2/11/2009 - EDITORIAIS
EDITORIAL
O GLOBO
2/11/2009
Está fora de questão que a violência no trânsito atingiu proporções de flagelo, capaz de rivalizar com a violência da criminalidade. Não pode deixar de ocupar destaque na agenda de preocupações de governantes e da sociedade algo que mata 40 mil pessoas por ano, quase tanto quanto o número de homicídios - uma estatística à altura de guerras.
Contra a criminalidade, há algumas experiências positivas em andamento no país. Mas nada que se compare, pelos efeitos quase instantâneos e em escala nacional, à Lei Seca. Sempre se soube do perigo da mistura de álcool com a direção, mas bastou sair uma legislação punitiva e, mais até do que isso, os governos terem decidido aplicá-la de fato, para as tenebrosas estatísticas de mortos e feridos começarem a ficar menos macabras.
Comparando-se os dois últimos feriados, o de 7 de setembro e o de Nossa Senhora Aparecida (12 de outubro), houve, segundo a Polícia Rodoviária Federal, uma queda de 10% no número de mortos em rodovias, uma redução de 4% nos acidentes e 6,5% menos feridos. Deve-se considerar que a base de comparação já está baixa em relação às médias de antes da entrada em vigor da lei, em junho do ano passado.
Seriam inevitáveis discussões jurídicas sobre direitos individuais em contraposição à necessidade crucial de haver normas que zelem pela segurança de todos. A Lei Seca é uma delas. Um ponto nevrálgico nessa questão é o entendimento jurídico de que qualquer pessoa, para não gerar provas contra ela própria, pode se recusar a fazer o teste do bafômetro (mesmo princípio que permite bem assessorados depoentes em CPIs ficarem calados o tempo que quiserem). Quem não aceita fazer o teste termina beneficiado, pois, embora tenha carteira e veículos apreendidos, não é preso. Passou a ser uma rota de fuga conveniente. Tanto que, na reforma do Código de Trânsito, em andamento na Câmara, sugere-se que o motorista, mesmo recusando o teste, seja enviado à delegacia. Outra medida , também acertada, é obrigar todo envolvido em acidentes a examinar o nível de álcool no organismo.
Os resultados conseguidos pela aplicação da lei são animadores e justificam o endurecimento. Mas o ponto-chave, onde também não se admite recuo, é jamais se relaxar na fiscalização em ruas e estradas.
CRIANÇAS NÃO DEVERIAM MORRER
EDITORIAL
JORNAL DO BRASIL
2/11/2009
RIO - Numa das cenas mais poéticas e surpreendentes produzidas pelo cinema, o diretor francês François Truffaut imaginou a queda de uma criança que escapa ilesa de um acidente que teria boas chances de ser fatal. Ela chega ao chão e simplesmente sai andando. A mensagem, passada no longa Na idade da inocência (1976), é direta: crianças nunca deveriam morrer. Infelizmente, a vida não é um filme.
Na semana passada, uma notícia comoveu a cidade de Ribeirão Preto (SP). Uma menina de 4 anos, Geovana Emanuelly Estevão Santos, morreu, vítima de afogamento, ao cair na bacia d"água que estava ao lado da cama onde ela dormia com a mãe. A tragédia, de tão estúpida e aparentemente sem sentido, poderia levar os mais conformados a entender o acidente sob o prisma do descuido, da fatalidade ou até de desígnios superiores. No entanto, a morte de Geovana, como destacou a matéria de capa do Jornal do Brasil de ontem, chama a atenção para um dado preocupante da realidade brasileira: as mortes de crianças em acidentes domésticos ou outras causas externas.
Estes acidentes têm contribuído para uma radical alteração do perfil da mortalidade infantil no país. O Brasil se caracterizava, até pouco tempo atrás, por ser um dos líderes no ranking mundial de mortalidade infantil, sobretudo em função das mortes decorrentes de doenças relacionadas ao subdesenvolvimento. A situação mudou. O índice, que era de 47,1 mortes para cada mil nascidos vivos, caiu para 19,3. Mantido o ritmo de queda, o Brasil antecipará em nove anos, de 2020 para 2011, uma das Metas do Milênio, da ONU, que é de 15,7 mortes para cada mil nascidos vivos.
É um dado realmente positivo, mas que não permite maiores festejos, quando se observa a outra face da mortalidade infantil, ligada às causas externas, como acidentes e violência. Estas têm sido as principais responsáveis pelas mortes de crianças entre 1 e 9 anos de idade. Os acidentes de trânsito figuram em primeiro lugar como causa de óbito. Em seguida, vêm os afogamentos e as agressões, com armas de fogo ou objetos cortantes.
Uma das grandes preocupações é que a faixa etária de quem morre por causas externas está se reduzindo, paulatinamente. E não por conta do acaso, da fatalidade. Geralmente, acidentes envolvendo crianças são tidos como obras do destino ou do disparate dos pais. Estas tragédias ocorrem em famílias pobres e ricas, em bacias d"água e piscinas, dando uma falsa impressão de aleatoriedade. Mas, segundo a organização não-governamental Criança Segura, pelo menos 90% destas mortes poderiam ser evitadas. E não apenas pelo maior cuidado dos pais em relação aos seus filhos.
A questão só aparentemente diz respeito ao âmbito privado e familiar. É um problema que aponta para a necessidade de políticas públicas voltadas sobretudo para as famílias mais pobres. Grande parte dos acidentes ocorre porque os pais, ao terem que trabalhar, deixam os filhos mais novos sob o cuidado dos irmãos mais velhos, também crianças ou adolescentes.
Nesse sentido, urge o investimento pesado do governo numa política de universalização da educação pré-escolar, cujas vantagens para a redução da desigualdade e da criminalidade já foram tratadas neste espaço. A prevenção aos acidentes e mortes de crianças é mais uma razão para que haja a expansão da rede de creches públicas, hoje a maior lacuna na educação brasileira.
