Saturday, February 06, 2010

Entrevista: Thomas-Bernd Quaas


Um Nobel contra as rugas

O líder da Nivea diz que cremes amenizam, mas não curam
nem celulite nem rugas. Anuncia, porém, a chegada de produtos
revolucionários baseados na descoberta de um Prêmio Nobel


Juliana Linhares

Roberto Setton
"Quando chego de uma viagem longa de avião, costumo fazer uma máscara no rosto com o creme da latinha azul"


Presidente do grupo Beiersdorf (5,7 bilhões de euros em vendas no ano passado) e principal executivo mundial da Nivea, em que entrou como estagiário recém-formado em economia, o alemão Thomas-Bernd Quaas, 57 anos, orgulha-se do eterno sucesso do primeiro e mais famoso creme Nivea, o da latinha azul, que em 2011 vai completar 100 anos - "É a mãe de todos os hidratantes". Ao mesmo tempo, avalia que a maior mudança que vivenciou nestes mais de trinta anos de empresa foi a velocidade com que a indústria cosmética passou a desenvolver novos produtos e prenuncia grandes novidades, sobretudo no campo da hidratação da pele. Sorridente, corado e prolixo, Quaas, que é casado com uma brasileira, arranha o português e prepara feijoada em casa quase todo sábado ("Sem laranja. Fruta, só na caipirinha"), falou a VEJA em São Paulo, em uma de suas periódicas visitas ao Brasil, "de longe o campeão" no consumo de seus produtos entre os países em desenvolvimento.

É ilusão acreditar na eficácia de produtos que prometem acabar com a celulite?
A celulite é um dos problemas de pele mais difíceis de ser sanados. Sua ocorrência está relacionada com a estrutura muscular das pessoas, com o formato das pernas e, é claro, com a qualidade da alimentação e o estilo de vida de cada uma. É impossível resolvê-lo totalmente. O mais razoável é baixar um pouco a expectativa e escolher produtos, como os nossos, que seguramente atenuam o problema.

Já que o senhor foi tão sincero ao falar da resistência da celulite, eu pergunto: os cremes faciais podem acabar com as rugas?
Podem atenuá-las. Eles são eficazes a ponto de fazer com que um rosto pareça até cinco anos mais jovem. É o que se pode prometer sem risco de exagerar na eficácia. Esse grau de sucesso, porém, depende do uso constante e incansável de bloqueador solar e hidratante.

Os lançamentos de cosméticos são cada vez mais tonitruantes, mas as mulheres cedo ou tarde se decepcionam com os novos produtos. Existe alguma linha nova de pesquisa que realmente fará a diferença?
As mulheres podem esperar produtos mais eficazes do que tudo o que já usaram até agora. O que está ocorrendo nos laboratórios é um extraordinário avanço rumo à eficácia dos cosméticos. Estamos às vésperas de uma segunda revolução nos cuidados com a pele, em especial no que diz respeito à hidratação. Essa revolução começou em 2003, quando o Nobel de Química foi entregue ao americano Peter Agre. Em resumo, Agre mostrou que o corpo humano é uma miniatura da cidade de Veneza. Isso significa que as camadas internas da pele são recortadas por minúsculos canais pelos quais a água circula. (O médico e bioquímico Peter Agre batizou esses canais formados por proteínas especiais de "aquaporinas" e descreveu seu papel no transporte da água através das membranas celulares.) Os dermatologistas já suspeitavam da existência desses canais, mas não havia evidência científica que a comprovasse. A descoberta de Agre abriu um novo caminho de pesquisas aplicadas, que passou a ser seguido por todas as grandes empresas de cosméticos. A corrida tinha o objetivo de aprender como utilizar esses canais para hidratar as células da pele. Posso adiantar que há poucos meses nossos cientistas me informaram ter, finalmente, obtido a fórmula de um creme capaz de utilizar esses canais para levar água até as células da pele e mantê-la lá.

Parece bom demais para ser verdade...
Essa revolução a que me refiro é um avanço real no campo da prevenção do envelhecimento da pele. Como se sabe, hidratar é prevenir. No campo da correção dos danos já feitos à pele, também temos armas muito poderosas derivadas das pesquisas sobre renovação celular.

Qual é o segredo da sobrevivência do creme da latinha azul?
Esse creme foi o primeiro criado pela Nivea, em 1911. Foi também o primeiro no mundo a conseguir juntar água e óleo e manter a estabilidade dessa mistura. Você pode ter uma latinha durante anos no armário do banheiro, e ela permanecerá igualzinha ao longo do tempo. O creme da latinha é a mãe de todos os hidratantes. Esse foi o nosso primeiro segredo. O segundo é que nestes 100 anos não paramos nunca de investir no creme e fazer muita pesquisa para melhorar o refinamento da emulsão, concentrando-nos, particularmente, no modo como misturamos os ingredientes. Vou parar por aqui. Nosso segredo é tão bem guardado quanto a fórmula da Coca-Cola.

Falando em fórmulas secretas, de onde vem aquele cheiro típico dos produtos de sua empresa?
De uma mistura de plantas e flores, principalmente violeta. Já é clássica a brincadeira que faço quando convido amigos ou colegas para jantar em casa. Enfileiro produtos de beleza de várias marcas, ponho uma venda nos olhos dos convidados e peço que, apenas pelo perfume, tentem reconhecer qual é o Nivea. Eles sempre acertam.

Qual é o tamanho relativo do Brasil no mercado mundial de cosméticos?
No ano passado, o Brasil foi o país onde nossas vendas mais cresceram. Isso decorreu do gosto das brasileiras por novidades na área dos produtos de beleza e também do fato de o Brasil ter lidado de maneira especialmente eficaz com a crise. Aliás, o prazer das brasileiras em descobrir novos cremes faz com que o país seja um ótimo laboratório de testes. O maior consumo per capita de produtos cosméticos vem do Japão. E o maior mercado, em volume, é a América do Norte. Entre os países em desenvolvimento, o Brasil é, de longe, o campeão.

