Saturday, February 06, 2010

Reservatórios cheios e termelétricas em ação

A esperança é o "chapéu chinês"

Mesmo com os reservatórios das hidrelétricas cheios, o sistema
elétrico acionou as usinas termelétricas, pois as linhas de transmissão
de Itaipu estão encharcadas. Elas vão ganhar proteção extra


Fábio Portela

Foto Caio Coronel/Itaipu
PROTEÇÃO AO ISOLADOR
Chapéus chineses, semelhantes ao da foto, serão instalados na linha de transmissão que deu origem ao último apagão


As chuvas que já causaram tanta destruição neste verão têm ao menos um aspecto positivo: poucas vezes os reservatórios das usinas hidrelétricas brasileiras estiveram tão cheios. É a garantia de que será possível produzir energia elétrica barata e em abundância nos próximos meses. Os reservatórios do Sudeste e do Centro-Oeste estão com 77% de sua capacidade ocupada. No Nordeste, o índice chega a 71%; no Norte, a 91%; e, no Sul, à incrível marca de 97%. É muita água estocada, pronta para fazer girar as turbinas das hidrelétricas e iluminar o país. Apesar desse quadro generoso, surpreendeu na semana passada o anúncio do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), órgão que controla a geração de energia elétrica no Brasil, de que será preciso acionar usinas termelétricas - que produzem energia com a queima de combustíveis fósseis, como óleo diesel, gás e carvão - para manter a oferta de energia num nível adequado. Se há tanta água armazenada, por que apelar às térmicas? Normalmente, essas usinas só são acionadas quando o nível dos reservatórios das hidrelétricas está muito baixo. Em situações normais, as termelétricas ficam desligadas, porque sua energia é mais cara do que a de origem hídrica e seu impacto ambiental, maior, pois sua operação produz gás carbônico.

Para entender a necessidade de colocar as termelétricas para operar, é preciso analisar, em primeiro lugar, a demanda. Nunca se consumiu tanta energia elétrica no Brasil como agora. Na semana passada, o recorde histórico de consumo foi quebrado quatro vezes. Na quinta-feira 4, às 14h49, a demanda nacional por energia chegou à marca de 70 654 megawatts. O pico de consumo está diretamente atrelado ao calor: a temperatura média registrada no país em fevereiro já está 2 graus acima da marca de 2009. Isso reduz a eficácia dos sistemas de transmissão elétrica. Com o calor forte, parte da energia elétrica se dissipa enquanto está sendo transmitida. Estima-se que, atualmente, 4% de toda a energia brasileira se perca dessa forma. Além disso, os termômetros em alta fazem as pessoas aumentar a potência de seus aparelhos de ar condicionado, um dos maiores sorvedouros de eletricidade que se conhece. O consumo vai às alturas. Por fim, há o enorme impacto do que os técnicos chamam de "frio industrial": os aparelhos usados em larga escala para refrigerar produtos comestíveis em abatedouros, frigoríficos e supermercados Brasil afora. Quanto mais alta é a temperatura média registrada em um ambiente, maior será a quantidade de energia necessária para manter, por exemplo, um carregamento de carnes congelado.

Mas, além da demanda recorde, o Brasil está enfrentando outro problema: a oferta de energia para a Região Sudeste diminuiu significativamente no último mês. O principal linhão que leva energia da usina de Itaipu até São Paulo está operando com metade de sua capacidade. Em vez de entregar 6 000 megawatts à capital, o fornecimento tem ficado pouco abaixo de 3 000 megawatts. É a mesma linha que foi atingida por três curtos-circuitos em novembro passado, dando início ao maior apagão da história do país. Apesar de continuar insistindo na exótica hipótese de que a falha pode ter sido causada por três raios simultâneos, o governo, discretamente, decidiu investir em manutenção. Mais de 100 isoladores de cerâmica estão sendo trocados nas linhas de alta-tensão. Foram esses equipamentos que falharam em novembro. Como há a forte suspeita de que isso ocorreu porque eles estavam encharcados pela chuva, será colocado em cima de cada um deles um chapéu chinês, espécie de cone isolante que fará as vezes de guarda-chuva nas próximas tempestades. Essa operação de troca e a manutenção se estenderão até maio - quando deve arrefecer a onda de calor. Até lá, teremos reservatórios cheios e usinas termelétricas em ação.

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