ACORDO EM HONDURAS
EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO
2/11/2009
Em pouco mais de 48 horas de negociações, a missão norte-americana em Honduras, chefiada pelo secretário-assistente de Estado para Assuntos Hemisféricos, Thomas Shannon, que é o embaixador designado para o Brasil, conseguiu o que as organizações multilaterais, inclusive a OEA, não obtiveram em quatro meses. O acordo mediado por Shannon e assinado pelos representantes do presidente de facto Roberto Micheletti e do presidente deposto Manuel Zelaya estabelece as bases para o retorno à democracia naquele país e, de tal forma, que nenhum dos lados poderá dizer que saiu vitorioso. Micheletti teve de admitir que a volta de Zelaya à presidência seja decidida pelo Congresso - onde as probabilidades favorecem o presidente deposto - e não pela Suprema Corte - que provavelmente mandaria Zelaya para a cadeia. Mas tem a seu favor o fato de ter liderado um movimento que impediu que Zelaya violasse dispositivos pétreos da Constituição numa tentativa de permanecer no poder. Observe-se que os chamados "golpistas" agiram dentro da lei, até que os militares encarregados de cumprir o mandado de prisão emitido pela Suprema Corte contra Zelaya exorbitaram e o expulsaram do país.
Zelaya, por sua vez, deverá ser reinvestido no cargo, mas apenas para concluir o seu mandato. Manterá suas funções cerimoniais, mas o poder de fato será exercido por um gabinete de união e conciliação nacional. Além disso, Zelaya foi obrigado a se comprometer a não tentar, de novo, mudar as cláusulas pétreas da constituição que proíbem a reeleição.
O caso de Honduras mostra um dos melhores lados da política externa do presidente Barack Obama. Quando houve o golpe preventivo em Tegucigalpa, aplicado para evitar que o país se tornasse mais um satélite do bolivarianismo do caudilho Hugo Chávez, não faltou quem garantisse que os Estados Unidos apoiariam o governo de facto. Mas o que a Casa Branca fez foi juntar-se a todos os países do Hemisfério na condenação da quebra da norma democrática. Depois, deu tempo e espaço para que a OEA e os países da região tentassem mediar o conflito. Só quando falharam todas as tentativas de mediação da OEA e se chegou a um impasse, o governo americano interveio. Com isso, Washington demonstrou que apoia a ação das instituições multilaterais e que ficou no passado a época em que apoiava ditaduras de direita. Mas também deixou claro que usa os poderes de persuasão da superpotência, quando isso é necessário. Em linguagem diplomática, o embaixador Thomas Shannon explicou que o argumento decisivo para a obtenção do acordo foi "o reconhecimento que Honduras tem de ir para as eleições com o apoio da comunidade internacional e que a falta desse apoio jogaria o país ainda mais fundo na crise política". Na verdade, a diplomacia americana jogou, com habilidade, porém com energia, com os dois lados em disputa. E obteve um bom acordo.
A diplomacia brasileira fez o contrário disso. Desde o início da crise, por inspiração do caudilho Hugo Chávez, o governo brasileiro assumiu posições intransigentes contra o governo de facto e a favor do presidente deposto. Ao permitir que Manuel Zelaya ocupasse a embaixada em Tegucigalpa e dela fizesse o centro da agitação política contra o governo Micheletti, o governo brasileiro passou a interferir nos assuntos internos de Honduras, violando um dos princípios básicos da nossa política externa, que é a não-intervenção. Essa inabilidade inviabilizou a possibilidade de qualquer tentativa brasileira de liderar um processo de negociação.
Na sexta-feira, ao tomar conhecimento do fim do impasse em Honduras, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que "o que aconteceu, na verdade, foi que Micheletti descobriu que não é possível governar contra a vontade da maioria". Na verdade, as últimas pesquisas de opinião mostram que os hondurenhos querem que Zelaya complete seu mandato, mas não votariam nele de novo. Quando fez essas declarações, o presidente Lula estava na Venezuela, em companhia de Hugo Chávez, de quem ouvira, pouco antes, que não entendia como um político com mais de 80% de aprovação não podia continuar governando o seu país. O autoritarismo de Chávez o impede de ver que o que marca uma democracia é menos a repetição periódica das eleições do que a possibilidade da alternância no poder. Manuel Zelaya se deixou convencer pela pregação chavista e deu no que deu.
ENCARECENDO A PRODUÇÃO
EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO
2/11/2009
Embrulhadas pelo governo em um conjunto de boas intenções, as novas regras de cobrança do seguro de acidente de trabalho, que entram em vigor no dia 1º de janeiro de 2010, podem conter distorções graves e resultar em aumento do custo da produção no País. Este é o temor da Confederação Nacional da Indústria (CNI), que, numa simulação feita com as novas regras, constatou que as alíquotas devem aumentar para pelo menos 600 mil do 1 milhão de empresas que recolhem o seguro de acidente. Essa receita é utilizada no custeio das aposentadorias especiais e dos benefícios decorrentes de acidentes de trabalho.
O problema não está no seguro, cobrado desde 1991, com alíquotas de 1%, 2% ou 3% aplicadas sobre a remuneração paga pela empresa a seus empregados. Nem está na legislação aprovada posteriormente, que permitiu a mudança dessas alíquotas por meio da aplicação de fatores que variam de 0,5 (que reduz as alíquotas pela metade) a 2 (que resulta na elevação da alíquota máxima para 6%), conforme as circunstâncias e os casos. O problema está na definição, por decreto, da metodologia do Fator Acidentário de Prevenção (FAP), que vigorará em 2010.
A explicação do Ministério da Previdência Social para essa metodologia parece adequada. O objetivo é reduzir a alíquota das empresas que registrarem queda no índice de ocorrência de acidentes e de doenças ocupacionais e aumentar a das que apresentarem maior número de acidentes e ocorrências mais graves. O Ministério tem índices de frequência, gravidade e custo dos acidentes referentes a 2007 e 2008 e os calcula de acordo com as diferentes classes e subclasses de atividade econômica. É sua, por isso, a tarefa de estabelecer o FAP de cada uma dessas classes de atividade, atribuindo pesos diferentes para os acidentes de acordo com sua gravidade.
"Ganham os trabalhadores, que serão valorizados; ganham a Previdência Social, os consumidores e a população, pois reduziremos o custo Brasil; e ganham as empresas, que poderão atuar de forma mais tranquila, além de terem à sua disposição mecanismos mais propícios e saudáveis para a competitividade entre elas", afirmou o ministro da Previdência, José Pimentel, quando o decreto foi assinado.
Até agora, porém, só está certo que o Ministério vai ganhar, pois arrecadará mais. "As mudanças estabelecem uma metodologia e cálculos que nos parecem inteiramente distorcidos e representam mais uma forma de taxação e de tributação das empresas", reagiu o presidente da CNI, deputado Armando Monteiro Neto. "Isso é uma tributação nova que aumenta o custo Brasil."
