A ameaça do ouro branco
A matança dos elefantes africanos, consumada por caçadores em busca do marfim de suas presas, reduziu a população da espécie em 65% nos últimos trinta anos. Calcula-se que entre 700.000 e 1 milhão deles tenham sido abatidos apenas na década de 80. O morticínio só começou a declinar em 1989, quando uma comissão internacional que cuida de espécies ameaçadas, a Cites, formada por representantes dos governos de 175 países, inclusive o Brasil, proibiu o comércio de marfim em todo o mundo. Na mesma época, diversos países africanos passaram a dar combate sistemático aos caçadores que alimentavam o mercado negro de marfim. Agora, uma nova ameaça ronda os elefantes africanos. Os governos da Tanzânia e da Zâmbia reivindicam ao Cites a permissão para vender no mercado internacional um estoque de 112 toneladas de marfim – o equivalente às presas de 20 000 elefantes. O material, garantem os dois países, provém de animais mortos naturalmente ou de apreensões feitas a caçadores clandestinos. A decisão sobre o pedido da Tanzânia e da Zâmbia será divulgada ao final da reunião da Cites iniciada na semana passada em Doha, no Catar, cujo encerramento está previsto para a próxima quinta-feira 25. A venda dessa montanha de marfim pode representar um golpe na preservação dos elefantes africanos. Duas exceções abertas pela Cites à proibição da venda de marfim, em 1997 e em 2007, inundaram o mercado com resultados desastrosos. O aumento da demanda por marfim acabou por incentivar a ação dos caçadores. Em uma década, o preço do marfim quadruplicou. Estima-se que o produto seja negociado hoje por 1 700 dólares o quilo. Em 2003, os traficantes foram responsáveis por 22% dos elefantes mortos na Tanzânia. Em 2009, a caça clandestina já respondia por 62% das mortes. Num artigo da revista científica Science publicado há duas semanas, um grupo de ambientalistas de vários países adverte que, se a Cites abrir agora uma nova exceção à proibição da venda de marfim, a escalada da caça pode levar à extinção da espécie por volta de 2020. "Uma transação como essa só serviria para esquentar ainda mais a demanda pelo marfim em um mercado historicamente envolvido com o contrabando", disse a VEJA o biólogo Samuel Wasser, da Universidade de Washington, um dos cientistas que participam da Cites e que figuram no artigo da Science. O principal destino do marfim contrabandeado são os países da Ásia, principalmente China e Japão, e os Estados Unidos. Em geral, ele serve de matéria-prima para a fabricação de joias e esculturas. Os ambientalistas calculam que hoje existam menos de 500 000 elefantes no continente africano. Se a Cites permitir que a Tanzânia e a Zâmbia vendam o marfim estocado e a demanda pelo material continuar em alta, o quadro se tornará mais sombrio para a espécieTanzânia e Zâmbia querem abrir uma exceção na proibição do comércio
de marfim para poder vender seus estoques. O risco é essa brecha
provocar uma nova escalada na matança de elefantes africanos
Nataly CostaAnthony Bannister/Corbis/Latinstock Joias raras
Presas apreendidas (acima) e broche de marfim da Van Cleef & Arpels: demanda em alta