Saturday, April 24, 2010

O imperador de Inhotim


Como Bernardo Paz, empresário da mineração, montou um instituto
de arte tão pitoresco quanto espetacular em um lugarejo mineiro


Marcelo Marthe

Fotos Bruno Magalhães/Nitro
ESTILO TRATOR
Paz e a instalação De Lama Lâmina, cuja cúpula de vidro lembra um óvni na mata: a obsessão
do empresário é criar uma Disneylândia da botânica e da arte contemporânea


Em 2006, o mineiro Bernardo Paz recebeu um especialista em plantas na sua fazenda em Brumadinho, cidade de 34 000 habitantes a 60 quilômetros de Belo Horizonte. Paz havia acabado de transformar seus 97 hectares em uma mescla de jardim botânico e museu devotado à arte contemporânea – o Instituto Cultural Inhotim. Só que, ao se gabar das palmeiras, ouviu uma crítica do engenheiro agrônomo Harri Lorenzi. "Eu o adverti: ‘Meu amigo, essa sua coleção não tem nada de extraordinário. Faltam centenas de espécies nativas’", conta Lorenzi. De imediato, diante do convidado, Paz repreendeu o responsável pelo jardim (que logo seria demitido). Ao retornar ao local, no ano passado, Lorenzi se assombrou: "Até onde sei, ele montou a maior coleção de palmeiras do mundo, com mais de 1 000 espécies". O episódio resume o homem e sua obra. Na aparência, Paz – que cultiva uma juba branca à la Oswaldo Montenegro e recebe os visitantes descalço – é todo zen. Por trás da estampa riponga, contudo, há um leão obcecado em tornar cada vez mais grandiosa aquela que vê como a "obra de uma vida".

No começo da década, o empresário do ramo da mineração ganhou notoriedade como um mecenas agressivo e pitoresco. Mas, para muitos, Inhotim – o destino das obras que comprava – parecia um capricho sem sentido. Distante do eixo Rio-São Paulo e fora de mão mesmo para quem vem de Belo Horizonte, a região era, até poucas décadas atrás, sede de um leprosário. Quatro anos depois de sua abertura, contudo, a instituição já atrai público. Sua exuberância, sustentada por recursos do próprio empresário e também obtidos com leis de incentivo, contrasta com a penúria de boa parte das instituições culturais do país. No ano passado, Inhotim recebeu 130 000 visitantes (além de 21 000 estudantes, a maioria por meio de um convênio com a prefeitura de Belo Horizonte) e inaugurou nove novas atrações. Entre elas contam-se uma
instalação do carioca Hélio Oiticica (1937-1980) e a galeria que abriga De Lama Lâmina, obra do americano Matthew Barney que consiste em um trator suspendendo no ar um tronco de árvore artificial (Barney adora uma esquisitice: é casado com a cantora islandesa Björk). O efeito da obra e do prédio que a abriga sai amplificado pelo cenário – de fora, o conjunto parece um óvni estacionado no meio da mata. Ao inserir a arte contemporânea em um ambiente tropical, Inhotim lhe confere um sentido menos inócuo do que se depreenderia ao observá-la em uma bienal.

A ambição do mecenas é criar uma Disneylândia da arte e da botânica. "Isto aqui não é um museu. É um lugar", diz. Ele quer construir um albergue para estudantes, três hotéis de categorias distintas, um centro de convenções, um teatro e um aeroporto. "Sou da tribo das pessoas que só querem fazer, fazer, fazer. E isso põe todo mundo aqui louco", afirma Paz, que, aos 59 anos, controla a ansiedade com calmantes, antidepressivos e dois maços de cigarro por dia. Inhotim surgiu no fim dos anos 80, quando Paz se tornou próximo do paisagista Roberto Burle Marx (1909-1994) e obteve dele – na base da camaradagem – palpites para montar seu jardim.

