Saturday, February 06, 2010

VEJA Carta ao Leitor


O tempo e a política

Mario Angelo/AE
Bombeiros em ação em São Paulo: o castigo das águas foi o pior dos últimos 63 anos


Muitos historiadores sustentam que a Revolução Francesa de 1789, apesar de todas as iniquidades do regime monárquico, não teria eclodido sem a sequência cruel de invernos rigorosos e longos que arruinou as plantações de trigo, levando os pobres à inanição epidêmica. Também se atribui ao drástico desequilíbrio climático de meados dos anos 1840 a eclosão de uma onda de sangrentas insurreições populares que varreu quase todo o continente europeu. Chuvas e geadas inclementes intercaladas abriram caminho para a proliferação de uma praga que dizimou as plantações de batata, então a única fonte disponível de calorias em larga escala. Da penúria resultaram uma mortandade e um êxodo sem iguais na história da humanidade. Só na Irlanda, 2 milhões de habitantes - um em cada quatro - morreram ou emigraram.

Uma reportagem desta edição de VEJA investiga as causas meteorológicas do dilúvio que se abate sobre o Sul e o Sudeste brasileiros. Com especial ferocidade, as águas castigaram São Paulo, a maior cidade do Hemisfério Sul, motor econômico que produz 12% do PIB do Brasil. Desde 23 de dezembro passado choveu todos os dias em São Paulo. As nuvens derramaram sobre seus moradores uma quantidade de água que não se registrava havia 63 anos. A reportagem reflete sobre o inevitável custo político dos efeitos catastróficos trazidos pelo dilúvio. A exploração eleitoral das enchentes em São Paulo é desde já uma das estratégias declaradas pelos partidários da candidata governista em sua disputa com José Serra, governador de São Paulo. Não há dúvida de que hoje os governos são mais eficientes e democráticos e os eleitores mais atendidos e menos manipuláveis do que as legiões de miseráveis franceses de 1789 e dos carbonários pauperizados da Europa de 1840. Mas é a mesma a revolta das pessoas diante do sofrimento provocado pela devastação das águas.

O que fazer? Ao poder público resta atender com presteza cada uma das vítimas e cuidar para que elas tenham condições materiais e emocionais de retomar quanto antes sua vida produtiva. Cabe também fazer planos e obras para tentar garantir que na próxima estação das chuvas a única surpresa seja todos estarem preparados para evitar o pior.

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