Saturday, April 10, 2010

Uma guerra travada nas sombras


Em Zona Verde, mais uma vez Matt Damon e o diretor Paul Greengrass
se unem para transformar o filme de ação em algo incomum:
um exemplo de inteligência


Isabela Boscov

Everett Collection/Grupo Keystone
A DÚVIDA DO SOLDADO
Damon como Roy Miller, que busca (e, claro, nunca encontra) armas de destruição em massa no Iraque: cumprir ordens não basta – é preciso ter certeza de que elas devem ser cumpridas

Desde o primeiro instante de Zona Verde (Green Zone, Estados Unidos/Inglaterra, 2010), que estreia no país na sexta-feira, o espectador é atirado dentro da ação: o subtenente Roy Miller (Matt Damon) e sua unidade estão tentando adentrar uma edificação abandonada no Iraque, onde se suspeita haver agentes químicos e biológicos perigosos. Mas moradores estão saqueando o prédio, os soldados não conseguem impor ordem, e um franco-atirador iraquiano está alvejando todos que cruzam sua linha de fogo. É uma barafunda de ordens, contraordens, gritos, explosões e disparos – e a tarefa de Miller é guiar-se dentro dela e cumprir sua missão. Trata-se de uma descrição que serve não só a essa tensa cena inicial, como a todo o filme: está-se em maio de 2003, quando a ocupação americana do Iraque não contava nem dois meses; diversas vezes já, nesse período, Miller fora enviado a missões semelhantes; e em nenhuma delas havia encontrado algo que se assemelhasse às armas de destruição em massa que serviram de justificativa à invasão. Miller está cada vez mais inquieto com essas falhas de inteligência. De sua aproximação com um oficial da CIA (o magnífico Brendan Gleeson) e do encontro fortuito com um iraquiano (o igualmente soberbo Khalid Abdalla), que o põe na pista de um general leal ao ditador Saddam Hussein, o subtenente designa para si mesmo, então, uma outra missão: descobrir de onde estão vindo as informações fornecidas a ele, e por que elas invariavelmente levam a becos sem saída.

Zona Verde, como se pode depreender, é uma ficcionalização de uma história real – a história de como assessores próximos do presidente George W. Bush alijaram a CIA do planejamento da invasão do Iraque e de como abriram assim caminho para o que viria a se revelar um dos mais escandalosos casos de má conduta de um governo: a fabricação da informação de que Saddam mantinha arsenais químicos, biológicos e até nucleares espalhados pelo país. O que torna o filme singular, porém, é a perspectiva escolhida pelo diretor Paul Greengrass. Em vez de ambientar a história nos bastidores do poder, conta-a do ponto de vista de um oficial de médio escalão – alguém que tem algum acesso a fontes privilegiadas, mas que, para elucidar suas suspeitas, tem de agir de forma sub-reptícia, esgueirando-se entre o pandemônio nas ruas de Bagdá e as intrigas na Zona Verde, como era chamada a área da cidade na qual se aquartelaram o comando da guerra e também os jornalistas.

O inglês Greengrass, um dos mais inovadores e contundentes cineastas em atividade, usa de forma épica essa mobilidade do protagonista. Seguindo uma filosofia que depura mais a cada novo filme (ele é também autor, pela ordem, de Domingo Sangrento, A Supremacia Bourne, Voo United 93 e O Ultimato Bourne), ele faz tudo convergir para a ação: ela revela quem são os personagens e os molda, ela conduz a história e ela é, em muitos sentidos, a razão de ser do filme. Não há pausa para respirar em Zona Verde. Seja em uma caótica perseguição por vielas escuras, seja numa troca de informações sigilosas à beira de uma piscina, tudo é filmado como num turbilhão: não há tempo para que Miller pondere uma decisão, só para agir e esperar que tenha dado o passo certo.

Miller, aliás, com sua suspeita terrível de que está sendo usado para acobertar uma mentira, mas também com seu pragmatismo de soldado, é o único centro estável do filme – e é virtualmente impossível imaginar ator mais adequado a essa incumbência do que Matt Damon. Também ele se aperfeiçoa a cada novo trabalho, destilando um estilo de interpretação ultraeconômico, calcado na deliberação e desafeito a gestos histriônicos. Juntos, ator e diretor, que já haviam feito parceria nos dois últimos Bourne, vêm revolucionando o filme de ação em um aspecto ainda mais relevante que o dessa linguagem urgente e semidocumental. Seu feito extraordinário, na verdade, é transformar a ação no reduto improvável da inteligência em Hollywood.

Trailer

Blog Archive