Na regulamentação do FAP, o Ministério introduziu um critério que agrada aos sindicalistas e à base governista, mas que não pode ser considerado um fator de aumento dos acidentes de trabalho, que é a rotatividade de empregados. Se ela ultrapassar 75%, a empresa não poderá ser beneficiada com a redução da alíquota do recolhimento do seguro. É uma decisão política para aumentar a arrecadação do Ministério da Previdência.
Já em 2010, as alíquotas para as empresas que, de acordo com o governo, não investiram em saúde e segurança serão 75% maiores do que as atuais.
Além disso, o Ministério reclassificou 236 setores industriais, que recolhem o seguro com alíquota de 1% e a partir de 2010 o farão com alíquota de 3%. Só aí se tem um aumento de 200%. Com a aplicação do FAP, a variação entre o que a empresa paga hoje e o que poderá pagar chega a 500%. No caso mostrado pela CNI, uma empresa com folha de salários de R$ 100 milhões, e com alíquota de 1%, recolhe hoje R$ 1 milhão de seguro de acidente de trabalho. Se, em 2010, a alíquota subir para 3% e se o FAP aplicado à categoria dessa empresa for 2, sua alíquota será de 6%, o que resulta no recolhimento de R$ 6 milhões, ou seja, o aumento será de 500%.
Por isso, a CNI vai propor ao governo a revisão dessas regras. Se elas forem mantidas, a entidade poderá mover ação coletiva na Justiça ou estimular ações individuais das empresas. "Essa será uma prioridade do setor produtivo", garante Monteiro.
A VALORIZAÇÃO DO PROFESSORADO
EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO
2/11/2009
Uma semana após a aprovação do novo plano de remuneração dos profissionais de educação, pela Assembleia Legislativa, a Secretaria da Educação de São Paulo anunciou a data das primeiras provas de avaliação e de promoção de professores da rede estadual de ensino fundamental. A prova para os diretores e supervisores de colégios será realizada em 31 de janeiro. A prova para os professores de 1ª à 5ª séries foi marcada para 3 de fevereiro. E a dos docentes de 6ª à 9ª séries será aplicada no dia 4 do mesmo mês.
Votado em regime de urgência, o Programa de Valorização pelo Mérito prevê cinco faixas salariais para os educadores e determina que as promoções a partir de agora sejam determinadas por critérios de assiduidade, tempo de permanência na mesma escola e avaliação de desempenho, por meio de uma prova aplicada anualmente. Segundo a Secretaria da Educação, a qualidade do aprendizado dos alunos está ligada ao preparo dos docentes, à redução das faltas e à estabilidade das equipes escolares.
Pelo novo plano de remuneração do professorado, quem for promovido para uma faixa salarial terá de esperar três anos para poder concorrer a uma nova promoção. A cada ano poderão ser promovidos, no máximo, 20% dos professores. Esse porcentual foi estabelecido para adequar a elevação da folha de pagamento ao Orçamento do Estado de São Paulo. Atualmente, o governo paulista gasta cerca de R$ 700 milhões por ano com o pagamento de salários do professorado. Além da promoção por mérito, os professores continuarão recebendo o Bônus por Resultado, que paga até 2,9 salários extras por ano às equipes que superarem as metas de produtividade estipuladas pelo governo.
A Secretaria da Educação estima que, dentro de 25 anos, mais de 75% dos docentes da rede pública estadual estejam na última faixa salarial. Com isso, os professores poderão encerrar a carreira ganhando até R$ 6.720, salário equivalente ao de um professor doutor em regime de tempo integral e dedicação exclusiva na USP; os diretores de colégios poderão, na última faixa salarial, ganhar até R$ 7.100; e os supervisores, R$ 7.800. Ao todo, 220 mil docentes estão aptos a fazer a avaliação marcada para o início de 2010. São profissionais com pelo menos quatro anos de magistério na rede estadual. Os temporários, desde que tenham quatro anos de vínculo com o governo, também poderão concorrer.
Ao estabelecer o mérito como critério de promoção, o novo plano de remuneração do governo paulista tem por objetivo melhorar a qualidade da rede escolar estadual, estimulando o professorado a se aprimorar e a se qualificar. No entanto, os líderes sindicais do professorado, muitos deles vinculados ao PT, principal partido de oposição à gestão do governador José Serra, do PSDB, opuseram-se a essa mudança. Eles alegam que a Constituição de 88 consagra o princípio da isonomia salarial em cada categoria do funcionalismo público, motivo pelo qual todos os professores teriam direito a receber o mesmo salário. Eles também afirmam que, ao permitir a promoção anual de somente 20% dos docentes, a nova política seria injusta com os demais 80%, desmotivando-os. Os líderes da categoria reclamam ainda que os vencimentos estão defasados e pleiteiam um debate paritário entre dirigentes governamentais e sindicais sobre o futuro do magistério, com o objetivo de fazer na escola pública um "processo de humanização" ? o que quer que isso signifique.
"Com tantas alterações curriculares, mudanças de carga horária, não realização de concursos públicos e inúmeras mudanças de regras, como assegurar a permanência do professor por quatro anos na mesma escola? Como evitar faltas, se os professores estão adoecidos face às condições adversas em que trabalham, com salas superlotadas e jornadas extenuantes?", pergunta a presidente da Apeoesp, Maria Isabel Noronha, depois de afirmar que a atividade docente não pode ser "medida em termos de produtividade" e que "alunos não são produtos".
O que os críticos das mudanças introduzidas na política de remuneração do professorado paulista esquecem é que, onde não há a valorização do mérito nem a preocupação com ganhos de eficiência, não há aumento de qualidade na educação.
CENSURA NUNCA MAIS
EDITORIAL
FOLHA DE S. PAULO
2/11/2009
A abolição da Lei de Imprensa traz incerteza jurídica, o que permite seguidos ataques contra o direito à informação
ABOLIDA formalmente pela Constituição de 1988, a censura prévia persiste no Brasil. Ainda que isolados, os casos se multiplicam, exigindo considerável dispêndio de esforços e de tempo até que, chegando às instâncias superiores do Judiciário -quando chegam-, desmandos evidentes sejam revogados.
Completaram-se na semana passada 90 dias de censura ao jornal "O Estado de S. Paulo", impedido de publicar notícias referentes a uma operação da PF envolvendo o filho do presidente do Senado, José Sarney.
Segundo a ANJ (Associação Nacional dos Jornais), outros casos de violência contra o direito da sociedade à informação se registraram recentemente.
