a quatro vezes por ano às filiais da fundação. Nas visitas, conversa, brinca e, é claro, dança com as crianças. A Colômbia é o segundo país do mundo em número de refugiados internos. Está atrás apenas do Sudão, na África. O Comitê Internacional da Cruz Vermelha estima que mais de 3 milhões de pessoas, ou 7% da população, tenham sido expulsas de casa e de suas terras pelas Farc, por paramilitares, por traficantes ou pela fome nas últimas quatro décadas. Metade é composta de menores de 18 anos. As regiões mais atingidas são a costa do Pacífico e o sul do país. A taxa de analfabetismo entre os refugiados é de 14%, e 59% das crianças estão desnutridas. Famílias de refugiados também compõem os 45,5% de colombianos que vivem com menos de 2 dólares por dia. Criar empregos e melhorar as condições de vida dessas pessoas será um dos principais desafios da Colômbia pós-Farc. |
"Os terroristas estão encurralados"
A Colômbia está vencendo o terrorismo? A criminalidade voltou a crescer nas grandes cidades, depois de um período de queda. Como resolver o problema? Como será a relação de seu governo com Hugo Chávez? |
"Não negocio com as Farc"
Filho único de imigrantes lituanos, o ex-professor de matemática Antanas Mockus, de 58 anos, conversou com VEJA dentro de um carro blindado escoltado pelo Exército, durante viagem de campanha entre as cidades de Manizales e Pereira, na zona cafeeira. Esta é a terceira vez que o senhor se candidata à Presidência. Em 2006, obteve menos de 2% dos votos. Agora, é um dos favoritos para vencer a eleição. O que mudou? Os colombianos estão prontos para encerrar o capítulo do narcoterrorismo? Como pretende lidar com as Farc? |