Saturday, March 13, 2010

A morte do cartunista


Glauco, um dos mais famosos desenhistas do país, é assassinado por um desequilibrado que frequentava a sua comunidade de Santo Daime


Marina Yamaoka e Thiago Mattos

Otávio Dias de Oliveira/Folha Imagem
Prancheta vazia
O talento de Glauco foi interrompido pelos tiros disparados por Carlos Eduardo (acima)


Glauco Villas Boas era um dos mais admirados cartunistas do país. Suas tirinhas, publicadas diariamente pela Folha de S.Paulo desde 1984, eram uma pitada de humor para milhares de leitores. Personagens como Geraldão, o solteirão que vive com a mãe, e Dona Marta, a secretária ninfomaníaca, extrapolaram os limites do jornal e entraram para o imaginário popular. Na semana passada, o talento de Glauco, de 56 anos, foi silenciado de forma bruta. Ele e seu filho Raoni, de 25, foram assassinados em sua própria casa. A tragédia é ainda mais chocante porque Glauco conhecia o assassino, identificado como Carlos Eduardo Sundfeld Nunes, de 24 anos. Pior: o próprio cartunista criou as condições para que ele se aproximasse de sua família e pode ter contribuído – ainda que de forma totalmente involuntária – para levá-lo ao estado de perturbação mental que culminou com o crime.

Glauco, além de cartunista, era um entusiasta do Santo Daime, a seita que mescla elementos do cristianismo e da umbanda e promete o autoconhecimento por meio do consumo de ayahuasca – uma infusão feita a partir do cipó mariri. A bebida é liberada por lei para uso religioso – o que não muda o fato de ser um poderoso (e perigoso) alucinógeno. No início dos anos 90, sob os efeitos do chá, Glauco se convenceu de que havia recebido uma missão: abrir sua própria igreja do Daime, formar uma comunidade religiosa e usar o chá alucinógeno para ajudar viciados a largar o consumo de drogas pesadas, como cocaína e crack. Entre os jovens problemáticos que o cartunista queria recuperar – e a quem apresentou o chá do Daime – estava Carlos Eduardo, filho de uma família de classe média de São Paulo. O rapaz apresenta problemas psicológicos e faz uso de drogas há algum tempo. Chegou a ser detido pela polícia portando maconha.

Carlos Eduardo começou a frequentar a comunidade religiosa criada por Glauco em Osasco, batizada de Céu de Maria – e a consumir o chá de ayahuasca. Passou a relatar a amigos que ao beber a infusão tinha "revelações" e se sentia "iluminado". Estava perdendo o controle sobre a própria mente. Os distúrbios psíquicos chegaram ao ápice na noite da útima quinta-feira. Ele seguiu até a casa de Glauco, que fica no mesmo terreno da igreja, no município de Osasco. Estava armado. Entrou na propriedade e deparou com Juliana, enteada do cartunista. Tomou a moça como refém. Foi até onde estavam Glauco, sua mulher, Bia, e sua outra enteada, Alva. Transtornado, com os olhos esbugalhados e salivando exageradamente, anunciou que levaria os três a sua própria casa, para que explicassem a sua mãe que ele, Carlos Eduardo, era Jesus Cristo.

Glauco tentou conversar. Pediu que o rapaz deixasse as mulheres e se ofereceu para ir com ele, sozinho. Carlos Eduardo se enervou, passou a gritar e desferiu uma coronhada na cabeça do cartunista, que começou a sangrar. Nesse instante, Raoni, filho de Glauco, chegou da faculdade. Carlos Eduardo começou a atirar. Quatro tiros atingiram o cartunista, e outros quatro seu filho. O assassino correu até seu carro, um Gol cinza, e desapareceu. Segundo a polícia, havia pelo menos mais uma pessoa no veículo, mas ela não foi identificada. Pai e filho, baleados, não resistiram. "O Daime procura salvar as pessoas. O que esse rapaz teve foi um surto psicótico. Um terremoto se abateu sobre nossa família", disse na sexta-feira Orlando de Almeida, primo de Glauco, enquanto uma multidão de homens e mulheres, todos trajados de branco, chegava à igreja Céu de Maria para cantar os hinos fúnebres do velório, que foi realizado no mesmo local dos assassinatos.

Reprodução
CÉU DE MARIA
O templo de Santo Daime fundado pelo cartunista era o maior de São Paulo

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