Sunday, October 04, 2009

4/10/2009 - EDITORIAIS

O QUE PENSA A MÍDIA


ENCRUZILHADA
EDITORIAL
O GLOBO
4/10/2009

Entre as obsessões da política externa brasileira destacamse o assento permanente no Conselho de Segurança da ONU e o aumento da influência na direção do Fundo Monetário Internacional. Se o primeiro objetivo se apresenta mais distante, o segundo, ajudado pelo comportamento das economias mundial e brasileira nos últimos dez anos, sem desconsiderar a crise, tornouse factível.

Com as reformas da gestão FH e o fato de o governo Lula, principalmente no primeiro mandato, ter seguido à risca a prudência receitada para qualquer política econômica responsável, o país pôde aproveitar, pelo menos em parte, um dos mais longos e sincronizados ciclos de expansão global. Num mundo puxado, em razoável medida, pela vertiginosa reciclagem da economia chinesa — convertida em consumidora pantagruélica de matériasprimas e alimentos disponíveis no Brasil —, o país conseguiu o feito histórico de liquidar a dívida externa e, de devedor contumaz, virar credor do próprio FMI. Passou a dar as cartas, guardadas as dimensões do seu poder efetivo.

A reunião de cúpula em Pittsburgh, EUA, há uma semana, pode ser considerada o resultado de um demorado cabo de guerra, em que países emergentes de um lado e, de outro, um bloco do Primeiro Mundo em que há países cujo PIB não rivaliza com o brasileiro disputaram — e continuarão a disputar — a capacidade de influir em decisõeschave. A crise precipitou o reconhecimento do G-20, gestado nas longas reuniões comerciais da Rodada de Doha, como sucessor do G8 na função de fórum privilegiado para deliberar sobre questões econômicas e financeiras.

Pittsburgh entra para a História por esta e outra decisão: transferir para os Brics (Brasil, Rússia, Índia e China) e outros emergentes de alguma musculatura cinco pontos percentuais de votos no FMI. Brasil e aliados emergentes queriam sete.

Contentam-se, por enquanto, com cinco. Assim, o bloco passará a ter 45% dos votos, e os desenvolvidos, 55%. Já a questão dos assentos no board da instituição deverá continuar em aberto, por causa da resistência da Europa, em que há países com influência superestimada no Fundo. Esta agenda será tema de muita conversa, por estes dias, em Istambul, Turquia, durante a reunião anual do FMI. À medida que o G-20 se robustece politicamente, cresce a premência de o Brasil resolver uma das ambiguidades que afloraram na gestão Lula: o país quer ter peso político equivalente ao da 10aeconomia mundial ou se contenta com liderar países pobres, ditaduras sanguinárias e longevas da África e do Oriente Médio, ser aliado de bolivarianos golpistas em repúblicas “bananeiras”?

ROMPER O CERCO
EDITORIAL
O GLOBO
4/10/2009

A liberdade de imprensa passa por dificuldades na América Latina, num retrocesso lamentável para uma região que vinha consolidando suas credenciais democráticas.

Destacam-se, negativamente, os países do chamado “socialismo bolivariano” — Venezuela, Equador, Bolívia, Nicarágua, onde grassa o autoritarismo. Mas há outros exemplos preocupantes, como a Argentina, onde o casal K luta para aprovar uma lei restritiva aos meios audiovisuais, e Honduras, posta em estado de sítio por conta do impasse político entre o governo interino e o presidente deposto. Nem o Brasil escapa: uma decisão inicial da Justiça censurou o jornal “O Estado de S.

Paulo” em relação a denúncias envolvendo a família do senador José Sarney. E a censura já dura mais de dois meses.

Mas o lançamento de um livro vem lembrar que é a ditadura cubana quem, desde sempre, amordaça a imprensa. Parlamentares brasileiros se empenham para que o regime cubano permita a volta ao país da blogueira Yoani Sánchez, uma jovem escritora que se tornou um dos nomes mais conhecidos fora de Cuba por ter a coragem de manter o blog Geração Y, sobre como é viver em Cuba. Explica-se: a Editora Contexto lança no Brasil, este mês, o último livro de Yoani, “De Cuba com carinho”. Obviamente, a escritora é a personagem principal do evento, mas a forma de o governo cubano boicotar seu trabalho é conceder-lhe apenas o visto de saída, sem direito a volta. Outra é tornar o blog inacessível aos próprios cubanos.

No Senado, num movimento pluripartidário, Demóstenes Torres (DEM-GO) fez aprovar um convite a Yoani. Sérgio Guerra (PSDB-PE) protocolou um pedido na Embaixada de Cuba.

E Eduardo Suplicy (PTSP) usou a tribuna para defender a vinda da escritora.

Lembremo-nos que há em Brasília autoridades com linha direta com os irmãos Castro e cuja interferência seria valiosa para abrir uma fresta nesta “cortina de ferro” que bloqueia pessoas e informações em Cuba. Elas podem mostrar o bem que faria à imagem internacional de Cuba a permissão para que a responsável por Geração Y possa visitar o Brasil, sabendo que não será barrada no aeroporto de Havana na volta. Seria positivo também para a diplomacia brasileira, em mau momento.

