Saturday, March 27, 2010

Nosso parente reencontrado


Análise do DNA de um fóssil achado na Sibéria aponta para a existência
de um hominídeo que conviveu com o homem há 40 000 anos


Alexandre Salvador

Johannes Kraus/AFP
Habitat perfeito
O vale em que está a caverna Denisova, no sul da Sibéria, onde foi encontrado o fragmento de falange: o clima frio ajuda a preservar o DNA dos fósseis na região, que já foi o lar de neandertais. O material genético escavado em clima quente, sobretudo na África e na Ásia, geralmente está deteriorado demais para ser estudado


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Um pequeno fragmento de osso, pouco maior que uma ervilha, pode levar a um dos maiores feitos recentes da paleontologia: a descoberta de um parente até hoje desconhecido do homem moderno. Em 2008, pesquisadores russos encontraram um pedaço de falange de dedo mínimo enterrado na caverna Denisova, no sul da Sibéria, um conhecido sítio arqueológico. A camada geológica em que o fragmento foi encontrado sugere que ele pertencia a um hominídeo do período paleolítico, entre 30 000 e 50 000 anos atrás. Como homens modernos e neandertais habitavam a região, os cientistas do Instituto Max Planck, na Alemanha, que analisaram o DNA do fragmento de osso, esperavam que o fóssil pertencesse a um desses. Ocorreu o inesperado: o estudo, publicado na semana passada na revista científica Nature, revela que o material genético não pertence a nenhum deles. "Tudo indica que estamos diante de um hominídeo totalmente novo para a ciência", comemorou o pesquisador Johannes Krause, um dos autores da pesquisa.

Para chegar a essa descoberta, os cientistas leram várias vezes milhares de pedaços de moléculas de DNA para chegar a uma sequência completa do genoma mitocondrial. As mitocôndrias armazenam informações genéticas herdadas da mãe, enquanto o DNA nuclear transporta as características hereditárias da mãe e do pai. É mais fácil mapear o DNA mitocondrial porque existem 8 000 cópias dele em cada célula, e apenas uma de DNA nuclear. Os cientistas alemães compararam o DNA mitocondrial da falange com o de 54 homens vivos, o de um homem pré-histórico, o de seis neandertais, o de um bonobo e o de um chimpanzé. O objetivo era identificar geneticamente o material com o de algum deles. O resultado foi uma surpresa. A sequência do DNA mitocondrial do hominídeo de Denisova difere em 385 posições (cada uma das letrinhas do código genético) da sequência do homem moderno. Essa soma é quase o dobro do número de diferenças entre o homem moderno e o de Neandertal. Com relação ao chimpanzé, o genoma difere em 1 462 posições. Isso coloca o dono da falange mais próximo do homem que do primata.

O próximo passo da pesquisa é obter a sequência do DNA nuclear do fragmento de osso. Só assim se poderá confirmar que ele pertence a uma nova espécie de hominídeo. Se os cientistas estiverem corretos, será a primeira vez que um hominídeo é identificado tendo como base de pesquisa apenas o seu DNA. O estudo dos genomas tem permitido aos paleontólogos reconstituir o passado do homem ao longo da história. Descobriu-se, por exemplo, que 95% da população europeia descende de um grupo de apenas sete linhagens gênicas. Um dos autores do estudo com o hominídeo de Denisova, o biólogo sueco Svante Pääbo, é responsável por uma outra diferenciação entre espécies. Em 1997, ele participou do projeto que sequenciou o DNA mitocondrial do neandertal. Uma das conclusões mais importantes do estudo foi a de que o Homo sapiens e os neandertais não eram parentes tão próximos como se pensava. Provou-se que o primeiro não é descendente do segundo, mas sim um primo distante. Durante os 6 milhões de anos da evolução humana, coexistiram várias linhagens de hominídeos. Todas acabaram extintas, exceto o Homo sapiens. Após a descoberta do hominídeo de Denisova, os cientistas já falam em reexaminar as coleções de fósseis para ver se algum deles não pertence ao parente recém-descoberto.

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