Saturday, January 30, 2010

Guerra ao Terror, de Kathryn Bigelow

A morte em cada esquina

Assim vive uma unidade de desarmamento de bombas em Bagdá,
no devastador Guerra ao Terror, da diretora Kathryn Bigelow


Isabela Boscov

The New York Times
TENSÃO INSUPORTÁVEL
Um soldado é atingido por uma detonação: homens que acham o tempo todo
que estão prestes a morrer

Enquanto os ocupantes de um prédio em Bagdá são evacuados, o sargento William James, vestido com o escafandro dos técnicos em desarmamento de bombas, caminha até um carro estacionado. Um disparo vindo sabe-se lá de onde incendeia o veículo; James pega um extintor e apaga o fogo. Com o metal ainda escaldante, tenta abrir o porta-malas. Nada; em um gesto que faz o coração vir à boca, James então chuta o bagageiro, que se abre com violência e revela uma meia dúzia de bombas, ligadas por uma confusão de fios. O sargento olha, pensa e tira o traje de proteção, peça por peça: diante de tal quantidade de explosivos, nada poderá salvá-lo caso algo dê errado. Se morrer, então, pelo menos morrerá sem tanto calor. Nos longos, longuíssimos minutos que se seguem, James desmantela o carro à procura da ignição das bombas, enquanto os companheiros se apavoram com as pessoas que saem a janelas e balcões para observá-los: qualquer uma delas pode a qualquer instante digitar um código num celular e acionar os explosivos, ou começar a atirar, ou ser um homem ou mulher-bomba, ou se revelar como qualquer outro dos pesadelos que atormentam os soldados americanos no Iraque.

Guerra ao Terror (The Hurt Locker, Estados Unidos, 2009), que estreia no país na próxima sexta-feira, é um filme feito desses pesadelos. James puxa o fio de uma bomba e com ele vêm, de sob o entulho da rua, outras quatro. James e seus dois colegas caem numa armadilha e passam horas deitados no chão, sem piscar, olhando pela mira de uma arma, com moscas rodeando os olhos e a boca. Encontram um garoto morto, com o corpo recheado de explosivos. São alvos móveis a cada minuto que circulam pelas ruas, nos blindados que volta e meia vão pelos ares com as bombas improvisadas que tentam dar conta de neutralizar. E, principalmente, acham que vão morrer – a todo instante. Assim, embora o filme excepcional dirigido por Kathryn Bigelow ponha de lado até com certa impaciência as questões políticas em torno da Guerra do Iraque, é o mais político de todo o ciclo: para que se peça a alguém que viva uma vida como a desses soldados, feita de mortes infinitas, é preciso ter certeza de que existe uma boa razão para fazê-lo.

Kathryn Bigelow, de 58 anos (que não mostra mesmo), é uma das raras mulheres que têm carreira como cineasta e que, mais raro ainda, se dedicam com muita competência a filmes de ação – como o delicioso Caçadores de Emoção, de 1991. Com Guerra ao Terror, porém, ela saltou para outro patamar. Nunca um filme seu demonstrara tanta força, concisão e firmeza. E, embora dilemas morais sejam comuns em seus roteiros, nenhum até hoje transpirara tamanha urgência: quanto mais o sargento James se arrisca para satisfazer seu vício crescente pelo perigo impossível, mais detidamente a diretora o observa. Este é, sem dúvida, um filme de ação – e de tensão quase intolerável. Mas despreza os cortes rápidos e os enquadramentos de efeito com que poderia excitar frivolamente a plateia. A intenção é que ela segure a respiração junto com os personagens, sinta a mesma vertigem que eles e perceba o modo peculiar como a guerra os desfigura (o título original,The Hurt Locker, é uma gíria que denota uma situação de sofrimento extremo). Aqui não há mais aquela camaradagem e lealdade que são o tema recorrente de tantos filmes de guerra; a certa altura, os dois subalternos do sargento James cogitam seriamente matá-lo, porque não suportam mais ser postos em risco. A guerra moderna, e a do Iraque em particular, não é tão imprevisível apenas porque qualquer civil pode ser o inimigo – mas porque, no pânico que se respira, também os que estão do mesmo lado podem sê-lo.

Camilla Morandis/Corbis/Latinstock
UM CASO RARO
Kathryn, uma das poucas diretoras
de ação: admiração até do ex,
James Cameron


Rodado em locação na Jordânia, Guerra ao Terror custou pouco dinheiro – 11 milhões de dólares – mas muito empenho, na maior parte aplicado à tarefa ingrata de reunir financiamento. Parecia fadado a passar despercebido (no Brasil, chegou a ser lançado diretamente em DVD). Agora, é quase com certeza um dos mais fortes concorrentes ao Oscar deste ano. Espera-se que, nas indicações que serão anunciadas na terça-feira, ele figure nas categorias de melhor filme, direção, roteiro, fotografia, montagem e ator, para o excelente Jeremy Renner, que interpreta o sargento James. Já ganhou uma meia centena de prêmios, em várias ocasiões derrotando aquele que tem sido seu rival mais constante: Avatar, do ex-marido da diretora, James Cameron. Ele foi o primeiro a ler o roteiro que ela escreveu com o jornalista Mark Boal e quem mais encorajou Kathryn a não desistir do projeto. "Ela é que deveria ter ganhado", disse ele ao levar o Globo de Ouro de direção. Esse, enfim, é o assombro de filme que Kathryn fez: capaz de provocar um acesso de humildade até em James Cameron.


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