A FORÇA PROPULSORA DA OLIMPÍADA
EDITORIAL
JORNAL DO BRASIL
4/10/2009

RIO - Não são poucos os corações e mentes incomodados com a escolha do Rio para ser a sede da Olimpíada de 2016. Há críticos e perspectivas distintos se misturando em direção contrária à euforia e à celebração de boa parte dos brasileiros – e, em especial, dos cariocas, que em sua maioria apoiaram a campanha para que a Cidade Maravilhosa abrigasse os Jogos. Teme-se, por exemplo, a reafirmação de um histórico odioso de corrupção e superfaturamento de obras públicas. Também se alerta para o risco de elefantes brancos, nascidos graças à falta de planejamento adequado para eventos dessa natureza. Critica-se ainda o fato de que o volume de dinheiro destinado à organização da Olimpíada deslocará verbas que, em princípio, deveriam ser canalizadas para obras, digamos, mais prioritárias. Outro conjunto de críticas ataca a incompatibilidade entre um pleito desse porte e a incapacidade do país de, na prática, enxergar o esporte como fator de saúde pública ou de inclusão social.
São preocupações compreensíveis, mas insuficientes. O Rio não poderia ter à mão uma oportunidade melhor para começar a virar o jogo no combate aos graves problemas que o atormentam. São graves, mas não insolúveis, e o mérito de a mais bela cidade do mundo ser escolhida a sede dos Jogos de 2016 produz um efeito considerável sobre a possibilidade de superação dessas mazelas. Desde sexta-feira, com a festa em Copenhague, na Praia de Copacabana, no Corcovado e em todos os lares e gabinetes cariocas, a Olimpíada tornou-se uma força propulsora para mudanças. É isso que ajudará governantes em todas as esferas, empresários e população a reorganizar prioridades, refazer rotas e promover uma verdadeira guinada no ritmo de desenvolvimento econômico – mudanças que hoje, a bem da verdade, já começam a ser sentidas, graças ao histórico esforço conjunto dos governos federal, estadual e municipal.
A mágica olímpica, segundo ensinam as lições deixadas por outras cidades-sede, é criar uma pressão do tempo. Conforme sublinhado ontem, neste mesmo espaço, agora o relógio começará a correr ao contrário, descontando os prazos até o atendimento da pira olímpica. Com os Jogos, portanto, a ardorosa tarefa carioca se tornará menos difícil. Especialistas que se debruçaram sobre os efeitos da Olimpíada numa cidade insistem sobre os ganhos permanentes deixados. Referem-se a efeitos multiplicadores dos investimentos em termos de produção, valor adicionado, salários, emprego, impostos.
O peso do tempo sobre os ombros de governantes e empresários exigirá esforço e competência, capacidade gerencial e planejamento, rigor na fiscalização dos gastos e firmeza de propósitos no ataque às prioridades conhecidas e desejadas. Atrasos de infraestrutura, transportes e turismo serão corrigidos. Irracionalidades ambientais, aplacadas. Deficiências de segurança, reduzidas. A forma como as soluções foram exibidas ao Comitê Olímpico Internacional, e sua aprovação, mostra que estamos no rumo certo.

A POLITIZAÇÃO DO PRÉ-SAL
EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO
4/10/2009

A pressa do governo por encerrar o debate sobre o projeto de exploração do petróleo do pré-sal e sua notória disposição de tentar desqualificar, como antipatriótica ou "entreguista", qualquer crítica à proposta do novo marco regulatório para o setor não deixam dúvidas quanto a sua decisão de transformar esse assunto em um dos principais temas da campanha eleitoral de 2010. Por isso, é inteiramente procedente a advertência feita pelo governador do Espírito Santo, Paulo Hartung - filiado ao PMDB, partido da base governista -, de que a discussão está sendo feita de maneira "açodada" e com forte componente eleitoral.

Hartung foi um dos participantes do Debate Estadão "O futuro do pré-sal", realizado na quarta-feira. A deliberada politização do pré-sal foi criticada também pelo senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), ao observar, durante o debate, que "a questão foi colocada de forma muito emotiva, como disputa entre nacionalistas e entreguistas". É preciso, por isso, "colocar o debate um pouco mais no chão, para que possa ser feito com clareza", disse Jereissati.

Trata-se de um projeto que, por suas dimensões e por seu enorme impacto na economia brasileira - e mundial, se se confirmarem as reservas de petróleo anunciadas pelo governo -, exige discussão séria, objetiva e aprofundada. Diante da imensa quantidade de dúvidas e questões técnicas, financeiras e políticas que precisam ser debatidas e esclarecidas antes de qualquer decisão, a pressa do governo só se explica por seu interesse eleitoral.

Entre os muitos pontos que precisam ser debatidos está a estratégia de nacionalização dos equipamentos necessários para a exploração do pré-sal. A estratégia anunciada repete modelos que fracassaram durante o regime militar, como alertou o senador cearense. Ele lembrou a lei de reserva de mercado de informática - aprovada no governo Geisel (1974-1979) -, que, em nome do desenvolvimento da indústria nacional de computadores e periféricos, fechou o mercado doméstico e produziu graves distorções. Durante anos, o Brasil só pôde dispor de equipamentos obsoletos e muito caros, o que retardou a modernização da economia e reduziu sua competitividade.

Outro exemplo que pode ser citado é o da Lei de Similar Nacional - na versão que vigorou no governo Geisel -, que, além de estabelecer várias exigências para o aumento dos índices de nacionalização de equipamentos e componentes fornecidos para as estatais e da participação do capital nacional no mercado, limitou o número de fornecedores para as empresas do governo. Grupos empresariais escolhidos pelo governo foram grandemente beneficiados por esse esquema - em detrimento do restante da economia -, mas a abertura econômica, no início da década de 1990, revelou o quanto essas empresas ficaram atrasadas e pouco competitivas por causa da proteção de que gozavam. Muitas não sobreviveram à abertura, outras tiveram imensas dificuldades para operar em ambiente de maior competição.

Há também a questão das dimensões econômicas e financeiras do pré-sal. Alguns números apresentados no Debate Estadão pelo presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli, não deixam dúvidas quanto aos problemas que surgirão na estrutura industrial brasileira e no mercado financeiro, caso o projeto do governo tenha êxito.

Gabrielli lembrou que a Petrobrás pretende investir US$ 111,4 bilhões no pré-sal até 2020. Para cada dólar investido pela empresa, há a necessidade de investimento de outros quatro na ampliação da capacidade dos fornecedores de bens e serviços. Ou seja, a indústria terá de investir mais de US$ 400 bilhões para atender ao programa do pré-sal. Seria bom se a indústria brasileira tivesse capacidade financeira para fazer os investimentos necessários e estivesse habilitada tecnologicamente para atender à demanda. Nem tem os recursos nem dispõe da tecnologia. Canalizar todo esse dinheiro para a produção de equipamentos para o pré-sal implicará abandonar outros setores industriais.

Também a capitalização da Petrobrás, prevista já para o ano que vem, exigirá tanto dinheiro - será a maior subscrição de capital de uma única empresa já feita no mundo - que, se for bem-sucedida, drenará quase todo o mercado financeiro. E, se o investidor privado não exercer seu direito de subscrição, o governo ficará com as sobras, aumentando seu controle sobre a Petrobrás.

O TCU FAZ A SUA PARTE
EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO
4/10/2009

Ao auditar 219 obras do governo federal em andamento, o Tribunal de Contas da União (TCU) só não identificou malfeitos em 35. Licitações irregulares, sobrepreço, superfaturamento, alterações indevidas em projetos, orçamentos incompletos foram alguns dos problemas verificados nos empreendimentos que passaram este ano pelo crivo do programa Fiscobras. Duas em cada três dessas construções, ou 149, contêm irregularidades graves - a ponto de, em 41 casos, o TCU recomendar a sua paralisação, mediante bloqueio de verbas.

