Saturday, April 24, 2010

Demos graças a Grace


Exposição em Londres reverencia Grace Kelly, a atriz que encerrou
a carreira no auge para virar princesa e assim congelou para sempre
sua imagem de clássica perfeição

Kobal/Other Images
ACIMA DO TEMPO
Grace numa nuvem de chiffon, no antológico vestido de Janela Indiscreta, e fazendo de escudo a bolsa famosa (na foto à direita): elegância suprema

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Em seu apogeu, Hollywood especializou-se em criar dois tipos de divindades femininas, arquétipos de mulheres cravados no fundo da mente coletiva da humanidade. Uma era a diva: temperamental, volátil, complicada, erótica, dionisíaca. Em outras palavras, Marilyn Monroe. A outra era a deusa: clássica, etérea, enigmática, apolínea. Em resumo, Grace Kelly. As mulheres intuíam que os homens desejavam Marilyn, mas no fundo elas sempre quiseram ser Grace. Ou, pelo menos, ter as roupas dela. Sinônimo de classe, porte, graciosidade e elegância supremamente acima de tendências, a deusa Grace (de pés de barro: reparem nos dedos largos e nas unhas achatadas na foto à esquerda) chegou a batizar oficialmente em 1955, no auge do sucesso, um jeito de vestir: o "visual Grace Kelly", manual de bom gosto e bom comportamento que consistia basicamente, na avaliação do jornal especializado WWD, de "vestidinhos acinturados, tailleurs bem desenhados e, à noite, longos de chiffon". Perfeita de roupa de baile ou calça e camisa masculinas, Grace atingiu o status reservado apenas àquelas privilegiadas para quem a elegância brota como uma fonte interior e atemporal. Na foto à direita, por exemplo, fora as luvas brancas, tudo poderia ser usado hoje: os óculos escuros, as sapatilhas, o tubinho seco, o casaco volumoso e, claro, a bolsa – ela mesma, a Kelly original, tão exibida hoje por celebridades que de Grace não têm nada, delicadamente empunhada por ela para proteger da curiosidade dos fotógrafos os sinais de gravidez de Caroline, sua primeira filha do antológico casamento com o príncipe Rainier de Mônaco. Esse estilo clássico reina soberano na exposição de roupas, acessórios e fotos da atriz que virou princesa recém-inaugurada no Victoria and Albert Museum, de Londres. "Poucas pessoas merecem ser chamadas de ícone. Grace Kelly com certeza é uma delas", diz Jenny Lister, curadora da exposição.

Filha de milionário que se fez do nada, educada em boas escolas, Grace Kelly tinha os fundamentos básicos para se transformar na beleza clássica por excelência. Pele cremosa, maxilares bem desenhados, nariz perfeito, sobrancelhas intermináveis, olhos azuis bem separados por alguns estonteantes centímetros e uma expressão que podia significar "vem" ou "pare", ou alguma coisa entre os dois. Incentivada pela mãe nadadora e pelo pai remador e campeão olímpico, estudou balé, aprendeu tênis, fez equitação e se aprimorou em tudo o que se esperava de uma jovem de família rica na época. Menos, evidentemente, se tornar atriz. Todas as resistências foram vencidas sem dramas nem escândalos, como tudo o que sempre fez.

De repente, como num passe de mágica, Hollywood assistiu à explosão do fenômeno Grace Kelly. A beleza gelada e o guarda-roupa quentíssimo eclodiram em 1955, quando Grace tinha 26 anos, num dos três filmes que fez com Alfred Hitchcock, o clássico Janela Indiscreta, em que surge como uma visão de esplendor no vestido de corpete de veludo negro e imensa saia esvoaçante de chiffon branco. Obra de Edith Head, a grande figurinista da Paramount, a quem Hitchcock encomendou trajes que lembrassem as etéreas bonecas de porcelana de Dresden. A mesma Edith desenharia o longo de cetim verde-azulado com que Grace Kelly deslumbraria em três ocasiões (sim, ela repetia roupas): numa pré-estreia, em capa da revista Life e ao ganhar o Oscar de melhor atriz. Mas foi a maior concorrente de Edith, Helen Rose, da MGM, quem no ano seguinte produziu (com 35 costureiras e bordadeiras) seu vestido de casamento com o príncipe Rainier, uma exaltação à pureza núbil que provocou piadinhas cínicas ("Sou tão velho que conheci Grace Kelly desde antes de ela ser virgem"). Numa reviravolta acompanhada no palco mundial em escala que só seria comparável, posteriormente, à despertada pela princesa Diana, em 1956 Grace saiu da cena de Hollywood e entrou numa realeza meio recauchutada, a de Mônaco, mas suficientemente pomposa para despertar todos os infinitamente repetidos clichês sobre contos de fada. Com uma princesa de beleza deslumbrante vinda diretamente de Hollywood quase na sua porta, os grandes costureiros de Paris fizeram fila para vestir Grace – e pela primeira vez ela começou a usar alta-costura, com a classe de sempre. É desse período a maioria dos cinquenta vestidos mostrados na exibição, todos emprestados da espetacular coleção abrigada no palácio de Mônaco. Sua Alteza Sereníssima usava Balenciaga, Givenchy e, principalmente, Dior, grife dirigida na época por Marc Bohan. "Era uma ótima forma de divulgar as coleções", diz a representante da Dior no Brasil, Rosângela Lyra, para quem, "guardadas as devidas proporções, podemos dizer que Carla Bruni é a versão moderna de Grace Kelly".

Grace Kelly, já deu para perceber, não era santa. Por falta de vergonha na cara (segundo as traídas), para conquistar a atenção masculina que nunca teve do pai ou simplesmente porque gostava de homens bonitos, o "vulcão coberto de neve", na definição de Hitchcock, vivia em erupção. A lista, entre apócrifa e confirmada, inclui quase todos os atores com quem contracenou (William Holden, Clark Gable, Gary Cooper, Bing Crosby, Marlon Brando, Ray Milland), o presidente John Kennedy e, depois de casada, Aly Khan e o xá do Irã. Isolada num casamento de fachada, limitada pelas exigências do cargo e com os filhos crescidos, a certa altura Grace Kelly passou a beber demais e a se queixar da vida. "Eu sei onde tenho de estar todos os dias pelo resto da minha vida", comentou, chorando, com o produtor John Foreman. Em 14 de setembro de 1982, dois meses antes de completar 53 anos, sofreu um derrame na direção de seu carro e despencou de um abismo na Riviera Francesa. Foi o tempo justo para evitar a decadência que se avizinhava e entrar no panteão dos mitos.

Fotos Philippe Halsman/Magnum/Latin Stock, Sipa Press e Camera Press/Other Images
COMO UMA DEUSA
Escultural no longo de cetim que repetiu em três ocasiões (à esq.), falsamente virginal entre as madrinhas no casamento com o príncipe de Mônaco e outonal, no palácio, vestindo Dior (à dir.): ícone de estilo


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