Saturday, January 23, 2010

Um símbolo de esperança


O resgate de sobreviventes soterrados por mais de uma semana
parece milagre, mas não é. Há explicações biológicas para
a sobrevivência em condições tão adversas


Naiara Magalhães


A condição primordial que garante a sobrevivência das pessoas em situações extremas como essa é existir alguma fonte de oxigênio, por menor que seja. O cérebro não suporta mais do que quatro ou cinco minutos sem oxigenação e, uma vez em falência, começa a comprometer as demais funções vitais. Permanecer imóvel também é essencial. Em repouso, os órgãos passam a trabalhar com apenas 25% de sua capacidade de funcionamento, retardando o desgaste do organismo. É possível que uma pessoa aguente períodos relativamente longos sem comida – até vinte dias, estima-se. Isso porque o corpo busca em si mesmo fontes de energia: inicialmente, a glicose armazenada em forma de glicogênio no fígado e nos músculos, depois a gordura intramuscular e da cavidade abdominal e, por fim, os lipídios, a proteína e o açúcar presentes nos órgãos. O corpo consome a si mesmo para sobreviver.Quando se pensava que não era mais possível encontrar vida sob o mar de escombros que restou do terremoto do Haiti, um bebê recém-nascido, cinco crianças, uma jovem e duas senhoras foram resgatados mais de uma semana após a tragédia. A emoção das equipes de resgate por encontrá-los, tanto tempo depois, foi ainda maior diante de gestos de gratidão e alegria dos sobreviventes. Na quarta-feira passada, o menino Kiki Joachin, de 7 anos, saiu de baixo do que restou de sua casa em Porto Príncipe com os braços abertos e um sorriso largo no rosto. Comemorava, disse, por estar "livre" e "vivo". Médicos, bombeiros e familiares disseram estar diante de verdadeiros milagres. A fé pode mesmo ter ajudado essas pessoas a suportar o sofrimento de permanecer soterradas. Mas a sobrevivência diante de condições tão adversas é uma questão biológica. "Não é milagre", diz a intensivista Mariza D’Agostino Dias, chefe aposentada da UTI do trauma do Hospital das Clínicas de São Paulo.

Resistir sem água é mais difícil – o corpo depende dela para realizar quase todas as suas reações químicas. Não se pode determinar com precisão o tempo máximo que uma pessoa conseguiria sobreviver sem ingerir líquidos – essa equação depende de variáveis como o ritmo de desidratação que a temperatura ambiente impõe e a condição geral de saúde da vítima. Sem a ingestão de água, vão se tornando mais lentas as reações químicas que ocorrem nas células do coração, pulmões, cérebro, fígado e rins – órgãos vitais para a sobrevivência. "O organismo consegue driblar por algum tempo a falta de líquido, convertendo gordura em água. Mas há limites para esse recurso", explica o patologista Marcos de Almeida, professor de medicina legal e bioética da Unifesp. Os órgãos param de funcionar gradualmente – a começar pelo coração – e ocorre a morte. Segundo Mariza D’Agostino, dez dias é algo próximo ao limite da resistência à desidratação.

Até o estado psicológico do soterrado interfere em sua capacidade de sobrevivência. Numa situação de pânico, o corpo descarrega altas quantidades de adrenalina e acelera o metabolismo, fazendo com que reservas energéticas sejam gastas mais rapidamente. Uma pesquisa publicada na revista da Associação Mundial para a Medicina de Desastre e Emergência analisou os dados médicos de terremotos ocorridos entre 1985 e 2004. O levantamento mostrou que vítimas desse tipo de desastre sobrevivem, em média, de cinco a seis dias soterradas, mas algumas resistiram duas semanas. A vida às vezes tem limites mais elásticos do que se possa imaginar.

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