Entre as obras visadas, 13 fazem parte do Programa de Aceleração do Crescimento, o apregoado pacote de realizações do governo Lula cuja principal serventia até aqui, dado o seu moroso andamento, tem sido a de alavancar a candidatura presidencial da ministra Dilma Rousseff. Os empreendimentos que o TCU quer sustar, tamanhos os vícios neles encontrados, somam R$ 7,38 bilhões em investimentos autorizados este ano. Destes, R$ 4,2 bilhões foram destinados para a Refinaria Abreu e Lima, uma joint venture da Petrobrás com a estatal venezuelana PDVSA. O projeto foi inicialmente orçado em cerca de R$ 8 bilhões. Sucessivos reajustes praticamente triplicaram esse valor. O TCU localizou evidências de sobrepreço em diversos contratos firmados pela Petrobrás.

"Não nos interessa a paralisação de obras. Sabemos dos prejuízos financeiros que isso pode causar", afirmou o presidente do TCU, Ubiratan Aguiar, na sessão que aprovou por unanimidade o parecer do relator do levantamento, Aroldo Cedraz, e deu ensejo a um coro de respostas às críticas do governo, a começar do presidente Lula, à sua alegada propensão a interromper empreendimentos. "Não podemos deixar que prosperem a fraude, o conluio e a corrupção", argumentou Aguiar. "O TCU não é uma casa política", reagiu Cedraz. Outro ministro, o ex-senador Valmir Campelo, mencionou as "agressões" que o tribunal tem recebido. "São os desmandos, o superfaturamento e o sobrepreço que nossa instituição bloqueia."

As acusações ao órgão são de fato improcedentes. A verdade é que o presidente da República não é de perder o sono por serem frouxos, para dizer o menos, os próprios controles do governo sobre o destino dos recursos públicos investidos. "A qualquer preço" é uma expressão que decerto se aplica ao seu afã de entrar para a história como grande realizador - daí a sua irritação com os controles exercidos pelo TCU aos quais atribui viés oposicionista. O que o órgão tenta fazer, a rigor, é estreitar a trama da peneira tornada larga demais pela combinação de indiferença (dos administradores públicos) e voracidade (de seus parceiros privados). Nada mais previsível que uns e outros pressionarem por mais complacência na fiscalização dos empreendimentos envolvendo cifras bilionárias. Ou para restringir a competência do ente fiscalizador.

O TCU julga as contas de cerca de 8.500 unidades administrativas, recomendando ao Congresso a sua aprovação ou rejeição. Ao propor a paralisação de uma obra - "quando não é possível outro remédio para os graves indícios de irregularidades", como diz o ministro Ubiratan Aguiar -, o organismo não pode ser responsabilizado pela letargia dos agentes públicos aos quais cabe evitar as impropriedades trazidas à luz pelas auditorias. Um caso típico é o da reforma e ampliação do Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo. Orçada em R$ 270 milhões, a obra está parada há 1 ano e 7 meses à espera de uma solução para os problemas de sobrepreço, superfaturamento e pagamentos por serviços não previstos que o TCU vem apontando.

"Obras paralisadas ficam mais caras quando são retomadas", observou a ministra Dilma Rousseff ao comentar as novas recomendações do tribunal. (Ela, por sinal, reagiu com moderação. Quem foi escalado para investir com aspereza contra o TCU foi o seu colega do Planejamento, Paulo Bernardo.) Mas nem por isso se justifica a continuidade da alocação de recursos para o prosseguimento de projetos eivados de irregularidades. Se o governo não quer atrasos, que faça as coisas direito.

O PANORAMA VISTO DO FMI
EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO
4/10/2009

Poderá custar caro ao Brasil o novo equilíbrio mundial pregado pelo G-20 e pelo FMI. Mas talvez não haja alternativa. Então, os brasileiros, por via das dúvidas, deveriam preparar-se para concorrer nesse novo mundo. Segundo o FMI, a maior economia do globo, a norte-americana, vai depender do mercado externo mais do que hoje para sustentar seu crescimento nos próximos anos. A explicação é simples. Quando o governo cortar os incentivos, a expansão dos negócios ficará de novo a cargo do setor privado. Mas os consumidores, duramente afetados pelo estouro da bolha imobiliária, deverão ser mais comedidos. Quanto ao investimento em máquinas, equipamentos e instalações, só será retomado para valer quando as empresas tiverem reduzido sua enorme capacidade ociosa e isso ainda vai demorar. Logo, a resposta será buscar na exportação o combustível necessário à expansão econômica.

Para o jogo dar certo, a China e outros países superavitários terão de fazer sua parte, estimulando o consumo, gastando mais em seguro social e importando mais dos EUA e de outros países com déficit nas contas externas. Esse quadro pode parecer muito atraente para quem sonha com uma nova paisagem econômica. Mas ele oferece perigos.

Se China e EUA trocarem seus papéis no comércio internacional, o maior mercado consumidor do mundo, o americano, será menos dinâmico e os produtores estrangeiros terão de competir mais duramente para entrar lá. Os chineses poderão aumentar suas importações, mas não há como saber, por enquanto, se isso compensará a mudança no mercado americano. Além do mais, os produtores dos EUA, mais dependentes das vendas ao exterior, tentarão ocupar mais espaço em todos os mercados, incluído o chinês.

A China já é um dos principais mercados para os exportadores brasileiros, mas o Brasil não é um dos seus principais fornecedores. Além disso, a China é estrategicamente mais importante para o Brasil do que o Brasil para a China. Os chineses têm cerca de US$ 2 trilhões em reservas cambiais. Desse total, uns US$ 800 bilhões estão aplicados em títulos americanos. Se, em algum momento, Pequim tiver de resolver se dará prioridade aos interesses americanos ou aos brasileiros, a deliberação não consumirá mais do que um instante.

Outros fatores também contribuirão para tornar mais dura a concorrência. O comércio global diminuiu com a recessão, e seu crescimento, nos primeiros tempos da recuperação, deverá ser vagaroso. Durante a crise, o protecionismo aumentou na maior parte dos mercados mais importantes, embora sem medidas muito duras. Mas houve, de toda forma, um aumento de barreiras e dificilmente os governos se apressarão a desmontá-las. Enfim, todos os países tentarão ampliar suas exportações num mercado bem menos dinâmico do que foi nos últimos dez anos.

Se metade dessas hipóteses se confirmarem, os empresários brasileiros afetados pelas condições do comércio internacional terão motivos mais que suficientes para se preocupar. De fato, já não lhes faltam preocupações, e a perspectiva de maior valorização do real torna o cenário mais complicado. A possibilidade de ingresso de mais dinheiro destinado ao mercado de capitais - as projeções variam entre US$ 15 bilhões e US$ 25 bilhões - aumenta o temor de um desajuste cambial maior que o atual.

