Saturday, January 30, 2010

A classe C vai ao paraíso


Com a ascensão de uma nova classe média, surge também
um novo tipo de turista, que muda a cara do setor no Brasil


Benedito Sverberi

Fotos Laílson Santos e Ernani d' Almeida
CHEGOU MINHA VEZ
A estoquista Deivimar Borges (à esq.) e a secretária Andréia Pereira (à dir.):
aprendendo o á-bê-cê dos voos e aeroportos

O setor de turismo no Brasil vive uma revolução que só não pode ser chamada de silenciosa. Basta observar os cruzeiros e aeroportos lotados de ruidosos clientes – ou atentar para as estatísticas. Uma pesquisa divulgada pelo Ministério do Turismo, no fim de 2009, revelou que subiu para 58,8% o porcentual de brasileiros que viajaram, ao menos uma vez, nos últimos dois anos. No levantamento anterior, de 2007, a parcela era de 32%. Como tantas outras coisas no país, esse aumento está atrelado à ascensão de uma nova classe média. Estima-se que, em breve, o contingente de turistas das classes C e D vai superar o das classes mais abastadas. Em dois anos, a população de menor renda deverá responder por mais da metade dos viajantes. São pessoas como a secretária Andréia Pereira, de 36 anos, que tem renda domiciliar em torno de 2 000 reais e fez com o marido seu primeiro passeio turístico no ano passado, de São Paulo para o Rio Grande do Norte. "Nunca tinha feito uma viagem tão longa, quanto mais de avião", diz ela.

Das companhias aéreas às operadoras de viagens, todo o setor de turismo arma estratégias para seduzir os novos clientes. Um exemplo de empresa que rapidamente se voltou a esse público é a CVC, a maior companhia de viagens da América Latina. Sua estratégia está calcada em preços agressivos, boas condições de parcelamento e qualidade dos serviços. A atenção dispensada à classe C foi um dos atrativos para que o fundo americano de investimentos Carlyle adquirisse o controle da empresa (63,6% de seu capital), no começo de janeiro. O antigo acionista majoritário, Guilherme Paulus, seguirá na empresa como presidente do conselho. Aliás, o lema do grupo americano é que nada muda na gestão da CVC. Ficará mais fácil, contudo, ter acesso a recursos no exterior. A Carlyle também promete transmitir sua expertise financeira para ajudá-la a aumentar ainda mais a escala do negócio. A CVC visa a conseguir, com isso, negociar maiores descontos com hotéis e companhias áreas, entre outros serviços, e oferecer pacotes ainda mais acessíveis, sem prescindir da qualidade. "A CVC é líder em vários segmentos, inclusive alguns típicos de alta renda. Contudo, quem quiser crescer com força nos próximos anos não poderá perder de vista os clientes da nova classe média", afirma Valter Patriani, presidente da empresa.

As companhias aéreas também partiram para a briga nesse novo filão de negócio. A redução média de 34% nos preços das passagens nos últimos dez anos foi suficiente para torná-las competitivas ante o transporte rodoviário. Mesmo assim, o parcelamento a perder de vista virou uma importante arma na conquista dos turistas das classes C e D. A Trip Linhas Aéreas, que atende cidades menos atrativas para as grandes do setor de aviação, oferece uma linha de crédito do Banco do Brasil que permite ao cliente pagar em até sessenta vezes. A TAM, em parceria com o Itaú, trabalha com até 48 parcelas. Já a Gol oferece crédito com recursos próprios, por meio do cartão VoeFácil, e parcelamento em até 36 vezes. "Muitos clientes da classe C gostam de viajar com a família, que, não raro, é numerosa. Por isso, é importante trabalhar com muitas prestações", explica o diretor comercial da Gol, Eduardo Bernardes.

Manoel Marques
LIDERANÇA
Valter Patriani, presidente da CVC,
que foi vendida ao fundo Carlyle:
preços agressivos e parcelamentos


A Gol também desenvolveu um novo formato de loja para atender um público que mal começou a descobrir o prazer de viajar. Instalada numa área de comércio popular em São Paulo, o Largo Treze, a loja não quer só ser mais acessível ao seu público-alvo, mas também lhe dar atendimento diferenciado – o que inclui informações básicas sobre voos e aeroportos. "Na loja de sapatos onde trabalho, as pessoas comentavam que a passagem estava barata. No começo, tinha um pouco de receio de entrar num aeroporto e pegar um avião. Aí, criei coragem e vim conferir", comenta a estoquista Deivimar Borges, 23 anos, piauiense de Paulistana. O receio da cliente, que viajará de avião pela primeira vez em 23 de março, encontra respaldo numa pesquisa feita pelo instituto Data Popular. A consultoria constatou que 75% das pessoas das classes C e D que nunca viajaram de avião afirmam que não se sentiriam à vontade num aeroporto. "As pessoas têm receio porque simplesmente não sabem como agir. Elas associam o serviço a algo de luxo e se sentem intimidadas com o excesso de palavras estrangeiras. Há quem pergunte se check-in é o mesmo que chequinho", relata o sócio-diretor do Data Popular, Renato Meirelles. Por tudo isso, as pessoas são presenteadas, na loja popular da Gol, com um manual sobre como funcionam aeroportos e aviões, no qual se explica, por exemplo, que é preciso despachar as malas antes de embarcar.

Outro segmento do turismo que tem recebido muitos clientes da nova classe média é o de cruzeiros marítimos – que movimentou, na temporada 2008/09, 350 milhões de dólares, transportando 500 000 turistas em dezesseis navios pela costa brasileira. Como os preços dos pacotes são fixados em dólar, a valorização do real em anos recentes fez com que tudo ficasse mais barato. Além disso, a facilidade de pagamento e, principalmente, o sistema "tudo incluído" – entenda-se fartura de comida e bebidas – fizeram com que o número de viajantes da classe C crescesse 32% na última temporada. As companhias de navegação foram além e criaram viagens temáticas, em homenagem a times de futebol, religiosos, sertanejos, e por aí afora. "Uma consequência desse fenômeno é que o público tradicional, das classes A e B, praticamente desapareceu dos navios", diz o diretor comercial da operadora Pomptur, Salomão Barros Costa. A saída para as famílias abastadas tem sido viajar mais para o exterior, visitar hotéis e pousadas "de charme" – estabelecimentos menores, mais caros e mais refinados – e ficar em resorts. Vale também explorar os chamados "novos destinos". São endereços até recentemente inexplorados, como Ponta dos Ganchos, em Santa Catarina. Nessa bela praia, ergueu-se em 2008 um luxuoso empreendimento hoteleiro. São paraísos que os novos turistas ainda devem demorar a descobrir.










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