Friday, October 31, 2008

EXORCIZAR ELEFANTES AINDA É MAIS SÁBIO DO QUE EXORCIZAR SARAMAGO

REINALDO AZEVEDO,

Talvez os leitores de romances em língua portuguesa possam ser divididos entre os que gostam e os que não gostam de José Saramago. Eu não gosto. Porque ele é comunista e babão? Se o assunto é literatura, estou pouco me lixando pra isso — o meu modernista predileto é o esquerdista Graciliano Ramos. A ideologia de Saramago tem, sim, interferência em sua obra, já trato disso, mas nem é o que mais me incomoda. É que acho mesmo — ó heresia! — que o homem escreve mal. Aquela sua particular pontuação torna seu texto, pra mim, pedregoso, desagradável. Um certa confusão de vozes no texto, longe de enriquecê-lo, só o torna obscuro. Oh, nada contra escritores difíceis, não é? Estou sempre disposto a despertar de um sono profundo em busca de novas experiências textuais. Mas preciso ganhar alguma coisa na trajetória. O que Saramago me oferece?

Nada! Trata-se de um dos notáveis da literatura mundial de idéias mais rasas e curtas sobre a humanidade no seu conjunto e o indivíduo no particular. Saramago é incapaz de avançar dois dedos de metafísica além da sua cegueira comunista — ou submarxista, já que é um dos herdeiros do marxismo cultural; de economia, claro, ele nada entende, a exemplo da larga maioria da esquerda festiva. O Evangelho Segundo Jesus Cristo é emblema dessa vigarice intelectual.

As religiões, e o cristianismo em particular, podem ser atacadas de muitas maneiras convincentes. A escolhida por Saramago é a de um materialismo triste, cinzento, como se as esperanças e crenças, para ele infundadas, do cristianismo não fizessem, elas também, parte, vá lá, da nossa aventura. Ocorre que, para ter um entendimento tolerante da religião, por mais que se desprezem seus fundamentos, é preciso admitir a indeterminação do futuro. E Saramago, como bom comunista, já sabe no que isso tudo vai dar: afinal, ele teve acesso às leis gerais da humanidade. E não vai dar num bom lugar, não! Porque, para piorar, ele é pessimista sobre o triunfo das suas próprias ilusões.

Leio na Folha que ele vai lançar no Brasil seu próximo romance, A Viagem do Elefante. Informa a repórter que o livro traz “provocações” à Igreja e ao capital. E aí fala o próprio autor: “A igreja, que, para efeitos propagandísticos, cultiva a modéstia e a humildade, nos comportamentos age com um orgulho sem limite. Por isso criei esse padre, que quer exorcizar um elefante, como se fosse possível imaginar o que vai ali pela cabeça do bicho e, por analogia, o que vai pela cabeça de um homem comum."

Eis Saramago e sua constrangedora pobreza filosófica. Melhor momento do que esse, ele só teve quando convidado a falar sobre Jorge Amado, que acabara de morrer: “Morreu porque estava vivo...”, começou. O resto eu não li. Imaginem alguém que, a esta altura da, digamos, marcha da civilização, tem na Igreja Católica ainda um oponente a ser combatido — como se um dos poderosos adversários da Santa Madre não fosse, vejam só!, justamente o capitalismo, que o escritor gostaria de ver exterminado. Pobre Saramago rico (artes do capital...)! Ele não entendeu nada! E suas ignorâncias passam por fina sapiência. Se fosse só para bater boca, diria ser melhor uma Igreja que exorciza um elefante do que um comissário do povo que exorciza a história da humanidade. A imagem é coisa de beócio.

Gargalhada mesmo, no entanto, eu dei quando li isto: “Já contra o capital, Saramago hoje posa com segurança devido ao cenário de crise global. 'Algumas pessoas, entre as quais me incluo, já vínhamos avisando que algo assim ia acontecer. E agora o que vemos? Que aconteceu mesmo!’" Segurança? O que há de novo em um comunista prever crises no capitalismo, quiçá o seu fim?

É isto: o mundo não ouviu as advertências de Saramago sobre os desastres provocados pelo capital: deu no que deu. Numa entrevista concedida no dia 27. em Lisboa, abusando do suposto direito que uma pessoa de 85 anos tem de ser idiota, ele proclamou que “Marx nunca teve tanta razão”. E indagou: “Onde estava todo esse dinheiro? Estava muito bem guardado. Logo apareceu, de repente, para salvar o quê? Vidas? Não, os bancos". Para o economista Saramago, os bancos todos — e seus correntistas — deveriam quebrar. E os recursos seriam transformados num enorme sopão distribuído pela caridade estatal.

Considero a literatura e o humanismo de Saramago tão delicados e requintados quanto o seu "raciossímio" econômico.

PS: Em 2003, Saramago, ainda apoiador de Fidel Castro, rompeu publicamente com o então ditador por causa da execução sumária, sem direito de defesa, de uns coitados que tentaram fugir de Cuba. Muito indignado, o nosso especialista em cegueira afirmou: “Até aqui fui com Fidel, mas agora...” Etc etc. Vale dizer: até 2003, Saramago não viu nenhum motivo para romper com o facínora, um dos maiores assassinos em massa da humanidade se considerarmos o número de cadáveres que fez em relação à população cubana. Considerados os mortos por 100 mil, por exemplo, ele é quase 2.800 vezes mais assassino do que a ditadura militar brasileira. Inútil exorcizar Saramago. O capeta não abandona mais a carcaça.

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