O Banco Central evita provocar grandes oscilações na cotação do dólar. Mas mais seguro é tentar outros caminhos para aumentar o poder de competição dos produtores nacionais. Eles já estavam em desvantagem quando o comércio internacional crescia aceleradamente. A partir da crise, sua situação piorou. As empresas brasileiras envolvidas no comércio internacional são geralmente avaliadas de forma positiva pelos especialistas. As avaliações, no entanto, coincidem também noutro ponto: essas empresas operam num ambiente altamente desfavorável, porque as condições dependentes das políticas públicas são muito ruins. A lista dos problemas, a começar pela qualidade dos impostos, é bem conhecida, assim como a incapacidade política e gerencial do governo de enfrentar os problemas. O Brasil não se está preparando para a nova fase da economia internacional.

IMPORTAÇÃO E PRODUÇÃO NACIONAL
EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO
4/10/2009

O resultado do comércio exterior em setembro tem aspectos surpreendentes. Registra o menor saldo da balança comercial (US$ 1, 33 bilhão) desde janeiro, embora as exportações pela média por dia útil apresentem pequeno aumento em relação ao mês anterior (0,3%), que foi totalmente esmagado pelo crescimento das importações (16,4%). Houve uma modificação substancial em relação aos meses anteriores, quando a queda das importações era superior à das exportações.

Mas o mais surpreendente foram as importações de petróleo, no valor de US$ 1,160 bilhão - um crescimento de 78,4% ante agosto. Trata-se de um aumento anormal, não explicado pela referência a setembro de 2008, quando a importação foi maior em razão do preço e do volume.

No entanto, a importação de petróleo bruto, que representa apenas 9,2% do total importado, não explica sozinha o crescimento das importações. Pela média por dia útil registra-se aumento de 20,2% das importações de bens de capital, de 8,2% das matérias-primas e bens intermediários, de 17,5% dos bens de consumo duráveis (dos quais 15,8% para automóveis) e de 10,4% dos bens não-duráveis.

Nessa evolução temos um retrato da economia brasileira. A valorização do real diante do dólar certamente estimulou as compras no exterior, mas foi essencialmente a política governamental de estímulo ao consumo que favoreceu o aumento das importações e facilitou as viagens de turismo. Se o governo tivesse privilegiado os investimentos, teria havido o aumento da importação de alguns bens de capital. Mas, tendo aumentado o salário do funcionalismo e concedido incentivos fiscais para automóveis e produtos da linha branca, houve um aumento das importações de bens intermediários e de bens de consumo duráveis.

A evolução da produção industrial de agosto, com aumento de 1,2% em termos dessazonalizados, já permitia prever uma elevação das importações em setembro. A produção de veículos automotores cresceu 3,2%, havendo necessidade de importar componentes. O mesmo ocorreu com os produtos da linha branca.

Com a ampliação da utilização da capacidade instalada e da produção, a indústria precisou aumentar as importações de bens de capital - que, no País, apresentaram crescimento de 0,4% da produção. O perigo é que a taxa cambial favorece a desnacionalização da indústria brasileira.

O PAC VAI EM FRENTE
EDITORIAL
FOLHA DE S. PAULO
4/10/2009

Apesar de deficiências estruturais, TCU aponta irregularidades a que o governo Lula não dá respostas aceitáveis

DUAS REFINARIAS , dois aeroportos e cinco rodovias estão entre as 15 obras do PAC cuja paralisação foi recomendada neste semana pelo Tribunal de Contas da União: indícios de irregularidades graves foram apontados pelo órgão. Mais 17 obras encontram-se sob suspeita, e o TCU requer que sejam suspensos os repasses de verbas federais para sua execução.
Foram fiscalizadas, no total, 99 obras do PAC -o que corresponde a apenas 3,9% do programa de investimentos em infraestrutura do governo Lula.
A notícia não foge da rotina. Nos planos federal, estadual e municipal, em administrações aliadas ou adversas ao Planalto, evidências de fraude e superfaturamento -além de embaraços na questão ambiental- acompanham, com inquietante frequência, qualquer obra pública de vulto.
Fiscalizar com rigor esse universo, aliás em crescente expansão com os bons resultados da economia, exige uma estrutura, um poder de intervenção e uma independência que os tribunais de contas estão longe de possuir.
Indicados por razões políticas, seus ministros beneficiam-se de altos salários e poucas atribuições concretas, não raro ascendendo ao cargo numa recompensa por serviços prestados aos governantes, ou numa compensação em casos de malogro eleitoral. Cumpre-lhes, no mais das vezes, apenas endossar os pareceres da assessoria técnica.
Ademais, se ocorre a detecção de irregularidades, as decisões dos tribunais se limitam ao que se viu na semana passada: o TCU apenas recomendou a interrupção das obras ou do fluxo de verbas, cabendo ao Legislativo a palavra final.
Trata-se, portanto, de organismos que se prestam mal ao exercício suas funções legais. Mesmo assim, são capazes de apontar vários casos em que a irregularidade ressalta ao menor exame.
Depois do relatório do TCU, seria de esperar do governo federal, no mínimo, uma atitude de constrangimento -e a promessa de investigar, ou esclarecer, os escândalos de que se suspeita. Não foi isso o que ocorreu.
Valendo-se de uma percepção generalizada a respeito das muitas deficiências do TCU, o governo tratou de contrapor-se ao que, justamente, poderia haver de meritório na atuação do tribunal.
Paralisar as obras do PAC acarretaria aumento nos custos, raciocinou o presidente Lula. A ministra Dilma Rousseff, com o mesmo argumento, recomendou cautela: das irregularidades há apenas indícios e nada mais.
Ingrediente estratégico na campanha para 2010, o PAC tornou-se uma espécie de sigla mística, de entidade sacrossanta e intocável. Com ou sem "indícios", terá de continuar; e que o TCU "fiscalize", mas não perturbe o seu andamento.
Por via das dúvidas, o governo acaba de nomear para o tribunal um aliado de peso: o petebista José Múcio, até há poucos dias ministro das Relações Institucionais do governo Lula. Eis o TCU sendo rememorado de sua verdadeira vocação.

