Saturday, January 30, 2010

Os apuros de Obama

Muita pompa, pouca substância

Em seu balanço anual, Obama tenta recuperar a sintonia com
a opinião pública e promete criar empregos. Sobre conquistas,
ele não tinha muito que falar


Diogo Schelp

Tim Sloan/Reuters
SURPRESA, SURPRESA
Obama em seu discurso no Congresso: "O que frustra o povo americano é que em Washington todo dia é dia de eleição"

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Notável por sua capacidade oratória, o presidente americano Barack Obama falou bonito, como sempre, em seu discurso sobre o Estado da União, na semana passada. Em matéria de substância, foi uma espécie de discurso bufê: um prato cheio de conteúdos diferentes. Para a plateia mais à esquerda, prometeu levar adiante a reforma do sistema de saúde e acenou com mudanças na política de não permitir o homossexualismo publicamente assumido nas Forças Armadas. Para a direita, falou em congelamento de gastos. Para todos, focou na preocupação número 1 dos americanos: empregos, empregos e mais empregos. Agradar a todo mundo é, obviamente, impossível. Mas o déficit de realizações de Obama está virando um problema sério. No Estado da União, que marca o início de um novo ano legislativo, o presidente americano é recebido no Congresso pelos parlamentares, membros do gabinete e juízes da Suprema Corte, em uma cerimônia pomposa em que todos pulam da cadeira em excessiva quantidade de vezes para celebrar o ri-tual democrático e aplaudir o grande chefe. No discurso, espera-se que o presidente faça um balanço do mandato e aponte as políticas a ser adotadas dali para a frente. O da semana passada marcou um ano de gestão Obama. Nesse período, ele fez uma espécie de manobra Lula em proporções gigantescas – não mexeu no fundamental, a defesa e o pacote para enfrentar a crise econômica, mantidos essencialmente como eram no governo Bush – e apostou no social. Promoveu incansavelmente a criação do sistema universal de saúde e usou centenas de bilhões de dólares dos contribuintes para reenergizar a economia. Houve sinais positivos, dos quais o mais animador foi o resultado do último trimestre de 2009, com crescimento econômico de 5,7%. Mas os especialistas se indagavam se o crescimento seria sustentável (ah, quando falavam essas coisas do Brasil...) e os não especialistas só tinham uma pergunta: cadê os empregos?

O estado das coisas no primeiro ano de Obama no poder, portanto, pode ser resumido em lenta recuperação da crise econômica e muito desgaste político. No momento, ele reúne três características abominadas por qualquer político: popularidade baixa, derrotas eleitorais e pânico nas fileiras do próprio partido. A aprovação de Obama está em torno de 50%, ou menos, dependendo das pesquisas – em comparação com outros presidentes americanos no mesmo estágio do mandato, é um dos índices mais baixos desde a II Guerra Mundial. Os americanos ainda gostam mais dele do que do que faz. A política econômica, por exemplo, tem aprovação de apenas 40%. O esforço para reformar o sistema de saúde, projeto no qual Obama investiu todo o seu capital político ao longo de 2009, é apoiado por uma parcela ainda menor da população: 37%. E só 35% acham que os sucessivos e caríssimos pacotes de estímulo econômico produziram resultados.

Foi fazendo campanha contra a gastança do governo e a reforma da saúde que um candidato do Partido Republicano, Scott Brown, conseguiu se eleger no mês passado senador por Massachu-setts. A vitória de Brown, de grande significado simbólico – a vaga era do falecido Ted Kennedy – e político, pois com ela o governo fica vulnerável a manobras obstrucionistas no Senado, provocou choque nas fileiras obamistas. A rea-ção mais tola foi a dos que acusaram a oposição de fazer, imaginem que mesquinharia, oposição. Já sete em cada dez americanos comuns acharam que a vitória de Brown foi um reflexo da insatisfação dos cidadãos de todo o país com... bem, com o estado geral da nação. Dá para imaginar o arrepio que os políticos democratas sentem ao ler essa estatística, especialmente à luz das eleições legislativas de novembro próximo. Como todos os políticos, de todos os lugares do mundo, deputados e senadores democratas têm no topo da lista de prioridades garantir os seus votinhos ("Todo dia é dia de eleição em Washington", suspirou Obama). Isso explica por que muitos deles não abraçaram a causa da reforma da saúde com o vigor desejado por Obama e agora começam abertamente a encenar uma retirada. Aliás, 55% dos americanos acham que Obama deve simplesmente desistir de passar a lei. A maioria da população, pouco mais de 250 milhões de pessoas, já tem plano de saúde. O projeto de Obama previa abarcar cerca de 30 milhões dos 46 milhões de americanos que não têm assistência médica garantida, e obviamente contar com sua eterna gratidão. Problema: os com cobertura começaram a achar que iam ter de pagar pelos sem ela e, no processo, perder benefícios. "Não vou desistir", prometeu Obama no discurso da semana passada sobre a reforma. Em politiquês, isso significa "a coisa está difícil". Mas não seria tão bonito falar isso no discurso.

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