O jornal "O Povo", do Ceará, foi proibido por decisão judicial de noticiar o andamento de um processo sobre o jogo do bicho naquele Estado. Na Bahia, o jornal "A Tarde" conheceu a censura prévia para quaisquer notícias a respeito de um desembargador, acusado de suposta venda de votos. Em Florianópolis, decidiu-se pela apreensão de um jornal (e a retirada de seu site na internet) por trazer acusações contra o prefeito da cidade. Nesta Folha, o colunista José Simão teve silenciados seus comentários humorísticos a respeito de uma atriz de telenovela.
A defesa da plena liberdade de expressão e do direito à informação não exclui, por certo, que jornalistas e órgãos de comunicação venham a ser responsabilizados pelos deslizes e abusos que cometam. Nos planos penal e civil, a sociedade conta com mecanismos capazes de coibir violações da honra e da privacidade dos cidadãos.
Todavia, parece ainda mal compreendida -mesmo em alguns meios jurídicos- a diferença entre censurar um órgão de comunicação e puni-lo pelo que publicou. A censura prévia é um prejulgamento: incide sobre o comportamento futuro de quem a sofre. Qualquer que seja o teor do que viria a ser publicado, suspende-se de pronto, e arbitrariamente, o direito básico de exprimir-se e de informar.
Desde que o Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional, em sua totalidade, a Lei de Imprensa promulgada pela ditadura militar, inaugurou-se um período de incerteza jurídica. A censura prévia, inadmissível pela Constituição, tende a reaparecer em decisões judiciais de primeira ou segunda instância, sem que o princípio constitucional que a abomina possa ser invocado de imediato.
Felizmente, uma iniciativa no sentido de corrigir essa tendência parece a caminho. Ainda a ser publicado, o acórdão do Supremo acerca do fim da Lei de Imprensa deverá incluir uma condenação explícita à censura prévia, em qualquer circunstância.
A elucidação, em tese, não deveria ser necessária, uma vez que a Constituição afirma o princípio com todas as letras. Todavia, dado o impressionante histórico recente de incompreensões e de arbitrariedades em torno do tema, a atitude do STF não poderia ser mais oportuna.
O MELHOR CAMINHO
EDITORIAL
FOLHA DE S. PAULO
2/11/2009
MORREM NO Brasil cerca de 30 mil pessoas por ano em desastres automobilísticos. Grande parte das fatalidades se deve à imprudência dos motoristas, mas não se pode desconsiderar a contribuição das más condições das estradas para essa tragédia.
Pesquisa da Confederação Nacional dos Transportes revela que 70% das rodovias estão em condições classificadas de "péssimas", "ruins" ou "regulares". O levantamento mostra que 46% das estradas não possuem acostamento; 51% têm traçado péssimo ou ruim; a sinalização é insuficiente em 24% da malha.
O mapa rodoviário expõe enormes discrepâncias regionais: entre as dez piores vias, cinco estão no norte do país -três passam pelo Pará. Por outro lado, as dez líderes do ranking situam-se no Estado de São Paulo.
O contraste entre a realidade paulista e a das demais unidades federativas fica patente pelo avanço de São Paulo na concessão de rodovias a empresas. A pesquisa evidencia como as estradas privatizadas deixam federais e as outras estaduais a comer poeira: as primeiras conquistam avaliação positiva em 76% dos casos, enquanto as demais estacionam na casa dos 30%.
Os recursos escassos que o governo destina aos transportes rodoviários precisariam se concentrar na expansão da malha. Vias já construídas cujo fluxo de veículos desperte interesse deveriam ser repassadas à iniciativa privada, a fim de livrar o erário do ônus de sua manutenção. Desde outubro de 2007, quando sete lotes de estradas federais foram concedidos, só houve leilão de um trecho, na Bahia.
Evidentemente não se desata esse nó como num passe de mágica. Os pedágios, por exemplo, se multiplicarão país afora. A experiência mostra, contudo, que a competição pode diminuir a tarifa para o usuário -e que um contrato de concessão bem elaborado e fiscalizado redunda em benefícios para os motoristas.
CORPORATIVISMO DE PONTA A PONTA
EDITORIAL
A GAZETA (ES)
2/11/2009
O Legislativo brasileiro vive momento de novas manifestações de corporativismo. Elas ocorrem ao mesmo tempo no Senado, na Câmara dos Deputados, na Assembleia Legislativa do Espírito Santo e na Câmara de Vitória - para citar apenas quatro casos. É impressionante a disseminação dessa prática.
O Senado protelou o quanto pôde o afastamento do senador Expedito Júnior (PMDB-AP). Finalmente, na última sexta-feira, o presidente da Casa, José Sarney, mandou publicar a decisão do Supremo Tribunal Federal determinando o desligamento imediato do parlamentar.
Expedito Júnior teve o mandato cassado pela Justiça Eleitoral desde 2008. Recorreu ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e foi mantida a cassação. No entanto, continuou na vaga porque o Senado se negou a empossar o suplente Acir Gurgacz até que o STF decidisse a questão -, o que acabou acontecendo neste mês.
A despedida de Expedito foi ritualística. Senadores de diferentes partidos fizeram fila para discursar, derramando elogios ao cassado. O corporativismo não ficou calado. Na verdade, a Casa não está acostumada com cena de perda de mandato. Evitou que isso acontecesse em 2007 com o presidente Renan Calheiros, absolvendo-o de várias denúncias de corrupção.
Em agosto último, salvou-se o senador José Sarney. O Conselho de Ética arquivou 11 processos contra ele por quebra de decoro. Teria havido um "acordão" entre adversários políticos para que também fosse inocentado de acusações constrangedoras o senador Arthur Virgilio, líder do PSDB.
Em 2005, a Câmara dos Deputados foi palco de gigantesca cena corporativista, garantindo impunidade até a réu confesso no esquema do mensalão. Depois vieram outros episódios, todos sem consequência para os acusados. O caso pendente há até poucos dias era o escândalo provocado pelo uso indevido de passagens aéreas cedidas a deputados. O Tribunal de Contas da União apontou irregularidades e havia suspeita até de venda de bilhetes aéreos destinados a parlamentares. Deu em nada. Todos os processos foram arquivados na semana passada.
No Espírito Santo, denúncias esperam apuração na Assembleia Legislativa e na Câmara de Vitória. No Legislativo estadual, a Mesa Diretora não tomou a iniciativa de instaurar procedimentos em relação às acusações contra o deputado Robson Vaillant.