ENERGIA CARA
EDITORIAL
FOLHA DE S. PAULO
4/10/2009

NÃO HÁ dúvida de que é correta e desejável a eliminação dos mecanismos de indexação ainda existentes na economia brasileira. Lamentavelmente, porém, a retirada da reposição automática da inflação dos contratos de geração de energia elétrica terá pouco impacto para o consumidor final.
A cada ano, a matriz energética incorpora volume considerável de energia de usinas térmicas movidas a óleo e carvão. Poluidora e consumidora de recursos não renováveis, a energia dessas fontes é expressivamente mais cara que a hidrelétrica.
A origem da distorção remonta à reestruturação do setor elétrico no governo Fernando Henrique Cardoso, cujo modelo esvaziou o planejamento da expansão do sistema de geração. A isso se somaram atrasos na construção de novas usinas, associados a problemas ambientais.
Os efeitos se fazem sentir agora e serão, por algum tempo, responsáveis pelo encarecimento das tarifas ao consumidor.
Não bastassem os problemas do passado, indefinições jurídicas do modelo concebido no governo Luiz Inácio Lula da Silva ameaçam produzir elevação adicional do preço da energia elétrica em médio prazo. Um grande conjunto de contratos de concessões de usinas hidrelétricas vence a partir de 2015 e ainda é uma incógnita se serão prorrogados ou novamente licitados.
Tampouco está claro qual mecanismo vai garantir que a energia de baixo custo produzida por essas usinas -que tiveram seus investimentos amortizados pelo consumidor por meio das tarifas pagas no passado- contribua para abater o custo da energia das novas geradoras incorporadas ao parque energético.
A permanecerem as indefinições, o Brasil corre o risco de continuar a apresentar tarifas de energia elétrica entre as mais caras do mundo -a despeito de deter um dos maiores potenciais hídricos do planeta.

NOVO PATAMAR DE NEGÓCIOS
EDITORIAL
A GAZETA (ES)
4/10/2009

Pré-sal, Copa do Mundo e Olimpíada colocam a economia brasileira em novo patamar de negócios. Ao mesmo tempo, esses eventos esportivos descortinam para a sociedade a perspectiva de melhoria de serviços públicos com a construção de obras de infraestrutura nos locais de competição. Nesse painel se inclui a perspectiva de aumento de emprego e de renda para a população.

A suposta riqueza petrolífera do pré-sal, Copa do Mundo (a segunda a ser realizada no país) e a Olimpíada de 2016 não são remédios para os males brasileiros, ao contrário do que possa insinuar a propaganda política. Mas concentram preciosas oportunidades de negócios que desafiam diferentes segmentos da economia brasileira.

Em relação ao pré-sal, a luta prioritária dos Estados produtores de petróleo, como o Espírito Santo, é que essa condição seja refletida na partilha dos royalties. São recursos importantes para os cofres dos Estados e dos municípios, para projetos de atendimento às necessidades da população e que ajudam a movimentar economias locais.

Para o setor privado, a exploração da camada de pré-sal abre amplo leque de empreendimentos. O Programa de Fornecedores do Estado, iniciativa de grande sucesso, mantida por instituições empresariais, já está em campo. Vem se articulando continuadamente com a Petrobras e com empresas da cadeia petrolífera visando à participação capixaba no suprimento de materiais e de serviços.

O horizonte de negócios é ainda mais diversificado em relação aos dois megaeventos esportivos. O Espírito Santo não sediará jogos da Copa do Mundo, mas isso não é impeditivo à participação de empresas capixabas em projetos governamentais e do setor privado nas 12 cidades-sedes. Para se ter uma idéia, da grandeza dos empreendimentos previstos, só em São Paulo estão sendo estimados investimentos estatais de R$ 20 bilhões.

O 27° Encontro Econômico Brasil-Alemanha, realizado recentemente no território capixaba, dedicou um painel à discussão da Copa do Mundo de 2014 sob o foco dos interesses empresariais. Nele, um dos destaques foi um estudo sobre as necessidades que devem começar a ser atendidas o quanto antes em importantes áreas, como mobilidade urbana, aeroportos, hotelaria, energia, saneamento e segurança, entre outras.

"Não há uma única cidade das 12 que serão sede que possua, por exemplo, aeroporto preparado para 2014", alerta estudo. O mesmo – pode-se dizer –, em relação àquelas sem jogos oficiais, como Vitória, mas com potencial para atrair turistas e delegações estrangeiras para pré-temporada. E o mínimo necessário é um aeroporto em condições operacionais, que possa receber regularmente linhas aéreas internacionais. É indispensável que se intensifiquem esforços junto ao governo federal visando à conclusão da reforma do Eurico Salles.

Agora, obviamente, o leque de negócios ficou muito maior com a atração da Olimpíada de 2016. Melhor ainda, fica muito próxima à Copa em 2014. A confluência de interesses de empresas capixabas nessas duas festas do esporte certamente requer linhas de ação programáticas e conjuntas, com apoio do setor público estadual.

Poucas horas após a vitória do Rio, em Copenhague, o presidente Lula já estava afirmando não acreditar que a oposição não deve dificultar a Olimpíada. É uma forma de o governo tentar se apropriar politicamente do evento. Mas, também, para que se cobrem do Executivo regras – em termos de impostos, juros etc. – para facilitar o setor privado a atender à demanda de obras.

QUESTÃO DE SOBERANIA
EDITORIAL
ESTADO DE MINAS
4/10/2009

Frente parlamentar discute defesa do país

“A soberania nacional é uma condição primordial no Estado brasileiro.” A frase é do deputado federal Wilson Picler (PDT-PR), presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Soberania Nacional na Câmara. Segundo ele, fica evidenciada sua importância por ser o primeiro artigo na Constituição de 1988, que consiste na manifestação de um poder legítimo e de um poder de direito acompanhados da capacidade de fazer valer tais condições. Para o parlamentar, assegurar um Estado soberano, nos tempos atuais, é necessário ir além de garantir a defesa de nossas riquezas materiais, como o território e seus recursos naturais, sendo necessário também proteger e assegurar a vitalidade da economia, de seu inerente setor produtivo e do patrimônio cultural. Picler lembra que a soberania já esteve em risco quando uma política cambial artificial tirou do país divisas monetárias, a ponto de o Brasil ter de recorrer ao Fundo Monetário Internacional (FMI), que passou, então, a ditar regras e condutas para o governo brasileiro, aniquilando, naquele tempo, qualquer sentimento de soberania.

Na verdade, ao saldar a dívida com o FMI, o governo atual não o fez só por conveniência monetária, mas por ser primordial para o resgate do espírito de país soberano. E parece, segundo ele, que ao investir na defesa, com projetos de reaparelhamento das Forças Armadas, em especial Marinha e Aeronáutica, com a compra de submarinos convencionais, o desenvolvimento do submarino nuclear e a compra de novos aviões de combate com forte apelo pela transferência de tecnologia às empresas brasileiras, o governo Lula segue essa mesma trilha.

