Friday, January 01, 2010

Estados Unidos O terrorismo volta a assombrar os americanos

A bomba na cueca

Atentado de jovem nigeriano falhou, mas tumultuou – e tumultuará – a vida
de muita gente


Duda Teixeira

Fotos Frank Gunn/AP e AP




INTERIOR EXPLOSIVO
Mutallab: rico, desajustado e disposto a levar material terrorista sobre os genitais


Olhe para a foto à esquerda e lembre-se bem, principalmente se for viajar para os Estados Unidos. O rapaz de olhar sério, filho de família rica e formado em engenharia, que poderia ter um futuro brilhante pela frente, transformou o presente de um bocado de gente num inferno. Algumas medidas implantadas depois do atentado a bomba que por pouco não explodiu um avião da Northwest Airlines incluíram revistas manuais em todos os passageiros. Conforme a empresa aérea, só era possível embarcar com uma única bagagem de mão, obrigatoriamente colocada no compartimento superior e inacessível durante o voo. Objetos indispensáveis, somente no saquinho plástico, famoso desde a tentativa de atentado similar anterior. Uma hora antes da aterrissagem, os passageiros ficaram proibidos de reclinar a poltrona, ir ao banheiro, usar mantas ou travesseiros. Até livros e jornais foram momentaneamente banidos e as coordenadas das aeronaves sumiram das telinhas à frente dos assentos. Tudo por causa da bomba escondida na cueca de Umar Farouk Abdul Mutallab, um nigeriano de 23 anos que morou num apartamento chique em Londres, onde estudou engenharia mecânica, mas resolveu se imolar em nome da versão mais radicalizada da ideologia islâmica. Queria levar com ele as outras 289 pessoas a bordo do voo 253, que havia partido de Amsterdã e se aproximava de Detroit. Em vez de detonar, o explosivo pegou fogo e provocou labaredas até o teto do avião. Um passageiro avançou sobre Mutallab e arrancou o que depois se revelaria uma bomba; outros ajudaram a apagar o fogo. Ele desembarcou dominado, chamuscado e falante. Contou que passou um mês sendo treinado para o pior no Iêmen, país que é uma faixa desértica ao sul da Arábia Saudita, em estado de semianarquia, para onde afluem atualmente novas ondas de candidatos a terrorista da linha Al Qaeda. "Existem muitos outros como eu lá", disse à polícia.

Usar sujeitos desajustados, que encontram uma razão de viver – e morrer – no radicalismo islâmico, não é novidade. Espantosa foi a facilidade com que o jovem Mutallab conseguiu agir. Ele comprou passagem somente de ida, em dinheiro vivo, e embarcou sem bagagem. Depois de ver o rapaz ser cooptado pela rede terrorista, o próprio pai dele, ex-presidente de banco, havia avisado à embaixada americana que o filho estava em contato com extremistas no Iêmen. O pai chegou a falar com um agente da CIA, que preparou um relatório de destino desconhecido. Só faltou um cartaz dizendo: "Sou terrorista". Mutallab viajou com 80 gramas de um explosivo conhecido como PETN, sigla em inglês de tetranitrato de pentaeritritol. Só um escaneador de imagens que mostra todas as intimidades corporais ou um detector específico de resíduos químicos conseguiria indicar a presença do pó. A quantidade era suficiente para abrir um rombo no avião e, assim, possivelmente derrubá-lo. Contaram contra os planos tétricos o treinamento tosco de Mutallab, a rápida reação dos passageiros e a dificuldade de manipular tecnicamente o PETN. "Um alto-explosivo como o utilizado pelo nigeriano pode cair no chão, pegar fogo e ainda assim não explodir", diz o físico Germano Tremiliosi Filho, da Universidade de São Paulo, em São Carlos.

Mutallab preparou o artefato durante cerca de meia hora no banheiro do avião. Saiu com um travesseiro à frente da barriga, sentou-se com a calça aberta e inseriu a seringa com ácido no pacote de explosivo escondido na cueca, bem na altura dos genitais. Em tese, a reação elevaria a temperatura e detonaria a bomba, mas apenas provocou o começo de incêndio. Por causa da sequência seguida pelo terrorista frustrado, foram tomadas as medidas de segurança que parecem absurdas, como proibir o uso de mantas e travesseiros uma hora antes do pouso (e até então, são inofensivos?). Algumas continuarão em vigor e outras serão revogadas, mas o caso da bomba na cueca já deixou suas marcas: a comprovação de que existem espantosas falhas de segurança, mais amolação e mais tensão para os viajantes, e uma suspeita terrível, a de que o próximo maluco pode acertar.

AFP
TRANSTORNO
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