O próprio parlamentar se antecipou a possíveis representações por quebra de decoro. Na última quinta-feira, solicitou à Corregedoria-Geral da Assembléia (da qual é membro efetivo), que apure as denúncias do Ministério Público Estadual na ação de improbidade administrativa aberta contra ele. Vaillant é acusado de operar um esquema conhecido como "rachid", que significa a apropriação parcial ou integral de salários de servidores.
Já na Câmara de Vitória continua na estaca zero a apuração da denúncia contra o vereador Dermival Galvão. Ele é alvo de ação do Ministério Público do Espírito Santo que o acusa de usar servidores do Legislativo, nomeados em seu gabinete, para fins particulares. Os quatro integrantes da Corregedoria-Geral da Casa renunciaram coletivamente, atrasando o início de procedimentos investigatórios.
Esse conjunto de situações lamentáveis mostra a força do corporativismo nas três esferas - federal, estadual e municipal - do universo parlamentar brasileiro. A solidariedade de grupos é inerente ao poder político, mas o seu excesso desgasta as instituições e os que nelas atuam. Espera-se que a avaliação dos eleitores contribua para melhorar a qualidade da representação legislativa.
LIÇÕES DE HONDURAS
EDITORIAL
ESTADO DE MINAS
2/11/2009
EUA conseguem fim da crise em que o Brasil se deixou envolver
Pode estar próximo o fim da crise instalada em Honduras desde 28 de junho, quando o presidente Manuel Zelaya foi deposto e enviado para fora do país, e que acabou envolvendo perigosamente a diplomacia do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas, antes mesmo de terminar, o imbróglio já produziu lições importantes para todo o continente, principalmente para o Brasil. Foi graças à intervenção dos Estados Unidos, de quem os hondurenhos são fortemente dependentes, que se abriu uma janela para a solução do impasse político que colocou de um lado o próprio Zelaya, espertamente entrincheirado na Embaixada do Brasil em Tegucigalpa, e, de outro, o governo golpista de Roberto Micheletti. Fracassaram tentativas de acordo do Brasil e da Organização dos Estados Americanos (OEA). Esta é, aliás, a primeira lição: muita coisa na América Latina ainda depende da ação efetiva da maior potência continental. A boa notícia é que essa ação agora se dá pela via diplomática e não mais pela antiga demonstração de força militar.
Nem poderia ser diferente. Afinal, outra lição ainda mais importante da crise hondurenha é a de que não se aceitam mais governos impostos por golpes militares, mesmo que tenham tido motivo legalmente compreensível. Zelaya tentava promover consulta popular para ganhar o direito de se reeleger, o que afronta a Constituição de seu país. Foi impedido pelo Congresso, presidido por Micheletti, e pela Suprema Corte, com o apoio das Forças Armadas. O problema é que transformaram esse impedimento em deposição. Até aí tinham ido bem o Brasil e todos os demais vizinhos, ao defenderem não a execução do plano de Zelaya, mas a sua volta ao cargo para o qual fora eleito democraticamente. Ao resistir a essa pressão internacional quase unânime, o governo de Micheletti acabou encorajando o ex-presidente a praticar a ousadia de entrar no país para se abrigar na representação brasileira, logo transformada em QG político, agravando o impasse e o constrangimento.
O acordo devolve o poder a Zelaya, mas mantém o impedimento da afronta constitucional da reeleição. Garante a realização das eleições marcadas para 29 de novembro, nas quais o grupo de Micheletti pode tentar eleger democraticamente um candidato. Ao povo hondurenho %u2013 até agora o grande perdedor dessa confusão %u2013 resta a esperança de que a votação seja limpa e seus resultados respeitados. A maior lição de Honduras, contudo, terá de ser aprendida pela diplomacia brasileira. Foi correto manter o abrigo ao presidente deposto, mas deixar-se envolver a esse ponto expôs um perigoso amadorismo. Para um país que emerge como potência econômica e com a aspiração legítima de ocupar assento permanente no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), o Brasil deixou de ganhar pontos preciosos. Deveria ter separado melhor as coisas. Ter por princípio posição democrática contra golpes de estado não obriga o envolvimento em questões internas de outro país. Ao tomar partido de uma corrente, o Brasil perdeu a condição de mediador do conflito, básica para quem pretende ser mais do que um mero coadjuvante no cenário mundial.
EUA CRESCEM, MUNDO COMEMORA
EDITORIAL
CORREIO BRAZILIENSE
2/11/2009
Não há segurança de que os Estados Unidos tenham superado a crise financeira internacional pelo fato de a economia haver crescido 3,3% no terceiro trimestre do ano. Mas existe sinal positivo de que as medidas emergenciais adotadas pelo presidente Barack Obama obtiveram resposta além das expectativas de analistas. O Produto Interno Bruto (PIB) do país havia declinado 6,4% no primeiro trimestre e 0,7% no segundo. A volta por cima, em percentual projetado de forma anualizada, é sintoma auspicioso. O problema posto na perspectiva do futuro é saber se o avanço atual terá sustentabilidade.
A reação do mercado norte-americano chegou na esteira do pacote de ajuda ao sistema produtivo no valor de US$ 787 bilhões (com destaque para a indústria automobilística) e a agências financeiras em dificuldade. Destacam-se, também, incentivos de US$ 2,5 bilhões para que consumidores se desfizessem de carros usados e comprassem veículos novos. Aí estão, entre outras de menor impacto, medidas de natureza conjuntural. O ponto crítico ocorrerá no cenário da transição para relações econômicas sem estímulos governamentais.
Mais preocupante, na visão de especialistas em políticas públicas, é o fato de as desonerações fiscais e distensões monetárias decretadas por Obama acenarem com profundas mudanças já em 2010. A restauração da solvência nacional, incluída aí a do próprio governo, exigirá extensa fase de arrocho tributário, corte de gastos públicos e elevação da taxa de juros. Adverte-se, contudo, que não basta crescer e aprimorar a gestão pública. Cabe aos EUA imprimirem novas disciplinas legais ao mercado financeiro para extinguir as causas que conduziram o planeta à maior debacle econômica desde o crash de Wall Street em 1929.
