Saturday, February 27, 2010

Entrevista: Aldemir Bendine


O lucro não é vergonha

Para o presidente do Banco do Brasil, as instituições financeiras públicas devem contribuir mais para o crescimento do país sem abrir mão da rentabilidade


Giuliano Guandalini

Roberto Setton
"Não me agrada o maniqueísmo entre público e privado. O modelo misto pode atender a uma economia melhor do que os dois extremos"


Os bancos públicos, aqueles controlados pelo governo, ainda têm um papel a cumprir no desenvolvimento do país, mas desde que trabalhem em busca contínua da eficiência e da rentabilidade. É sob essa perspectiva que Aldemir Bendine comanda, há dez meses, a maior instituição financeira do país, o Banco do Brasil. "Não precisamos ter vergonha de obter lucros", afirma Bendine. "Os lucros demonstram a eficiência na administração dos negócios." Nascido em 1963 em Paraguaçu Paulista, no interior de São Paulo, começou a trabalhar no banco como office boy aos 14 anos, quando ser funcionário do BB era sinal de status, principalmente nas cidades pequenas. Em 1982, foi admitido por concurso público. Formado em administração de empresas, casado e pai de duas filhas, Bendine – ou "Dida", como os amigos o chamam – chegou à presidência do banco, o topo da carreira na instituição, em abril do ano passado. Foi indicado pelo ministro da Fazenda, com a responsabilidade de reduzir as taxas de juros. Tal incumbência não impediu o BB de registrar, em 2009, o melhor resultado de sua história: lucro de 10,1 bilhões de reais, de acordo com números divulgados na semana passada. Bendine falou a VEJA.

O Banco do Brasil alcançou em 2009 o melhor resultado de sua história, com um lucro superior a 10 bilhões de reais e crescimento de 15% em relação a 2008. Como foi possível isso em um ano em que a economia brasileira ficou estagnada?
No início do ano passado, quando ainda imperava uma crise de confiança, havia um travamento das linhas de crédito no país. Isso aconteceu por causa do receio de que houvesse um contágio mais profundo da turbulência externa, como em outras crises do passado. Nesse ambiente de incertezas, a reação dos bancos foi restringir a concessão de empréstimos e elevar as taxas de juros. Nossa estratégia, ao contrário, foi apostar na recuperação rápida da economia brasileira. Foi uma receita relativamente simples, mas que se revelou acertada e vencedora. Fizemos isso num momento em que o mercado estava bastante conservador. Mas, de acordo com informações de que dispúnhamos, esse conservadorismo era exagerado. A situação da economia real não justificava essa atitude.

Mas havia uma determinação política do governo de reduzir os juros, motivo inclusive que o levou à presidência do banco. O BB foi até mesmo criticado por cobrar juros, em algumas linhas, maiores que os de bancos privados.
De fato, o governo julgava que não havia razão para aquela reação exagerada, justificada apenas por uma crise de confiança. Houve, de minha parte e dos diretores que comigo assumiram em abril passado, uma confluência de visão com essa avaliação do governo. Acreditávamos que poderíamos reduzir os juros e tivemos o apoio para fazê-lo. Um dos pontos a ser realçados é que fomos beneficiados pelo fato de, em meio a uma crise, o Banco do Brasil ser visto como um porto seguro para os depósitos. Atraímos assim clientes de qualidade. Hoje, a taxa de inadimplência de nossos clientes é inferior à média do mercado bancário nacional.

Observada pelo retrovisor, essa "receita simples", como o senhor a classifica, comprovou-se eficaz. Mas não houve o risco de comprometer o patrimônio do banco?
Não foi uma aposta irresponsável, desprovida de fundamentos. Apenas fomos mais corajosos. Tínhamos suporte técnico para tomar aquela decisão. Os juros bancários haviam subido bem acima do razoável, e decidimos reduzi-los antes de nossos concorrentes. Houve um momento em que o mercado como um todo, inclusive o Banco do Brasil, fez uma leitura equivocada do que estava ocorrendo. Nós saímos na frente na correção dos excessos. Na sequência, os demais bancos fizeram o mesmo. Não existiam razões concretas para aquele travamento nas linhas de crédito. Se essa restrição perdurasse, aí sim haveria um contágio mais profundo da economia brasileira – algo que felizmente não ocorreu.

A rentabilidade dos bancos brasileiros não é exagerada, particularmente no caso do BB, um banco público?
É preciso desmitificar algumas questões. A rentabilidade dos bancos brasileiros, ao contrário do que se diz, não extrapola o que ocorre em outros países. Em segundo lugar, não é verdade que o setor financeiro seja o mais lucrativo do país. Há outras atividades mais rentáveis. O terceiro ponto é que não existem razões para sentirmos vergonha de ter lucro. Pelo contrário. Os lucros demonstram a eficiência na administração do negócio. Não é preciso ter timidez em evidenciar os resultados positivos dos bancos brasileiros. Trata-se de uma consequência da eficiência alcançada por essas instituições, que estão entre as mais competitivas do mundo.

Corrigidos os excessos do momento de quebra de confiança, nos meses mais acerbos da crise, os juros bancários recuaram. Ainda assim, as taxas são elevadíssimas, entre as mais altas do mundo. Por quê?
Na composição das taxas de juros, que nada mais são do que o valor a ser cobrado dos clientes para cada tipo de empréstimo, existem dois fatores que estão sob a influência direta do banco. Em primeiro lugar, a inadimplência, ou, visto de outra maneira, o risco de que haja perda do capital emprestado. O segundo componente é a própria eficiência operacional do banco. Agora, existem outros elementos que oneram os juros bancários, mas estão fora do controle das instituições financeiras: a elevada carga de tributos que recai sobre os financiamentos e também os depósitos compulsórios recolhidos pelos bancos. Sem mexer nessas duas questões, não haverá como reduzir significativamente os juros bancários neste momento.