Mas o presidente da frente de defesa da denuncia que atualmente grupos internacionais, em especial os norte-americanos, estão comprando universidades privadas, com mais de 100 aquisições já concluídas. Nessas aquisições, pagam em torno de R$ 5 mil por aluno, valendo dizer que 70% do ensino superior brasileiro é privado, com aproximadamente 3 milhões de estudantes. Fazendo as contas, estima-se que com R$ 15 bilhões o capital estrangeiro poderia ficar com todo o ensino superior privado brasileiro, com valores hoje disponíveis em muitos fundos internacionais de investimento. “Muita gente pode acreditar que esses investimentos viriam para a educação, o que é mais um equívoco. Eles vêm, na verdade, para adquirir o controle acionário do que já está implantado e em funcionamento, consistindo apenas em valores para se transferir a manutenção da responsabilidade de brasileiros para grupos internacionais. O mesmo poderá ocorrer com os submarinos e com os aviões, se não forem adotadas medidas restritivas e compensatórias para assegurar que as empresas que receberão a transferência de tecnologia não sejam, no futuro, adquiridas e assimiladas pelo interesse estrangeiro, o que lançaria por terra toda a estratégia de defesa fundada nessa transferência, cuja discussão se arrasta por mais de uma década.”. A existência de uma frente de defesa da soberania nacional, que se propõe a debater esses temas para aprimorar nossa legislação para fortalecer a soberania do Brasil, pelo menos passa a ideia de que o país ainda está longe de viver em berço esplêndido.

FRAUDE E DECEPÇÃO NO ENEM
EDITORIAL
CORREIO BRAZILIENSE
4/10/2009

A quebra do sigilo do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que provocou o adiamento das provas marcadas para este fim de semana, vai muito além de violação criminosa. Jamais se imaginou que iniciativa destinada a avaliar a capacidade de 4,5 milhões de estudantes, sob controle do Ministério da Educação (MEC) e gestão pedagógica de seus órgãos técnicos, poderia ser vulnerável a fraudes. Eis aí a questão nuclear que desponta depois que restou confirmado o vazamento das provas e da decisão do ministro Fernando Haddad de cancelá-las.

Anos de trabalhos realizados por especialistas do MEC e colaboração de expoentes do universo acadêmico, para consolidar a credibilidade técnica e operacional do Enem, acabaram em decepção. E o desastre ocorreu da forma mais desmoralizante possível. Pessoas procuram repórter do jornal O Estado de S. Paulo e propõem vender por R$ 500 mil textos das provas do Enem que seriam ministradas ontem e hoje. Rompeu-se, pelo menos em parte, a confiança em uma das mudanças mais úteis à modernização dos meios para ingresso no ensino universitário.

A situação tende a se complicar porque a realização do Enem em novembro, como planeja o MEC, poderá ocorrer depois dos vestibulares de várias universidades. Estaria frustrado o aspecto estratégico do exame, que é o de habilitar os concorrentes ao ingresso no ensino superior. As notas que lhes forem atribuídas serão, em variáveis que vão de 10% a 50%, consideradas no cálculo para aprovação em vestibulares das universidades federais ou para efeito de admissão direta. Tal critério também é válido para instituições estaduais e particulares. O Programa Universidade para Todos (Prouni), iniciativa do governo federal em favor de estudantes pobres, figura entre os entes beneficiados.

A contabilidade dos prejuízos começa com o desgaste piscológico dos candidatos vitimados pela frustração, dos gastos que muitos residentes no interior fizeram para alcançar os locais das provas e vai a novo saque nos recursos públicos. A reimpressão e a distribuição de novo modelo de questões custarão R$ 30 milhões ao MEC — vale dizer, aos contribuintes.

Conhecidos os imensos estragos, cumpre agora à polícia judiciária competente — no caso, a Polícia Federal — empreender investigação rigorosa para localizar o responsável (ou responsáveis) pela ação delituosa. Algo que deve abranger desde a impressão e distribuição do material — tarefas confiadas ao Consórcio Nacional de Avaliação e Seleção, composto das empresas Consultec, da Fundação Rio (Funrio) e do Instituto Cetro — até todos os agentes públicos e privados que o manusearam.

Sabe-se que sempre houve cautelas do MEC para evitar investidas fraudulentas contra o Enem. O episódio funesto de agora mostra que são necessários mais eficazes instrumentos de controle e medidas carregadas de maior impacto preventivo.