Palavras de Barack Obama, quando saudou o retorno do crescimento, parecem indicar estar ele consciente das dificuldades que podem despontar daqui para a frente: “É uma notícia bem-vinda, uma indicação de que a recessão está se dissipando e que as medidas que adotamos tiveram efeito. Mas temos pela frente longo caminho, antes que nossa economia se recupere do retrocesso”.
Mas, a julgar pela onda de otimismo nas economias mais ativas do mundo medida pela elevada valorização nos mercados de títulos acionários, há bastante confiança em que os EUA encontrarão o caminho para a estabilidade definitiva. No Brasil, a euforia levou a Bolsa de Valores de São Paulo a uma das maiores altas do ano: 5,91%. Há algo, porém, inexorável: a volta da expansão sustentável em nível mundial depende, em parte substancial, do fortalecimento da economia norte-americana. É problema que convoca todas as nações ao exercício da cooperação.
AVAL PARA O CHAVISMO
EDITORIAL
GAZETA DO POVO (PR)
2/11/2009
Falta muito pouco – ou mesmo nada, a não ser as solenes formalidades de praxe – para que a Venezuela do ditador Hugo Chávez se¬¬ja aceita como sócia do Mercosul pelo Brasil. Só resta ao governo de Caracas, um foco de re¬¬sistência a ser vencido: o Paraguai. O presidente Fernando Lugo bem que deseja a adesão, mas ainda não enviou o tema ao Congresso por não ter encontrado o “momento favorável”. O aval brasileiro deve ajudá-lo nessa tarefa. O pedido de entrada da Venezuela no bloco foi aprovado pela Comissão de Relações Exteriores do Senado, por 12 votos a cinco, um resultado que retrata a forte influência de empreiteiros de obras e outros empresários nacionais com largos interesses econômicos naquele país, somada à pressão pessoal que o presidente Lula exerceu sobre senadores da base governista.
Se tivessem prevalecido critérios exclusivamente econômicos e se, ao menos, tivesse sido obedecida a consagrada liturgia internacional que rege o ingresso de novos membros a blocos econômicos, a decisão do Senado não seria discutível, contestável. Mas não foram estes fatores técnicos os seus determinantes, mas sim um mal disfarçado interesse político-ideológico de viés esquerdista alimentado pelos grupos que dão o tom da diplomacia brasileira sob o governo Lula.
Do ponto de vista das relações comerciais entre Brasil e Venezuela, o apoio brasileiro parece justificável: a Venezuela, que importa 70% de tudo quanto consome, é atualmente responsável pelo maior superávit da balança comercial brasileira. É nosso sexto maior destino comercial. Nos primeiros cinco anos de governo Lula, as exportações para o país de Hugo Chávez cresceram de 760%, saltando de US$ 600 milhões para nada menos de US$ 5 bilhões, a maior parte produtos industrializados, com elevado valor agregado e alto potencial de geração de empregos. Mais: é com a Venezuela que o Brasil consegue obter US$ 4,6 bilhões de saldo na balança comercial, 2,5 vezes superior ao obtido com os Estados Unidos.
Já do ponto de vista político, ao facilitar de tal maneira a inclusão da Venezuela, o Brasil responde positivamente à emulação de Hugo Chávez, que disputa com o presidente Lula posição de maior protagonismo nas Américas Central e do Sul. Por enquanto, pertence a Chávez a melhor marca, quer pela estridência com que desenvolve sua “diplomacia”, quer pelo poder de atração que seus petrodólares exercem sobre pobres e necessitadas repúblicas do continente, a ponto de ter conseguido transformar em satélites países como a Bolívia e o Equador, para não citar o grau de dependência a que já submeteu também a outrora orgulhosa Argentina.
Assim, ao contribuir para o ingresso da Venezuela, o Brasil contribui também para o crescimento dos ímpetos hegemônicos de Hugo Chávez – mentor e tutor de uma ideologia, a que deu o nome de bolivariana, que tem como proposta vanguardista o retrocesso a políticas econômicas e a comportamentos político-ideológicos há muito carcomidos pelo tempo. O populismo nacionaleiro que defende já não serve à moderna dinâmica global, à qual seria preferível os países do continente aderirem.
Na sexta-feira, um dia após a Comissão senatorial ter aprovado o ingresso da Venezuela, o presidente Lula, em visita ao país, transmitiu diretamente ao colega Chávez a boa notícia. “A melhor notícia nos foi trazida por Lula. Veio anunciando a aprovação. Daqui saúdo todos os senadores”, disse ele, acrescentando que “a Venezuela, do ponto de vista moral, político, econômico e territorial é Mercosul”. Aproveitou para rebater as críticas da oposição brasileira, que considera que o seu go¬¬verno, além de ditatorial, contribui para “a divisão e a desintegração da América do Sul”. Não, respondeu Chávez, o seu “país vive em plena democracia”.
Nesse episódio o Brasil atropelou também o rito prévio que torna respeitável, confiável e forte um blo¬¬co econômico entre nações. Não seguimos o exem¬¬plo da Organização Mundial do Comércio (OMC), como lembra o embaixador Rubens Ricu¬¬pero: “Em qualquer organismo baseado na ideia de concessões comerciais o país interessado em ingressar precisa pagar um preço – e o preço estabelecido é a redução de suas barreiras. São negociações extremamente difíceis, que envolvem, além dos tratados coletivos, acertos bilaterais, com cada um dos membros. No caso da OMC eles chegam a 130.”
A China levou 12 anos para concluir as negociações com a OMC; a Rússia luta há 19 anos com o mesmo objetivo. Enquanto isso, “o país [Venezuela] assinou um instrumento de adesão antes das negociações de redução tarifária. É algo inédito. Não conheço nada parecido em nenhum acordo comercial”, reforçou o ex-ministro da Fazenda em artigo publicado na sexta-feira.
Para finalizar: uma das cláusulas constantes do Tratado do Mercosul exige de seus membros compromissos com a democracia. Hugo Chávez está à altura?
MANOBRA NAS CONTAS
EDITORIAL
ZERO HORA (RS)
2/11/2009
A admissão, pelo governo federal, de que precisará se socorrer de um mecanismo de ajuste para conseguir cumprir a meta de superávit primário nas contas públicas é preocupante, apesar de a estratégia estar prevista em lei. Estimada em 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano, a economia feita para o pagamento de juros da dívida ficou mais difícil devido principalmente ao fato de o setor público, particularmente o governo federal, estar gastando mais do que arrecada. Mesmo com a estimativa de aumento na arrecadação de impostos nos próximos meses, o mais adequado seria uma atuação mais firme pelo lado dos gastos e não apenas das receitas bancadas pelos contribuintes.