O histórico de má administração e utilização política de bancos públicos já levou o governo a capitalizar essas instituições com dinheiro do Tesouro, bancado pelos contribuintes. Estamos livres desse risco?
É preciso ficar bem claro que essa nova emissão de ações não tem nada a ver com a situação em que o banco se encontrava em 1995, por exemplo. Naquele momento houve a necessidade de uma aplicação de dinheiro público, inclusive elevando a participação do governo no bloco acionário, por causa de uma deficiência na contabilidade do banco. O que estamos fazendo agora, com essa nova emissão, não é para tapar buracos do passado. Pelo contrário, a intenção é ter capital para investir e crescer. A participação privada, agora, crescerá. Com relação à ingerência política, tenho certeza de que o banco está hoje muito mais protegido contra qualquer interferência maléfica.

No passado, com a doença da inflação e a instabilidade financeira, não havia crédito suficiente para financiar o consumo e as empresas no país. A presença dos bancos estatais era justificada para suprir essa deficiência. Com a conquista da estabilidade, os bancos privados voltaram a financiar o setor produtivo. Qual a utilidade atual dos bancos públicos?
Não me agrada uma discussão maniqueísta entre público e privado. O modelo misto pode atender a uma economia muito melhor do que os dois extremos. O BB representa muito bem esse modelo. Não é um banco 100% público. Possui ações negociadas em bolsa. Por isso temos a obrigação de apresentar resultados positivos não somente para o governo, que é nosso acionista majoritário, mas também para os nossos acionistas minoritários. Não tenho dúvida de que esses investidores estão felizes com a atual administração do banco. Mas não podemos nos guiar somente pela lógica de mercado. Se fosse para fazer apenas o que as instituições privadas já fazem, seria melhor privatizar o BB. Penso que ainda temos uma função de indutores do desenvolvimento do país. Executamos determinados papéis que às vezes não são atrativos para os bancos privados, desde que mantidas as premissas de rentabilidade que guiam a ação do banco. Somos responsáveis por 65% do crédito agrícola, por exemplo, e temos uma rentabilidade fantástica com essa carteira de clientes.

O crédito tem crescido rapidamente no Brasil, acima de 10% ao ano. O financiamento chegou a pessoas que, até pouco tempo atrás, não dispunham nem mesmo de conta bancária. Podemos sofrer uma crise similar à ocorrida nos Estados Unidos?
A curto prazo, de maneira nenhuma. Não existe a menor possibilidade de termos uma bolha semelhante à americana. Os brasileiros, em sua maioria, ainda estão comprando o seu primeiro carro, a sua primeira casa. Há muito espaço para que o crédito continue crescendo no país. Ao contrário do que ocorreu no mercado americano, no qual as pessoas estavam comprando a sua terceira casa, o seu quinto automóvel. Além disso, o sistema financeiro do Brasil é bem mais conservador, não se norteia por apostas que não sejam lastreadas na economia real. Temos também uma regulação financeira mais rígida, que se mostrou exemplar e coíbe apostas meramente especulativas.

Quais deverão ser os campos mais promissores nos próximos anos do ponto de vista da ampliação do crédito no país?
Podemos esperar duas grandes expansões nos próximos anos. A primeira delas é a de investimentos em infraestrutura. Os financiamentos nessa área deverão avançar rapidamente, estimulados pelas obras necessárias à realização da Copa do Mundo e da Olimpíada do Rio. Haverá também a necessidade de levantar capital para a exploração do petróleo na camada do pré-sal. O segundo evento extraordinário que presenciaremos ocorrerá no setor imobiliário. Com o amadurecimento da economia, os financiamentos residenciais ganharão força. Além disso, estima-se que o país tenha um déficit de 8 milhões de moradias. A massa salarial dos trabalhadores vem crescendo, então as pessoas se sentem mais confiantes para financiar a casa própria.

No capitalismo pós-crise, o sistema financeiro mundial parece caminhar para uma concentração. Como isso afeta o Brasil?
O sistema bancário passa, de fato, por um processo de concentração. Ao contrário do que se possa pensar, isso é salutar. Como em outras atividades, ter escala é fundamental. Sem isso, não há como reduzir custos, oferecer preços mais atraentes e ser mais eficiente. Essa concentração tem sido observada no Brasil. Existem hoje no país dois grandes bancos públicos(BB e Caixa Econômica Federal), dois grandes privados de capital nacional (Itaú Unibanco e Bradesco) e dois grandes privados de capital estrangeiro (Santander e HSBC). Considero esse um bom modelo, com concorrência bastante acirrada. Nesse cenário, é natural que os bancos brasileiros ampliem sua participação no mercado internacional. No BB, temos uma meta de ampliar expressivamente nossas atividades lá fora. O primeiro passo será atender os milhares de brasileiros que vivem no exterior. Outro ponto importante é a internacionalização das empresas brasileiras. Existem hoje 200 grupos nacionais com presença significativa no comércio externo que necessitam de um suporte dos bancos brasileiros.

É possível imaginar a fusão do Banco do Brasil com algum outro banco privado nacional, para assim criar uma potência financeira global?
Não imagino, ao menos a curto prazo, uma fusão pura e simples.

Fala-se de uma possível união com o Bradesco...
Em determinados negócios, por que não? Já somos sócios em alguns empreendimentos. Temos uma cultura de administração muito parecida. Eu, particularmente, guardo uma grande admiração pelo seu Lázaro Brandão (presidente do conselho do Bradesco). Procuro me espelhar na fórmula de administração dele, baseada na simplicidade, na serenidade, no pragmatismo e em muito trabalho.

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