Por dentro da ONG da Madonna
Não foi só pelos belos olhos de Jesus Luz que Madonna deu o ar de sua loira graça no Brasil em novembro e, de novo, em fevereiro, sem cantar uma só música. O objetivo maior das duas visitas era arrecadar dinheiro, não para si, que já tem 450 milhões de dólares, mas para a entidade beneficente do seu coração: a Success for Kids, ou SFK, uma organização não governamental americana dedicada à educação infantil. Saiu-se muito bem na missão. No Rio de Janeiro, em novembro, foi jantar com o empresário bilionário Eike Batista e de lá saiu com 7 milhões de dólares; de outras fontes jorraram mais 3 milhões na mesma ocasião. No Carnaval, passou meia hora em um camarote de cervejaria e de lá saiu com um checão de 1 milhão de dólares. Mas, afinal, o que exatamente vem a ser a SFK, depositária de todos esses milhões, e o que Madonna tem a ver com isso? Respostas: a SFK prepara para o futuro crianças com pouco futuro; foi fundada por Karen Berg, a porção feminina do casal que comanda o Kabbalah Centre, escola de estudos da cabala com sede em Los Angeles; Madonna é da cabala, é amiga de Karen e é milionária com preocupações sociais. Os pontos se juntaram e deu no que deu – para certo constrangimento dos dirigentes locais da SFK, que, ciosos da seriedade do projeto, fazem de tudo para se desgrudar da cantora. Falando com eles, parece que mal ouviram falar nela. Além do Brasil, Madonna se empenha pessoalmente – fazendo altas doações próprias, inclusive – em projetos da SFK no Malaui, na África, onde já esteve e adotou duas crianças. Mas a entidade atua também em Israel, Inglaterra, México, Panamá, Estados Unidos e Rússia. No Brasil, aportou em 2008 e tem escritórios instalados no Rio de Janeiro e em São Paulo. Cinco professores ("facilitadores") contratados e treinados e sessenta monitores voluntários, todos animadíssimos, ministram cursos a crianças inscritas em sete (por enquanto) ONGs locais. Por meio de brincadeiras, fantoches, pinturas e teatro, os alunos aprendem práticas comportamentais que, segundo a SFK, podem fazer deles adultos mais bem-sucedidos do que seus pais e os pais dos amigos. "Queremos que essas crianças se tornem capazes de assumir responsabilidades, fazer escolhas mais sábias, importar-se com os outros e, acima de tudo, mudar seu próprio destino", explica o educador americano Heath Grant, coordenador pedagógico da instituição. "Nossa meta é mostrar ao menino que tem pai preso e mãe alcoólatra que aquele não é necessariamente o seu futuro", completa a brasileira Estela de Wulf, diretora da SFK no Brasil.A SFK diz que seu objetivo é ensinar crianças carentes
a buscar um futuro melhor. E com mais "espiritualidade"
Juliana LinharesRoberto Setton DESENHO ANIMADO
Professora da SFK em ação: ensinando que as crianças podem "mudar o destino"Sebastião Moreira/EPA/Corbis/Latin Stock FURAR PARA REJUVENESCER
No consultório, movimentos em vaivém,
em todas as direções
Seguindo uma espécie de cartilha ilustrada, cada turma de 35 alunos entre 8 e 12 anos tem uma aula por semana, durante dois anos. "As atividades são simples e a meninada adora. A aula é um dos pontos altos de sua semana", elogia Glorialuz Barros, coordenadora da Crescer Sempre, de São Paulo, uma das parceiras da SFK e entusiasta da entidade. A cartilha usa e abusa de termos como "luz", "espiritualidade" e "poderes espirituais", mas tanto Grant quanto Estela – ambos estudiosos de cabala, braço místico do judaísmo – insistem que não há nada de religião nos cursos. "É verdade que alguns dos nossos temas também são tratados na cabala. Mas toda religião ou filosofia de vida fala desses bons ensinamentos", diz Grant. Para desvincular o curso de qualquer conotação religiosa, o nome original, Spirituality for Kids (espiritualidade para crianças) foi mudado para Success (sucesso) for Kids. Por isso e por dinheiro também. "Os empresários não queriam pôr dinheiro numa organização relacionada à espiritualidade", comenta uma doadora brasileira. Embalada pelo esforço arrecadador de Madonna, pela boa avaliação mútua das parcerias que já firmou e pela boa recepção dos alunos, a SFK tem planos ambiciosos de expansão no Brasil: de 1 500 alunos atendidos neste ano, quer passar para 9 000 em 2011 e 14 000 em 2012. Nesse ritmo, estima que precisará de 1,2 milhão de reais neste ano, 5 milhões em 2011 e uns 7 milhões em 2012, tudo fruto de doações. Pelo jeito, Madonna ainda virá muito aqui.