A ideia de transformá-lo em uma instituição aberta ao público nasceu em 1995, quando o empresário se viu confrontado com a morte: sofreu um derrame em Paris, durante uma escala em uma viagem de negócios à China. "Percebi que meu legado poderia ser esse ambiente mágico, onde as pessoas vivem uma experiência interior única", diz. Ele concluiu que a melhor forma de imprimir esse significado luminoso a seu jardim seria salpicá-lo de arte, em uma versão radicalizada dos tradicionais jardins de esculturas. Convencido pelo artista pernambucano – e amigo – Tunga de que não deveria investir em "medalhões mortos", ele se desfez de seu acervo de arte moderna e passou a colecionar contemporâneos, como o próprio Tunga, os cariocas Cildo Meireles e Adriana Varejão e o dinamarquês Olafur Eliasson. A galeria mais espetacular é a de Adriana, que tem três andares e parece flutuar sobre um espelho-d’água. "Inhotim é o sonho de todo artista: um lugar que acena com liberdade total e recursos generosos", diz a artista. Ela conseguiu não só um colecionador, mas também um maridão: Adriana e Paz casaram-se em 2005 (ele, pela quinta vez) e têm uma filha de 4 anos.

Ao criar seu "lugar mágico" – inaugurado em uma boca-livre antológica, com dois Airbus fretados para o translado de convivas –, Paz esperava elogios. Não foi assim. Ele enfrentou pressões familiares. "As mães dos meus seis filhos querem me matar por enterrar todo o dinheiro deles aqui", afirma. Uma das ex despachou um médico para sondá-lo. "Ela achava que eu estava doido." O imperador de Brumadinho também teve sua imagem abalada pelo envolvimento do irmão, Cristiano Paz, no escândalo do mensalão petista, em 2005. O publicitário era sócio do nefasto Marcos Valério. "De repente, minha obra foi colocada sob suspeição", diz.

Paz declara ter despejado em Inhotim cerca de 90 milhões de dólares, o que o tornaria um mecenas comparável a Ciccillo Matarazzo, financiador do acervo estupendo do Museu de Arte Contemporânea (MAC), em São Paulo. Boa parte desse montante, de acordo com Paz, provém de uma bolada de 150 milhões de dólares que ele teria recebido no exterior pela venda de uma mina no Brasil. O dinheiro teria sido doado à Horizontes, empresa que administra o instituto, por meio de uma firma no paraíso fiscal das Ilhas Virgens Britânicas. "Pus o grosso do dinheiro em Inhotim. O restante, a Horizontes emprestou a uma empresa minha para saldar dívidas", conta. A empresa em questão era a mineradora Itaminas – que, recentemente, teve sua venda acertada para um grupo chinês por 1,2 bilhão de dólares. Paz pretende usar parte da quantia para quitar seus débitos empresariais, que ele calcula serem da ordem de 400 milhões de dólares. "Como escolhi ser um homem público, não posso dar margem a ilações", afirma.

O mecenas paga comissões entre 80 000 e 100 000 dólares por obra, além de bancar o material para sua confecção. Ele se enfronhou na arte contemporânea para conviver com os artistas, que via como criaturas extraordinárias. A proximidade o fez rever essa ideia: "Artistas cansam. Ninguém aguenta as pirações deles por muito tempo". No casamento com Adriana Varejão, Paz se adapta como pode às injunções da mente criadora. Ela mora no Rio de Janeiro. Ele vive isolado em Inhotim. "Como eu poderia manter essa mulher, uma artista, presa aqui?", diz. Ademais, Paz reconhece não ser um marido fácil. "Sou um ermitão."

Fotos João Marcos Rosa/Ag. Nitro e Bruno Magalhães/Nitro
O PALÁCIO DA PRIMEIRA-DAMA
Uma das galerias de Inhotim abriga obras da artista plástica carioca Adriana Varejão – que, durante a construção, acabaria se casando com o mecenas Bernardo Paz. Dentro do prédio (à dir.), uma estrutura de concreto de três andares que parece flutuar sobre um espelho-d’água, há peças como Linda do Rosário (à esq.) – uma parede de azulejos da qual brotam vísceras feitas de poliuretano e pintadas a óleo
EXUBERÂNCIA TROPICALISTA
Os jardins de Inhotim, com obra de Hélio Oiticica: a maior coleção
de palmeiras do mundo

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