JOGO EQUIVOCADO
EDITORIAL
GAZETA DO POVO (PR)
4/10/2009

Aproxima-se o dia em que os deputados brasileiros dirão se querem ou não a volta do jogo no paí¬s. Há pouco menos de duas semanas, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Federal aprovou projeto de lei que permitirá o funcionamento de casas de bingo, de caça-ní¬queis e outras modalidades de jogo de azar, deixando-o pronto para ser apreciado pelo plenário, provavelmente ainda neste mês de outubro, e, se aprovado, encaminhado ao Senado para a votação final.
Não é a primeira vez que se tenta reinstituir a jogatina no Brasil. Desde que o presidente Eurico Gaspar Dutra, sob a influência de sua esposa, dona Santinha, baniu os cassinos glamurosos que existiam até a segunda metade da década de 1940, muitas foram as tentativas de ressuscitá-los. Chegou-se próximo disso quando, por muitos anos, a partir dos anos 80, permitiu-se a instalação de casas de bingo e a exploração de máquinas caça-ní¬quel – modalidades de jogos de azar finalmente proibidas por uma medida provisória assinada pelo presidente Lula em 2004.
Agora, entretanto, os defensores do retorno reaparecem com mais força, embora carreguem o mesmo velho, surrado arsenal de argumentos que sempre brandem para convencer os incautos. Segundo eles, a aprovação da lei criaria pelo menos 300 mil empregos no país com a instalação – calculam – de 1.500 casas de bingo e um sem-número de caça-ní¬queis. Num mo¬¬mento de crise no mercado de trabalho, o argumento soa forte. Mais ainda quando, a referendá-lo, está o entusiasta presidente da Força Sindical, o deputado paulista Paulo Pereira da Silva.
Entretanto, tal suposto benefí¬cio não é seguramente suficiente para compensar os malefí¬cios sociais que sem dúvida advirão, especialmente para as pessoas que são dependentes do jogo e para suas famílias. Também não há argumentos convincentes para derrubar as evidências que ligam o jogo às mais diversas modalidades criminosas, incluindo lavagem de dinheiro, sonegação fiscal e tráfico de drogas. São atividades comprovadamente interligadas, cujos prejuí¬zos econômicos e sociais nunca poderão ser compensados pelo acréscimo de 0,5% sobre a massa de 60 milhões de brasileiros atualmente empregados.
Vê-se, desde logo (salvo para os que se deslumbram com a luxuosa, iluminada e falsa agitação de Las Vegas), que a jogatina não deve figurar entre as melhores alternativas para a geração de empregos, especialmente num paí¬s tão rico em recursos naturais e humanos e com tão grande potencial de exploração de oportunidades econômicas produtivas. Disso devem saber os lobistas da volta do jogo, ainda que agreguem outros argumentos ao da criação de empregos, como a dinamização do turismo e seus ramos correlatos. Esse conjunto é visivelmente frágil diante dos nefastos efeitos que sobrevirão com a associação de jogo e crime organizado.
Certamente sabendo frágeis as suas razões, os parlamentares autores do projeto de lei acrescentaram outras, de cunho aparentemente nobre, fazendo constar artigos que tornam obrigatória a destinação de parte da renda das casas de jogo a setores sempre carentes de recursos, como a educação, a saúde pública e o desenvolvimento de esportes. Como se fosse possí¬vel fiscalizar com o rigor contábil a movimentação financeira de alguns milhares de caça-ní¬queis! E como se, no ramo, não fossem usuais os processos de corrupção para fins de sonegação tributária!
Aliás, lembre-se que por alguns anos as casas de bingo funcionaram no país protegidas por leis que as “obrigavam” a reverter porcentuais de seus lucros para atividades esportivas. Tais leis ganharam nomes populares – primeiro, a Lei Zico, depois, a Lei Pelé, homenageando ídolos do futebol que, feitos ministros de Estado, as propuseram. Deu no que deu: não só não houve quem fiscalizasse seu cumprimento, como escândalos de corrupção envolvendo agentes públicos tentados a tirar vantagem brotaram de todos os lados. Foi um desses escândalos, o que envolveu o assessor da Presidência Waldomiro Diniz, flagrado cobrando propina de chefões do jogo, que levou o presidente Lula a assinar a medida provisória que baniu o jogo no país.
Se a questão é criar empregos e melhorar a educação e a saúde, o Congresso Nacional tem outros instrumentos, certamente mais eficazes e moral e economicamente recomendáveis do que liberar a jogatina. Para tanto, basta cumprir o seu papel constitucional de fiscalizar o Executivo e de propor polí¬ticas públicas para aqueles setores. Ou preferirão, em lugar disso, apenas fazer a alegria do submundo da exploração do ví¬cio?

A CULTURA DA BURLA
EDITORIAL
ZERO HORA (RS)
4/10/2009

O rumoroso episódio do adiamento do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que seria realizado neste final de semana em todo o país, evidenciou mais uma vez o quanto a corrupção está incrustada na sociedade brasileira. Basta surgir uma oportunidade e logo aparecem espertalhões para tirar vantagem. Os trapaceiros sobrevivem, prosperam e se multiplicam por causa da impunidade, mas também – e principalmente – porque muitas pessoas que se consideram honestas compactuam com as burlas. Quem roubaria uma prova escolar se não tivesse a certeza de que alguém pagaria por ela?

No caso específico, felizmente, o ciclo vicioso foi interrompido por uma denúncia responsável. Difícil é saber se antes de oferecer a informação para um órgão de imprensa os vigaristas não a repassaram para outras pessoas interessadas em conhecer antecipadamente as respostas das questões do concurso. Quem cola na escola, fura fila, recebe ou paga propina, acha-se no direito de estacionar em fila dupla mesmo que isso prejudique outras pessoas ou comete pequenas contravenções porque não dá nada, ou porque outros também o fazem, quem assim procede está contribuindo para disseminar no país esta cultura da burla, geradora das grandes falcatruas.

Enquanto o Brasil continuar sendo o país do jeitinho – e algumas pessoas se orgulharem disso –, será difícil promover a mudança de mentalidade necessária para um combate efetivo da corrupção. Como ensina a teoria das janelas quebradas, uma casa que parece abandonada serve de atrativo para marginais, drogados e criminosos. Um simples vidro quebrado que não é consertado pode ser o gerador de um ambiente propício à criminalidade. Da mesma maneira, a tolerância com pequenas irregularidades e com pequenos delitos acaba gerando um modelo de corrupção e impunidade.

É evidente que os grandes golpes devem ser reprimidos com vigor, que todos os brasileiros precisam continuar vigilantes com a administração pública, cobrando de governantes e representantes políticos total integridade. Mas têm o dever, também, de não transigir com qualquer tipo de irregularidade, independentemente de sua dimensão, ocorra ela na área pública ou no setor privado. O país convive com esperteza demais, com sujeira demais, com salafrários demais. Não é possível que dois ou três facínoras interessados em ganhar dinheiro fácil prejudiquem desta forma milhões de estudantes, perturbem todo um sistema educacional, provoquem o adiamento de vestibulares, causem tanto transtorno e continuem impunes. As autoridades policiais e judiciais têm o dever de responsabilizar esses delinquentes. Mas tão importante quanto achar os culpados e puni-los devidamente é começar logo a prevenir a burla, o que só poderá ocorrer através da educação, do exemplo e do envolvimento de todos com a correção deste mal endêmico que parece não ter fim.

INVERSÃO NA PIRÂMIDE
EDITORIAL
ZERO HORA (RS)
4/10/2009

A estimativa de que, num futuro muito próximo, a queda na taxa de fecundidade fará a pirâmide etária virar de cabeça para baixo no país acena com uma perspectiva de mudanças demográficas radicais para as quais o país deve se mostrar preparado. Estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) revela que a faixa da população brasileira com mais de 90 anos de idade, hoje com um crescimento em torno de 4% ao ano, passará a se expandir num percentual de 6%. Simultaneamente, a faixa etária entre 15 e 29 anos começa a diminuir já no ano que vem, o que também tem repercussões importantes sob o ponto de vista de políticas públicas pautadas por um mínimo de eficiência.

O aumento da idade média da população, fenômeno registrado não apenas no Brasil, mas também na maior parte dos países desenvolvidos, é resultante de avanços em diferentes áreas, como saúde pública e políticas de saneamento. Trata-se, portanto, de um fato que deve ser comemorado e ampliado ainda mais para as próximas gerações, com a definição imediata de programas com objetivos claramente definidos a médio e longo prazos para a consolidação dessa conquista.

