Saturday, February 20, 2010

J. R. Guzzo


Os nomes na tela

"Lula está tão convencido de que seu governo é uma obra-prima,
e de que o de seu adversário é o pior de todos os tempos,
que o eleitorado não terá alternativa, em 3 de outubro,
a não ser votar ‘sim’, ou nele"

Os melhores planos de batalha, como muitos generais têm aprendido ao longo da vida prática, frequentemente não resistem aos dez primeiros minutos de combate. O que estava previsto nos cálculos não acontece como deveria acontecer; acabam acontecendo, em vez disso, coisas que ninguém previu. O inimigo insiste em não reagir como se esperava que reagisse. Os aliados também, sobretudo quando começam a achar que algo não está saindo do jeito que queriam, ou esperavam. Em suma, quando estoura o tiroteio de verdade, as ideias que até então pareciam ser as mais inteligentes do mundo correm o sério risco de se desmanchar; os comandantes presentes ao campo vão perdendo pouco a pouco sua feição serena, própria aos estrategistas, e assumindo o rosto do jogador que manda para o espaço seus planos de ação anteriores e sai com tudo em busca da carta que vai salvar a noite. A campanha presidencial de 2010, que na semana passada consagrou enfim a ministra Dilma Rousseff como candidata oficial do governo e do PT, promete oferecer mais uma boa oportunidade para verificar como vão conviver nos próximos meses o plano-mestre que o mundo oficial elaborou para ganhar as eleições e o que acontecerá, de fato, no mundo das realidades.

O que se pode dizer no momento é que o projeto eleitoral do governo, obra cuja autoria principal é do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, prevê um grande alicerce central – convencer o público de que as eleições presidenciais de outubro próximo estão sendo disputadas pelo próprio Lula e pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. É o tal "plebiscito" de que o governo tanto tem falado nos últimos tempos. Mais do que escolher o nome do próximo presidente da República, o eleitorado teria de julgar o desempenho do presidente atual e compará-lo com o do seu antecessor; deveria dizer, em termos de "sim" ou "não", se aprova esse desempenho ou, então, se ele é melhor que o de FHC. Caso o eleitor entenda o espírito da coisa, a fatura estaria praticamente liquidada. Lula está tão convencido de que seu governo é uma obra-prima, e de que o de seu adversário é o pior de todos os tempos, que o eleitorado não terá alternativa, em 3 de outubro, a não ser votar "sim", ou nele. A dificuldade principal desse plano é que Lula e Fernando Henrique não são candidatos a cargo nenhum. Seus nomes e retratos não vão aparecer na tela de votação, no dia das eleições; em seu lugar o cidadão terá diante de si os candidatos reais, e só poderá escolher entre eles. E aí?

Aí, para a superior estratégia oficial dar certo, e para todos os efeitos práticos, o eleitor terá de clicar em "Dilma" e não no seu principal adversário, possivelmente o governador José Serra, ou em qualquer dos demais candidatos. Lula e os cérebros políticos que o cercam apostam que será assim. Bom mesmo, para o governo, seria se a Constituição tivesse sido mudada e o presidente pudesse estar disputando um terceiro mandato, como se sonhou durante algum tempo; mas acabou não dando certo, e o que sobrou de mais próximo a isso foi o plano ora em execução. Suas chances de sucesso começam com a utilização, como jamais se viu antes neste país, da máquina pública em favor da candidatura oficial. Continuam com a vantagem no tempo de propaganda pelo rádio e televisão. Contam, sempre, com uma arma que Lula maneja melhor que ninguém: a técnica de inventar inimigos, como Fernando Henrique apontou recentemente, para travar batalhas imaginárias. Esses inimigos não têm nome: são "eles", apenas. Podem, portanto, ser acusados de absolutamente tudo. "Eles" vão acabar com o Bolsa Família. "Eles" vão acabar com as "obras do PAC", que incluem, na interpretação oficial, tudo o que está sendo construído em algum lugar do Brasil por governos estaduais e municipais, empresas estatais e companhias privadas. "Eles" vão entregar as estatais ao capital estrangeiro. "Eles" querem que a oposição ganhe as eleições porque não se conformam que Lula esteja fazendo um governo "em favor dos pobres". Há, enfim, a fé sem limites na própria superioridade. A candidata Dilma, inclusive, parece ter descoberto uma fórmula para calcular, matematicamente, quanto o governo Lula é melhor que o anterior. Segundo a conta da ministra, é "400 vezes" melhor.

O presidente, além disso, acaba de lembrar que ganhou prêmios dos jornais El País e Le Monde e que Fernando Henrique não ganhou nada de nenhum dos dois; o que mais o eleitorado poderia querer? Respostas, mesmo, só depois que a batalha começar.

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