Saturday, May 15, 2010

Carta ao Leitor


A riqueza sem culpa

São Marcos, evangelista, e a condenação dos ricos:
na estagnação, enriquecer é pecado; no crescimento, é virtude

É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus", escreveu o evangelista Marcos. São diversas as causas da condenação dos ricos em todos os tempos, comumente descritos como espertalhões, ambiciosos, sovinas, exploradores, avaros e cruéis. A principal delas deriva do fato de que foram raros os períodos históricos de prolongado crescimento geral da riqueza. Isso ocorreu no auge do Império Romano, no pós-guerra do século XX e está acontecendo agora com a globalização dos mercados. Em economias estagnadas, o enriquecimento de alguns poucos implica o empobrecimento de muitos outros. É uma questão lógica. Quando não há produção de riqueza, seu acúmulo só pode ser feito por indivíduos ou grupos que consigam arrancar parte ou a totalidade dos bens dos outros.

Por essa razão, uma das mais formidáveis consequências morais do crescimento econômico, e talvez um de seus motores, é justamente a retirada da carga de culpa dos ombros de quem se empenha em acumular riqueza. O exemplo mais clássico disso vem da China, que, depois de sobreviver por milênios no nível mínimo de subsistência, foi tocada pela palavra de ordem "enriquecer é glorioso", criada pelo líder Deng Xiaoping, morto em 1997. Desde então, quase 500 milhões de chineses atingiram a prosperidade – em gradações desiguais, é certo. Mas eles estão em situação incomparavelmente melhor que a da igualdade na escassez oferecida pelo comunismo.

Uma reportagem especial desta edição de VEJA se debruça sobre um fenômeno alvissareiro no Brasil, a subida da maré da economia que tirou milhões de pessoas da pobreza e está elevando à condição de milionários dezenas de milhares de brasileiros da classe média. Isso se deve a uma economia que vem crescendo, em certos setores, em um ritmo chinês e que, no todo, deve chegar a dezembro com um PIB 7% maior. Tornou-se probabilisticamente mais fácil para um brasileiro enriquecer trabalhando e investindo do que jogando na loteria. A reportagem mostra que esses novos milionários, se podem não ter lugar assegurado no céu, pelo menos estão ajudando outros brasileiros aqui na terra, pois ao tempo que acumulam riqueza eles a produzem. Sem culpa.

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