Se a estimativa é de que, em 2030, o Brasil terá a composição etária do Japão de hoje, já dá para se ter uma ideia sobre aonde o país precisa chegar para fazer com que o avanço se constitua realmente num ganho para a população. Assegurar os pressupostos para que mais e mais pessoas avancem na idade implica também a obrigação de propiciar a elas melhores condições de vida, tanto sob o ponto de vista físico quanto do psicológico.

Entre os desafios prioritários diante dessa nova tendência, estão as mudanças previstas em áreas como o mercado de trabalho e a previdenciária. Uma sociedade com maior número de idosos cria também novas demandas para as quais tanto o poder público quanto o setor privado precisam estar preparados para atender, a começar pelas de lazer e no âmbito cultural, sempre com o objetivo de dar ainda mais sentido a uma existência prolongada.

PROTEÇÃO CLIMÁTICA
EDITORIAL
DIÁRIO DE PERNAMBUCO
4/10/2009

Embora o Brasil se tenha tornado importante quanto às pesquisas que recaem sobre os gases poluentes da atmosfera, faz-se necessário que o país se prepare bem para discutir, na próxima conferência de Copenhague, em dezembro vindouro, as alternativas que se oferecem com o objetivo de se conter a degenerescência das camadas protetoras. Uma verdade é dada como geral e científica, e é que, se nenhum esforço for realizado pelos principais países poluidores até o ano de 2020, a situação do mundo se tornará dramática, talvez irremediável nos exatos termos da palavra.

O principais agentes poluidores se acham identificados. São eles a indústria de maneira geral, a agricultura, a energia e o desmatamento dentre outros de menor relevância. O caso do Brasil é paradoxal: o país causa poluição e areja ao mesmo tempo, mas este balanço não está ainda concluído. Um estudo exaustivo do problema poderia estar disponível nos próximos doze ou quinze anos, porém, inúmeras autoridades no assunto acham estes dois prazos mínimo e máximo pouco realistas. Formar-se-ia uma "rede clima" no país, a fim de dar suporte aos Ministérios do Meio Ambiente e da Ciência e Tecnologia, sobretudo ao da Ciência e Tecnologia, ao qual o governo da república entregou a gestão e a responsabilidade de aprontar e oferecer aos meios competentes o Inventário Brasileiro das emissões de gases perniciosos. Ao fazê-lo, o país se apresenta na qualidade de membro da UNFCCC, a sigla em inglês da convenção sobre o clima das Nações Unidas. Para que se tenha ideia das dificuldades a superar, foram associados à pertinente pesquisa, cada qual com o respectivo quinhão, dentre outros órgãos e entidades categorizados, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a Embrapa, o setor de estudos energéticos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a Cetesb.

Aventam os peritos que o problema de determinar as necessárias definições é mais financeiro do que tecnológico. O dióxido de carbono, por exemplo, já é injetado de volta à terra há muitos anos na indústria petrolífera. Inicialmente, isto era feito para ajudar na captura do petróleo: o CO2 entra no reservatório, aumenta a pressão desse espaço e, desta maneira, faz o óleo subir até onde se queira, ou seja, até a superfície onde estão os equipamentos coletores.

O grande desafio, ainda que em operações conhecidas e aprovadas pela técnica tradicional, é fazer tudo isto a um preço que possa pagar a economia. Se temos podido pagar tais custos na captura do ouro negro, não se pode dizer a mesma coisa em relação ao enterro do dióxido de carbono. Aqui, a história muda de figura. As cavidades potenciais que venham a ser deixadas pela exploração do óleo do pré-sal preocupam os técnicos que se debruçam sobre o assunto. É que os futuros poços do pré-sal contém muito CO2 que será lançado na atmosfera durante os trabalhos de exploração das jazidas. Poderá de fato sair cara a fórmula de deixar escapar o gás, para depois reinjetá-lo noutras condições. Os técnicos brasileiros acham-se frente a problemas efetivos, demasiado reais, antes de cuja resolução não é nada encorajador escrever relatórios com o approach de científicos.

DIFÍCIL, MAS NECESSÁRIO
EDITORIAL
A CRÍTICA (AM)

Embora não seja uma tarefa fácil cassar o mandato de um eventual político que tenha quebrado o decoro e/ou ferido gravemente a legislação eleitoral, essa é uma necessidade imperiosa, sob vários aspectos, cuja tomada de decisão precisa ser, no Brasil, cada vez mais célere, porém sem ferir o rito legal desse procedimento.

A propósito, veio do Supremo Tribunal Federal, o STF, sinais nessa direção, visto que essa Corte houve por bem revogar liminar provisória do ministro Eros Grau, que, no último dia 14 de setembro, suspendeu todas as cassações de mandato de governadores e de deputados federais que estavam em andamento no Tribunal Superior Eleitoral, o TSE.

A decisão do Pleno do STF, portanto, reforça a disposição manifestada pelo Corte eleitoral, por meio de seu presidente, ministro Carlos Ayres Britto, de analisar e de julgar os processos que tem em mãos até o fim do mandato dos políticos que com ela estão implicados. Assegurado o amplo direito de defesa dos réus, não resta dúvida de que, no fim das contas, quem ganhará com isso será a democracia.

Está claro que é preciso fortalecer o processo democrático no País, bem como aprimorar a legislação eleitoral, e não será postergando e/ou evitando julgamentos de mandatos – nesse último caso, como costuma ocorrer no Legislativo –, tampouco retocando apenas o teor de algumas regras eleitorais, que se logrará êxito nessas empreitadas.

No primeiro caso, respostas tardias – e a falta delas, sobretudo – tendem a alimentar a sensação de impunidade gerando, por tabela, a falsa e prejudicial ideia cultivada por muitos eleitores de que políticos são todos iguais, ressalvadas, obviamente, as variações de grau de cada um deles em relação aos seus próprios interesses e os do grupo de que participam.

No segundo caso, já é conhecida a necessidade de se ir mais a fundo na legislação eleitoral, de modo a evitar, na origem, problemas relacionados à falta de ética no exercício do mandato. Daí a importância da proposta de iniciativa popular que visa barrar, nas eleições vindouras, candidatos fichas suja. Dentre eles, por exemplo, os que tenham sido condenados em primeira instância.

Do contrário, o TSE continuará entulhado de processos, por um lado, e, por outro, no Legislativo, haveremos de assistir à resistência e ao constrangimento de parlamentares em cassar eventualmente o mandato de seus pares, embora isso, em muitos casos, seja uma necessidade.

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