Com a quarta retração consecutiva no superávit acumulado neste ano, desta vez bem maior do que as anteriores, a queda acumulada já é suficiente para exigir providências imediatas do governo. A possibilidade de dedução de parte dos gastos no Projeto Piloto de Investimento (PPI) e no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), portanto, deve ser vista apenas como uma alternativa emergencial. Às vésperas de um ano eleitoral, é preciso que o poder público atente de imediato para a necessidade de manter receita e despesa mais próximas do equilíbrio, evitando custos adicionais para a sociedade.
Um aspecto particularmente preocupante é que, de janeiro a setembro, as receitas do governo central – aí incluídas as do Tesouro Nacional, Banco Central e Previdência Social – registraram uma queda de 1,9%. No mesmo período, as despesas cresceram 16,5% e, no caso específico do custeio da máquina, a elevação foi maior ainda: 20,4%. Enquanto isso, os investimentos se expandiram em apenas 12,7%, o que dá uma ideia clara da deformação e da necessidade de o poder público agir com rigor e de imediato para romper com essa ameaça. O retrospecto do desempenho das contas públicas demonstra que é sempre preferível agir preventivamente nesses casos, para que o custo a ser arcado pelo contribuinte não se mostre insustentável.
Desde que foi atingido pelos efeitos da crise financeira do final da última década, o país se conscientizou da importância de rumar para o caminho da seriedade fiscal. Os brasileiros deram uma contribuição importante nesse sentido, sendo forçados a assumir uma carga de impostos que se mantém elevada até hoje, sempre na expectativa de uma contrapartida dos administradores públicos na contenção dos gastos. A crise atual levou o governo a aliviar a carga de impostos de alguns setores, temporariamente, e a enfrentar uma queda na arrecadação em consequência da retração na atividade econômica. Faltou, porém, uma preocupação com providências em relação aos gastos, que não têm mais como ser adiadas.
PENSÃO DE GOVERNADORES
EDITORIAL
ZERO HORA (RS)
2/11/2009
Merece apreciação cuidadosa da Assembleia a proposta do deputado Luciano Azevedo (PPS) de extinção da pensão vitalícia paga a ex-governadores do Estado ou para suas viúvas. A proposta, que há dois anos tramita no Legislativo estadual, revoga para futuros ocupantes do cargo esse benefício instituído em 23 de julho de 1979. A lei divide as opiniões dos políticos e dos cidadãos. Uma prerrogativa como essa, que concede um subsídio mensal e vitalício hoje equivalente a R$ 22,1 mil aos ex-governadores, representa algo aceitável para a sociedade? Por que o cidadão tem que arcar com uma aposentadoria dessas?
Um governador não fica incapacitado de trabalhar depois de cumprir mandato. O benefício, que também é comum em outros Estados e que contempla também os ex-presidentes da República, acarretou deformações gritantes em algumas unidades da federação. Em Santa Catarina, por exemplo, o substituto do governador, que o sucedeu durante oito meses enquanto o titular concorria à reeleição, requereu e obteve o benefício, que foi confirmado judicialmente.
A generosidade do legislador em relação a políticos que exerceram o governo por apenas quatro anos (como é o caso de todos os beneficiários gaúchos) precisa ser rediscutida. Qualquer cidadão brasileiro, tanto no serviço público quanto no setor privado, precisa preencher condições severas para completar, depois de décadas de trabalho e de contribuição, os requisitos para obter o direito à aposentadoria. Não seria mais justo que os quatro anos dos governadores ou dos presidentes da República se somassem ao tempo de serviço anterior (ou posterior), em vez de se constituírem por si sós em criadores do direito às maiores pensões pagas pelo Estado ou pelo país?
A VIDA DOS MORTOS
EDITORIAL
JORNAL DO COMMERCIO (PE)
2/11/2009
A pintura retocada, a grama aparada e a limpeza desde a entrada revelam: hoje é dia de receber os vivos. Serviços de manutenção realizados nos principais cemitérios públicos do Recife, Olinda e Jaboatão, conforme noticiado pelo JC na sexta-feira, fazem parte da costumeira preparação para a intensificação de visitas que ocorre, todos os anos, no dia 2 de novembro, feriado de Finados.
Na capital, os cemitérios de Santo Amaro, Parque das Flores, Casa Amarela, Várzea e Tejipió estarão com as portas abertas desde cedo, a partir das sete da manhã. Em Olinda, somente no cemitério de Nossa Senhora da Conceição são aguardadas cerca de quatro mil pessoas ao longo do dia. No de Prazeres, administrado pelo município de Jaboatão dos Guararapes, haverá até uma ambulância à disposição do público, para qualquer emergência causada pela emoção.
Para os povos antigos, segundo o historiador Fustel de Coulanges, o culto aos mortos era uma cerimônia dedicada a divindades – o falecido se transformava num deus a ser reverenciado. “Tinham por eles toda a veneração que o homem pode ter pela divindade a quem ama e teme”, escreveu. E não havia distinção de virtude, já que todos, bons ou maus, honestos ou criminosos, tinham que ser adorados após o último suspiro. Etruscos, gregos, romanos e hindus compartilhavam o que talvez seja o mais antigo culto humano, cuja prática recorda a oferenda aos antepassados, que ainda se encontra na Índia, ou o hábito – mesmo anual – de ver no túmulo uma espécie de templo sagrado em que repousam deuses particulares. Se não é tão imediata a associação no caso de pessoas comuns, basta olhar a quantidade de flores e presentes dispostos nos túmulos dos famosos, como Elvis Presley, Ayrton Senna ou Michael Jackson.
Parte do ritual memorialístico se confunde, de fato, com a figura de um ser supremo a quem se dirige ao mesmo instante amor e medo. O bom tratamento que alguém dispensasse ao túmulo-templo e o cultivo da memória do morto significava, na época antiga, a garantia de que o morto não lhe “faria mal”, em troca do respeito demonstrado pela lembrança. Na nossa época, é possível identificar no comportamento coletivo essa ligação ancestral que mescla redenção e castigo. Assim como nos primórdios da espécie humana, a finalização da vida é geradora de tal perplexidade que nos coloca diante do mistério cuja única saída – para os que creem numa saída – é a transcendência. E assim, como define Fustel de Coulanges, o choque da mortalidade nos transfere “do visível para o invisível, do transitório para o eterno, do humano para o divino”.
