Guerra ao Terror, de Kathryn Bigelow
A morte em cada esquina
Assim vive uma unidade de desarmamento de bombas em Bagdá,
no devastador Guerra ao Terror, da diretora Kathryn Bigelow
Isabela Boscov
The New York Times![]() |
TENSÃO INSUPORTÁVEL Um soldado é atingido por uma detonação: homens que acham o tempo todo que estão prestes a morrer |
Enquanto os ocupantes de um prédio em Bagdá são evacuados, o sargento William James, vestido com o escafandro dos técnicos em desarmamento de bombas, caminha até um carro estacionado. Um disparo vindo sabe-se lá de onde incendeia o veículo; James pega um extintor e apaga o fogo. Com o metal ainda escaldante, tenta abrir o porta-malas. Nada; em um gesto que faz o coração vir à boca, James então chuta o bagageiro, que se abre com violência e revela uma meia dúzia de bombas, ligadas por uma confusão de fios. O sargento olha, pensa e tira o traje de proteção, peça por peça: diante de tal quantidade de explosivos, nada poderá salvá-lo caso algo dê errado. Se morrer, então, pelo menos morrerá sem tanto calor. Nos longos, longuíssimos minutos que se seguem, James desmantela o carro à procura da ignição das bombas, enquanto os companheiros se apavoram com as pessoas que saem a janelas e balcões para observá-los: qualquer uma delas pode a qualquer instante digitar um código num celular e acionar os explosivos, ou começar a atirar, ou ser um homem ou mulher-bomba, ou se revelar como qualquer outro dos pesadelos que atormentam os soldados americanos no Iraque.
Guerra ao Terror (The Hurt Locker, Estados Unidos, 2009), que estreia no país na próxima sexta-feira, é um filme feito desses pesadelos. James puxa o fio de uma bomba e com ele vêm, de sob o entulho da rua, outras quatro. James e seus dois colegas caem numa armadilha e passam horas deitados no chão, sem piscar, olhando pela mira de uma arma, com moscas rodeando os olhos e a boca. Encontram um garoto morto, com o corpo recheado de explosivos. São alvos móveis a cada minuto que circulam pelas ruas, nos blindados que volta e meia vão pelos ares com as bombas improvisadas que tentam dar conta de neutralizar. E, principalmente, acham que vão morrer – a todo instante. Assim, embora o filme excepcional dirigido por Kathryn Bigelow ponha de lado até com certa impaciência as questões políticas em torno da Guerra do Iraque, é o mais político de todo o ciclo: para que se peça a alguém que viva uma vida como a desses soldados, feita de mortes infinitas, é preciso ter certeza de que existe uma boa razão para fazê-lo.Kathryn Bigelow, de 58 anos (que não mostra mesmo), é uma das raras mulheres que têm carreira como cineasta e que, mais raro ainda, se dedicam com muita competência a filmes de ação – como o delicioso Caçadores de Emoção, de 1991. Com Guerra ao Terror, porém, ela saltou para outro patamar. Nunca um filme seu demonstrara tanta força, concisão e firmeza. E, embora dilemas morais sejam comuns em seus roteiros, nenhum até hoje transpirara tamanha urgência: quanto mais o sargento James se arrisca para satisfazer seu vício crescente pelo perigo impossível, mais detidamente a diretora o observa. Este é, sem dúvida, um filme de ação – e de tensão quase intolerável. Mas despreza os cortes rápidos e os enquadramentos de efeito com que poderia excitar frivolamente a plateia. A intenção é que ela segure a respiração junto com os personagens, sinta a mesma vertigem que eles e perceba o modo peculiar como a guerra os desfigura (o título original,The Hurt Locker, é uma gíria que denota uma situação de sofrimento extremo). Aqui não há mais aquela camaradagem e lealdade que são o tema recorrente de tantos filmes de guerra; a certa altura, os dois subalternos do sargento James cogitam seriamente matá-lo, porque não suportam mais ser postos em risco. A guerra moderna, e a do Iraque em particular, não é tão imprevisível apenas porque qualquer civil pode ser o inimigo – mas porque, no pânico que se respira, também os que estão do mesmo lado podem sê-lo.
Camilla Morandis/Corbis/Latinstock![]() |
UM CASO RARO Kathryn, uma das poucas diretoras de ação: admiração até do ex, James Cameron |
Rodado em locação na Jordânia, Guerra ao Terror custou pouco dinheiro – 11 milhões de dólares – mas muito empenho, na maior parte aplicado à tarefa ingrata de reunir financiamento. Parecia fadado a passar despercebido (no Brasil, chegou a ser lançado diretamente em DVD). Agora, é quase com certeza um dos mais fortes concorrentes ao Oscar deste ano. Espera-se que, nas indicações que serão anunciadas na terça-feira, ele figure nas categorias de melhor filme, direção, roteiro, fotografia, montagem e ator, para o excelente Jeremy Renner, que interpreta o sargento James. Já ganhou uma meia centena de prêmios, em várias ocasiões derrotando aquele que tem sido seu rival mais constante: Avatar, do ex-marido da diretora, James Cameron. Ele foi o primeiro a ler o roteiro que ela escreveu com o jornalista Mark Boal e quem mais encorajou Kathryn a não desistir do projeto. "Ela é que deveria ter ganhado", disse ele ao levar o Globo de Ouro de direção. Esse, enfim, é o assombro de filme que Kathryn fez: capaz de provocar um acesso de humildade até em James Cameron.
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