Saturday, March 27, 2010

Os contendores


Estrelas do julgamento, Podval e Cembranelli vieram de famílias
de classe média, não cursaram universidades famosas e subiram
na carreira graças aos próprios méritos


Marina Yamaoka e Thiago Mattos

Fotos Ernesto Rodrigues/AE
"Ninguém pode voltar atrás
e fazer um novo começo, mas
podemos fazer um novo fim."

Advogado ROBERTO PODVAL, pedindo
aos jurados uma chance para os réus
"Os olhos do Brasil estão voltados
para esta sala. As provas são arrasadoras, e as pessoas não
querem vingança, e sim justiça."

promotor Francisco Cembranelli, dirigindo-se
aos jurados


Os dois homens que se enfrentaram no Tribunal de Júri de Santana durante cerca de cinquenta horas na semana passada têm mais em comum do que o fato de estarem, em perspectivas opostas, diante do mesmo e rumoroso caso. O promotor Francisco Cembranelli, de 49 anos, o acusador do casal Nardoni, e o advogado Roberto Podval, de 44 anos, o defensor dos réus, não nasceram em berço de ouro, não estudaram em uma das melhores faculdades de direito do país, nem tiveram pais influentes que os empurraram escada acima na direção do patamar em que ambos se encontram hoje – e aonde bem poucos conseguiram chegar. O pai de Podval, descendente de judeus poloneses, era dono de uma pequena imobiliária em São Paulo. Já o de Cembranelli, filho de imigrantes italianos, foi delegado de polícia e procurador de Justiça em Taubaté até os anos 60, quando veio para São Paulo. Cembranelli, assim como seus dois irmãos, estudou em escola pública até entrar na universidade – particular, nem tradicional, nem renomada, a FMU (Faculdades Metropolitanas Unidas), coincidentemente a mesma em que se formou Podval. Filhos da classe média alçados à elite de sua categoria profissional graças aos próprios méritos e esforços, Cembranelli e Podval protagonizaram um espetáculo de obstinação e competência na semana passada.

Num julgamento que tinha elementos para arrancar rios de lágrimas dos jurados, promotor e defensor preferiram usar a emoção com parcimônia e lançar mão de argumentos técnicos para defender suas teses: a de que o casal Nardoni havia, sim, matado a menina Isabella, no caso da acusação, e a de que não havia provas suficientes para concluir isso, no caso da defesa. Durante os cinco dias de julgamento, Cembranelli e Podval recorreram quase sempre à lógica e aos laudos da perícia para tentar ganhar a opinião dos jurados (uma das exceções ficou por conta de Podval, que invocou uma frase atribuída ao médium Chico Xavier para pedir clemência aos jurados). Cembranelli deu a largada em vantagem. Além da brutalidade do crime cometido e do fato de os réus terem ido a julgamento presos e praticamente já condenados pela opinião pública, o promotor tinha a seu favor a larga experiência em tribunais de júri: nada menos do que 1 077 realizados ao longo de 22 anos de carreira. Quanto a Podval, o que impressiona não é a quantidade de júris realizados (o dos Nardoni foi o seu 16º), mas o grau de dificuldade que eles apresentaram – como o do médico Farah Jorge Farah, que confessou ter assassinado e esquartejado uma ex-paciente em 2003. Embora o caso figure entre as raras derrotas sofridas pelo advogado em plenário (até agora, ele havia vencido treze dos quinze júris dos quais participou), Podval o encara como uma vitória, já que, graças a um habeas corpus, Farah, condenado a treze anos de prisão, livrou-se da cadeia depois de apenas quatro anos de cárcere.

Podval foi o último de uma série de advogados contratados por Antonio Nardoni para defender seu filho e sua nora. Todos os seus antecessores desistiram no meio do caminho ou foram dispensados pelo avô paterno de Isabella. Diante das reações inconformadas de quem encarou como um ato de monstruosidade a defesa de réus como os Nardoni, o advogado Podval, que chegou a ser agredido com um soco e um pontapé na entrada do tribunal, repetiu o mantra dos seus pares em situação semelhante: o de que mesmo o pior dos homens tem direito a defesa. Ao contrário do seu contendor, Cembranelli pegou o caso desde o início. Ao longo dos dois anos em que trabalhou nele, não se satisfez em varar madrugadas esmiuçando quilos de laudos periciais. Cedo decidiu consultar a bibliografia citada nos documentos e foi ele mesmo estudar as obras que os peritos haviam usado como fonte. Os mais de trinta livros técnicos que leu no período foram fundamentais para o resultado que se viu na semana passada: um desempenho em plenário marcado pela precisão, segurança e uso da lógica. Ele foi o grande vencedor num duelo de vencedores.

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