A passagem implica em compromissos rendidos à boa travessia. Na Grécia ou na Roma antes de Cristo, um fogo sagrado permanecia ardendo no altar da família em cada residência, com a extinção descuidada da chama representando o advento de uma desgraça sobre a casa. Hoje, no Dia de Finados, cabe ao poder público em cada município a apresentação satisfatória dos cemitérios – templos coletivos – para que a saudação dos vivos aos mortos seja efetuada com a dignidade que a tradição recomenda.
É neste ponto que a cidadania resgata o elo com a história dos antigos. O zelo pela casa dos mortos é uma forma de cuidar dos que vivem, principalmente nos cemitérios públicos. Durante o ano, longe da data de Finados, a falta de manutenção dos cemitérios integra a lista das reclamações constantes da população. Acúmulo de lixo, velórios indignos, capelas abandonadas, insegurança para os visitantes e desrespeito aos mortos, com túmulos violados, são alguns dos problemas denunciados. Sem falar na questão delicada do espaço para novos jazigos, ingrediente perverso no cenário caótico dos centros urbanos. Como legítimos representantes do povo e suas tradições, os governantes precisam estar atentos à importância da vida dos mortos para o bem-estar geral dos vivos, como sugere a imagem criada pelo acadêmico Lêdo Ivo: cemitério é o lugar onde os que se foram não estão, mas aonde os levamos e trazemos, no Dia dos Mortos, como em um passeio de domingo.
PLANEJAR É PRECISO
EDITORIAL
DIÁRIO DO NORDESTE (CE)
2/11/2009
No Brasil, a expectativa da vida humana é de 73 anos. Pelas projeções realizadas por pesquisadores, em 2050 essa expectativa chegará a 81 anos. Tanto o grupo dos jovens quanto o dos idosos representará, cada um, 18% da população na época, em torno de 47 milhões por segmento. Entre os grandes desafios enfrentados em relação à longevidade prevista, está o das aposentadorias para tão grande contingente de pessoas, evidência que está a exigir, desde já, adequado planejamento coletivo a envolver os setores público e privado.
As opções para se ter razoável segurança financeira na velhice vão desde as contribuições para o sistema de previdência pública, como o INSS, sempre às voltas com problemas deficitários, até planos de previdência privada, a cargo de empresas, associações ou estabelecimentos bancários. Esse último sistema proporcionou recentemente imensos prejuízos financeiros na Argentina, embora tenha funcionado com relativo êxito em outros países.
Em seu livro "O Desafio da Aposentadoria", a professora e psicóloga Lúcia França, especialista em teses sobre envelhecimento e relacionamento entre gerações, afirma existir, entre os brasileiros, uma crônica ausência de planejamento para o futuro, falha decorrente de causas históricas, políticas, econômicas, psicológicas e sociais. Desde os tempos da colonização, o processo educativo e o paternalismo existentes na sociedade nacional deram lugar a uma contínua formação de comportamentos dependentes e imediatistas, que foram reforçados com o passar do tempo. Em fases mais recentes, o acelerado agente inflacionário também contribuiu para o brasileiro não se preocupar em prevenir sua estabilidade em função do amanhã.
Dentre os fatores psicológicos, existe o modo tradicional de como os pais educam seus filhos, adiando ao máximo a hora em que os jovens assumam responsabilidades sérias em face da vida. Sobretudo entre famílias mais abastadas, torna-se fato comum que os filhos sejam sustentados por seus genitores até terminar os estudos de nível superior, deixando assim de assumir, por si próprios, o encargo de lidar, a partir do presente, com as peculiaridades ou dificuldades do porvir.
Outros fatores contribuem para agravar a alienação e a indiferença. Assim quanto à atuação de políticos, seus próprios eleitores não se sentem no dever de fazer-lhes cobranças, mesmo sendo responsáveis diretos por suas eleições. E a impunidade parece quase generalizada quanto a ostensivas atitudes lesivas a direitos de cidadania. No caso específico da aposentadoria, a responsabilidade recai tanto sobre os indivíduos em si quanto na sociedade e, igualmente, no poder público.
Por vícios consuetudinários, em que se visa apenas à estabilidade do presente, o brasileiro não usa nenhum dos benefícios possíveis de serem utilizados em favor do futuro tranquilo, como as milhares de pessoas pertencentes ao setor do mercado informal. Prefere-se, até por falta de campanhas de esclarecimento, a acomodação aos ditames de um dúbio destino, que bem teria chances de ser reformulado para melhor.
CÂNCER DE MAMA, HORA DE REAGIR
EDITORIAL
A CRÍTICA (AM)
2/11/2009
Encerrada no sábado, à noite, a campanha de mobilização mundial de conscientização sobre o câncer de mama, tem um ponto seguido, manter o tema na pauta do dia. O câncer de mama é uma das doenças que mais mata mulheres, embora o exame mamografico para detectar tumores em fase inicial possa representar a cura em mais de 905% dos casos, segundo estudos sobre esse mal.
A campanha de mobilização, nascida há mais de uma década na Califórnia (EUA), busca envolver sociedade, instituições e os governos. No Amazonas, especificamente em Manaus, o Teatro Amazonas integrou este ano a série de monumentos que em todo mundo foram iluminados na cor-de-rosa, na última semana.
As luzes do Teatro Amazonas voltaram ao modelo tradicional, mas o que a mobilização aguarda, a partir de agora, é que neste Estado, a conscientização sobre o câncer de mama avance e modifique uma estrutura ainda deficiente no que se refere o alcance e acompanhamento de fato das mulheres em todos os municípios amazonenses. Uma parcela significativa de mulheres está a margem da prevenção e torna-se parte da população de risco, com chances de vir a ser parte do alto número de mortes por essa causa. Agrava esse quadro quando o tratamento é algo muito distante, até impossível.
A campanha tenta provocar reflexões e promover ações, em cada município, que criem uma base para envolver os mais diferentes setores sociais na luta contra o câncer de mama, sem ignorar a exigência de que os governos, nos três níveis, cumpram com as responsabilidades, mas que isso, seja protagonistas na construção de programas locais para envolver mulheres e famílias na prevenção dessa doença e no tratamento adequado quando ela for detectada.
O que a campanha tem por meta, em cada cidade, é reduzir o número de mortes de mulheres por câncer de mama, impedir que as mortes ocorram, enfim que a atenção médica exista e apresente resultados de promoção da saúde e da vida.