É verdade que, pelo menos em matéria de cremes, os homens são muito mais fiéis que as mulheres?
É verdade. A fidelidade masculina às marcas tem uma única explicação, muito simples e verdadeira. Ao contrário das mulheres, eles não se interessam por novidades. Se eles têm um problema na pele e determinado creme faz efeito positivo, já está muito bom. O fato comportamental mais interessante nesse segmento, porém, é que 80% dos cremes que os homens usam são comprados para eles pelas mulheres.

O senhor usa cremes? Uso um creme para o rosto todos os dias. Além disso, experimento todos os produtos que lançamos e também os dos concorrentes, para observar as diferenças. Quando chego de uma viagem longa de avião, costumo fazer uma máscara no rosto com aquele creme da latinha azul.

Pelo que se lê nos jornais, a concorrência entre as empresas de beleza não tem nada de bonito. É uma briga feia mesmo?
Em termos. É preciso levar em consideração que não existem muitas empresas de altíssima qualidade nesse meio. Somos cinco, seis no máximo. Por outro lado, todas investem muito em pesquisa. Toda hora aparecem novidades. Cada empresa patenteia suas descobertas e, a partir daí, nenhuma outra pode vender produtos com as mesmas características. Como estamos em um mercado que exige novidade o tempo todo, é altíssima a velocidade com que temos de estudar e desenvolver produtos.

Como o senhor exemplificaria esse ritmo de lançamentos?
Posso dizer que entre 30% e 40% de nossa receita total é proveniente de produtos que estão há menos de quatro ou cinco anos nas prateleiras.

Como definir o que seria uma pele perfeita?
Aquela que torna ainda mais bonita uma mulher bonita quando ela sorri. Essa é a mulher que faz um restaurante inteiro parar e olhar quando ela entra.

Mas sorrir muito não causa rugas?
Causa, mas são as que chamamos de rugas de beleza.

Existe um tipo de rosto que possa ser considerado universalmente bonito?
Essa é umas das perguntas mais difíceis de ser respondidas. Fazemos pesquisas globais e vemos que em cada lugar o conceito de bonito é diferente. No Japão, as mulheres buscam um rosto sem nenhum toque de cor, extremamente branco. Isso porque lá o tom de pele mais claro indica que a mulher ocupa posição social privilegiada. Na Alemanha, a beleza está mais associada ao humor e à vitalidade. As alemãs, ao contrário das brasileiras, não demonstram muita preocupação com o envelhecimento. As francesas gostam de experimentar produtos de maquiagem. As suíças se preocupam muito em usar cremes para o rosto, mas dedicam menos atenção ao corpo, que, por causa do frio, acaba pouco exposto. A brasileira, como se sabe, procura juventude e pele bronzeada, inclusive a do rosto.

Além de valorizar o bronzeado, o que mais distingue a brasileira?
Querer ficar com a "marca do biquíni" é uma predileção típica das brasileiras, o que nosso presidente no Brasil descobriu em uma de suas visitas a consumidoras. Vocês estão entre as que começam a usar hidratante para o rosto mais tarde, só se preocupam com as rugas quando elas já apareceram. Em compensação, são das primeiras a fazer uso de cremes para o corpo, especialmente os que combatem a celulite. Essa dinâmica torna-se curiosa quando observamos que, no Brasil, um terço das mulheres procura o dermatologista unicamente por motivos estéticos. No resto do mundo, a mulher só vai ao dermatologista se o clínico geral encontra algum problema de pele e a encaminha ao especialista. Outra peculiaridade daqui são os cremes cosméticos manipulados. Isso não existe na maior parte do mundo.

As mulheres buscam neles quantidades maiores das substâncias que consideram eficazes...
Primeiro, é preciso definir o motivo pelo qual o produto vai ser usado. Faz sentido se for uma receita médica e o objetivo for tratar uma doença.

As pesquisas feitas por sua empresa no Brasil confirmam a decantada vaidade da mulher brasileira?
Da última vez que vim aqui, quis conversar com um grupo de estudantes para conhecer melhor seus cuidados com a beleza. Uma delas me disse que lavava o cabelo duas vezes por dia. Imaginei que isso significava lavá-lo pela manhã e outra vez à noite, antes de se deitar. Não era bem assim. A primeira lavada era feita por ela antes de ir para a academia. Ela explicou que queria estar linda enquanto se exercitava, porque a academia era o lugar onde havia maiores chances de conhecer pessoas. Isso diz muito sobre a importância que as brasileiras dão aos cuidados com a beleza.

Por que a Nivea não entrou no mercado de "cosmecêuticos", as cápsulas que, se ingeridas, teriam efeitos embelezadores?
Algumas pílulas podem até trazer benefícios, mas o que se percebe é que os efeitos positivos desses medicamentos são muito reduzidos. Quando falamos de cuidados com a beleza, os cremes respondem por 80%. Outros 15%, se não mais, vêm de uma vida com esporte, bom sono e alimentação correta. Digamos que as cápsulas podem ter algum efeito perceptível nesses 5% que faltam.

A pele de mulheres em diferentes faixas etárias exige mesmo produtos tão diferenciados?
Os cuidados com a pele são mais ou menos os mesmos em qualquer idade. Eles devem ser igualmente intensivos e constantes. A grande diferença é que, aos 20 anos, a mulher precisa de um hidratante leve. Aos 40, de um creme para adiar as rugas e, aos 60, de outro que as amenize.

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